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Presos aprendem a arte de fabricar o pão de cada dia

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Roberta Trindade – repórter

De longe dá pra sentir o cheirinho. Aquele igual o da casa da vovó. Com manteiga derretida dá água na boca. Uma delícia. Da junção de ingredientes com a  dedicação plena saem várias fornadas bem quentinhas. São 5.505 pães fabricados diariamente em uma padaria nada convencional, localizada dentro do Presídio Estadual de Parnamirim (PEP). São três homens que cuidam da padaria. Esquecidos pela sociedade? Pelo contrário, há vida que produz muito por trás dos muros altos e das cercas do PEP.

Os pães fabricados na instituição são distribuídos para os 478 presos que estão detidos no PEP, além de 14 unidades prisionais de Natal e região metropolitana.

O local de trabalho é tão limpo que é possível perceber o piso simples brilhando. Um rapaz, aparentemente tímido, é o “chefe” da padaria. Aos 26 anos, sabe tudo sobre a fabricação de pães. Faz doce, carteira, francês e ainda cria outras receitas. Ao ver o garoto magro com estatura mediana, uniformizado e disciplinado,  é impossível visualizar um criminoso. A pena de 24 anos e seis meses não condiz com a imagem que ele transmite hoje – a de um homem calmo. Mas, nem sempre foi assim.  Edson foi condenado  por um dos crimes mais cruéis – o latrocínio (mata-se para roubar).

Se matar, levou Edson para trás das grades, seu ato também o fez refletir. Ele diz que não quer nem pensar no passado e que no futuro pretende ganhar a vida com a profissão que aprendeu na prisão. “Aprendi aqui a ser padeiro e quero trabalhar em uma padaria fora daqui”.

Sem medo, conta o que aconteceu no ano de 2003. “Tive uma discussão em um bar com um amigo. Fomos para o apartamento dele e lá aconteceu o crime. Estava bêbado. Dei três  facadas nele que morreu no local. Levei um celular, por isso, o latrocínio. Ele havia me presenteado com o aparelho. Não roubei”, justifica.

Verdades ocultas podem não terem sido reveladas durante a entrevista à TRIBUNA DO NORTE, no entanto, Edson conta que ficou em liberdade apenas quatro dias e, posteriormente, “ganhou” uma cela de cadeia. O tempo foi passando e Edson decidiu trabalhar. “Não sabia nem como era fazer a massa de um pão. Só sabia comer. Quando a gente tem interesse nada é impossível”, acredita.

E é o trabalho que tem transformado a vida de um outro homem. Assim como os outros “funcionários” da padaria, Luiz Antônio de Lima, 34, arrumador da fornalha, acorda às 5h30, pega no batente às 6 horas e só deixa o serviço às 15 horas. “Me sinto feliz trabalhando”.

Luiz esta detido há quase dois anos. Em 2008 tentou violentar sexualmente um menino de 12 anos, na cidade de São Gonçalo do Amarante. A sentença foi  nove anos de prisão em regime fechado.

Antônio atribui a culpa à bebida e afirma que quer esquecer tudo o que fez. Questionado se ele sempre gostou de garotinhos, o preso responde com a cabeça negativamente. “Estava sem crença. E bêbado. Foi só isso”.

O outro preso que trabalha na padaria, também na fornalha, é Clenato Silva de Medeiros, 41, conhecido como “Irmão”. Estatura baixa, de conversa mansa se esquivou, várias vezes, da reportagem. Não quis falar nada da vida e nem o porquê de estar detido. Apenas mostrou um caderno onde continha números referentes as produções de pães. Mas um detalhe mostra que o homem tem fé. Na capa do caderno havia a letra da música do Padre Fábio de Melo. “Deus está aqui neste momento. Sua presença é real em meu viver. Entregue….fale com Deus, ele vai ajudar você”.

Presos capricham na comida e na higiene

Corta aqui, ali, mexe a panela, remexe e mexe novamente. Aquela pitadinha de sal para dar um gostinho ainda mais saboroso. E quem disse que homem não sabe cozinhar? Cozinha e muito bem. Pelo menos no PEP onde 19 marmanjos fazem almoço e jantar para outros apenados. São 3.200 refeições por dia. Boa parte dos alimentos são enviados para outras instituições penais. O cardápio varia de um dia para o outro. Arroz, feijão, macarrão, guizado, frango assado, cuscuz ou sopa. Seja qual for o prato, eles “arregaçam as mangas” e trabalham pra valer. São 70 quilos de arroz feitos no almoço e 60 quilos no jantar, 50 quilos de macarrão no almoço e 45 à noite. Ainda tem uma panelada de feijão  (60 quilos) e o cuscuz que não pode faltar. Tudo com o acompanhamento de uma nutricionista.

 Na cozinha, pasmem, as panelas brilham mais do que em muitos lares comandados por mulheres.  E eles cortam os legumes com tanta rapidez que deixa qualquer dona de casa de “boca aberta”. O responsável pela cozinha do presídio é um homem sorridente e dinâmico. Antônio Viana da Silva, 46, é taxista, cozinheiro e preso. Cumpre pena por assalto e porte ilegal de arma. Desde 2000 vive entre o encarceramento e a liberdade. Beneficiado com o semiaberto foi preso com uma arma embaixo do banco do taxi e voltou a ser detido.  Agora espera mais uma oportunidade para ganhar “a rua” novamente. Enquanto o dia tão esperado não chega, põe ordem em seis cozinheiros, dois chapeiros (que assam carnes e frangos), um açougueiro, dois cortadores de  verduras, dois lavadores de louça e seis distribuidores de alimentos (denominados de pagadores na linguagem do presídio).

José Wellington da  Silva, 28, é  um dos pagadores. Tranquilo e muito trabalhador, segundo os colegas, é  daqueles homens que não parece que um dia foi um bandido perigoso. O rapaz baixinho e forte, torcedor do São Paulo Futebol Clube, foi condenado  a 44 anos de reclusão. Em 2006, assaltou um alternativo na cidade de Ceará-Mirim onde estavam vários passageiros. “Umas 30 ou 40 vítimas”, diz bem baixinho.

José não dá detalhes do crime, afirma apenas que agiu com um comparsa  e que o colega também está detido. O preso tem as mesmas características que os outros condenados (entrevistados). Quando são questionados sobre os crimes que cometeram, abaixam o tom de voz, tentam se esquivar das perguntas e garantem querer esquecer do passado.

   Francenilson Ribeiro Xavier da Silva,  pagador, cumpre pena de dez anos por vários furtos cometidos quando mais jovem. “Agia em Ponta Negra e Candelária bairros da zona Sul da capital. Estou detido há cinco anos. Fui para o semiaberto, depois passei a ser considerado foragido e estou aqui outra vez. O trabalho ocupa minha mente”, desabafa.

Marcos dos Santos, 29, é o “Marquinhos”. Ele toma conta do estoque. Todos os alimentos que chegam na unidade passam por ele e ninguém tira “um grão de arroz” do estoque sem que ele permita. Homem de confiança, trabalhador e extremamente inteligente. Domina a matemática e  outras áreas, entretanto,  infelizmente, em um determinado período da vida, não utilizou a inteligência que adquiriu para crescer na vida de forma lícita.  Em 19 de maio de 2008, na BR-101, em São José de Mipibu foi preso pela Polícia Federal com um carregamento de 16 quilos de crack. O paranaense trazia o entorpecente de Foz de Iguaçu . A droga seria distribuída em Natal. Não houve tempo. A sentença – nove anos de reclusão. Já cumpriu dois.

Marquinhos já havia sido preso por contrabando de cigarros duas vezes antes de ter sido detido por tráfico. E a última experiência não foi nada boa. A mulher e os filhos, de três e sete anos estão em Foz do Iguaçu. É quando ele fala dos filhos que os olhos enchem de lágrimas. “Só vejo minha família por fotos. Não quis gastar um dinheirinho que tinha guardado com advogado. A minha família vive com o dinheiro. Prefiro esperar o tempo que for necessário”.

Questionado sobre o porquê de ter se envolvido com a droga, Marquinho justifica que fez o transporte do entorpecente porque queria montar uma oficina mecânica e iria recebe um bom dinheiro. “Prefiro não falar quanto”.    

Segundo determina a lei penal, a cada três dias trabalhados, o preso tem remissão de um dia na condenação total.

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