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Primevo

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Dácio Galvão
Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e secretário de Cultura de Natal
O primitivismo artístico foi e continua sendo propulsão de resistência identificadora da produção plástica no Brasil. Os elementos ingênuos contribuem caracterizando pontos de certa originalidade que somados as absorções eurocêntricas -mas não somente- continuam a gerar e fazer diferença. É ponto pacífico a presença marcante das manifestas expressões paisagísticas e estéticas, capturadas de chão próprio e de povos originários incluindo a inserção de diásporas africanas.
Com a consciência desse processo, artistas ligados a modernidade ratificaram e produziram trabalhos que referenciam a perspectiva histórica de autonomia. Carimbo de nacionalidade. Ou “entidade” como preferia o autor do Macunaíma. Foi assim com Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti: integrados nas possibilidades de negações antiacadêmicas e ligadíssimos nas disseminações multiculturais no campo das representações ingênuas no Brasil. Sem xenofobismo.  Concomitantemente faziam filtragens de técnicas ligadas as vanguardas históricas incorporando-as a traços identitários do país. Na cena envolvia o campo da antropologia ou, e da etnografia. 
Nenhuma novidade nessa tomada de posição. Artistas da calibragem de Gauguin (1848-1903) ou Paul Klee (1879-1940) mesmo Matisse (1869-1954) e Miró (1893-1983) estiveram antes nesse ativismo perceptivo, na virada do século XIX para o século XX. Podemos somar Modigliani (1884-1920), Picasso (1881-1973) …  obviamente ligados e voltados para o localismo europeu em diálogo com formas asiáticas e no caso de Pablo, as africanas. Formalmente tais associações imagéticas significaram oposição a industrialização burguesa capitalista fortemente em curso. Por aqui não seria outra justificativa, considerando nossas singularidades. O contraponto, foi reativo a mecanização econômica e social. Uma saída foi certa  transcendência de um belo pueril.
No bicentenário da independência do Brasil se repõe os desdobramentos dessas conquistas modernistas. Levada a efeito simbolicamente pelo movimento Pau-Brasil dos anos de 1920. Fórmula consolidada, que continua valendo.
Visitei recentemente a mostra Raio-que-o-Parta, Ficções do Moderno no Brasil, em São Paulo, com 200 artistas e 600 obras. Uma pluralização de pontos constitutivos da modernidade visual brasileira para além da efeméride e do território da Semana de Arte Moderna de 1922. Nela, a destacada presença da artista naif potiguar Maria do Santíssimo (1890-1974). Produção posterior a 1960. Trabalhos da primeira fase, iniciada no final do século XIX, interrompida no início do seguinte, não se tem notícias. Santisssímo sobressai com três quadros -sem títulos- expostos ao lado do refinado gravurista pernambucano Gilvan Samico constante de capas dos discos do Quinteto Armorial. Outros artistas do RN -Erasmo Xavier, Moura Rabelo, Dorian Gray e Iaponi Araújo- participam da exposição com um trabalho cada. 
Os casarios, galos, florais, pavões aparecem em tenra policromia traduzindo imaginários seridoenses. De longe logo se reconhece. Maria é única na tradução pictórica. Não há esforço ótico. Logo se identifica. Não à toa figura exposta junto a Samico friccionando suas técnicas. Ela uma obra aberta no exacerbado despojamento primitivista. Ele na potente técnica cerebral de temáticas primevas celebrando pássaros, árvores, lendas, e arquétipos do contínuo sertão. São Vicente em festa!   
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