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Primor invicto de um regente

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[ poeta, produtor cultural ]

A vida me lembra mil folhas que caem descompassadamente. Algumas se enraízam como carne, pescoço,  e explodem pelo chão, como uma enorme procissão. Outras, arredias, procuram o tempo todo, por um sinal, que deem a elas, o instante onde possam rever novamente suas raízes. E assim as árvores da vida se mostram. Certamente isso me faz lembrar as conversas que aconteciam na porta da casa da minha infância. Certamente foi lá, onde esse percebimento do crescimento das árvores, aconteceu. Infância de tantas e inúmeras pessoas da vida. Onde por inúmeros momentos somos pegos de surpresa, e também surpreendemos os outros. Lembro bem das inúmeras mangueiras da casa do Tirol. De como aconteciam a intrusa presença dos vizinhos, indo em direção as mangas maduras. Era como um trunfo. De um fruto colhido, nascido da argúcia e celeridade dos pensamentos pré-adolescentes. Como se isso acontecesse sem a mínima noção do que estávamos fazendo. Era mais uma ideia, uma vontade de enfrentar o imprevisto, de uma fruta furtada. Do sabor de uma manga colhida entre os tantos cachos das mangueiras. Límpida manga, daquelas tentadoras onde misturávamos o gosto, o doce da fruta, com a delícia do proibido do roubo.

Longe foi um lugar que fui ontem. Colhi presságios e a pressa do olhar. Longe nem sempre representa tudo. É um lugar distante e pronto. Pronto para te possuir e te deixar bem perto de onde voce não quer chegar. Longe é tudo que acaba e recomeça. Longe é como uma aventura sobre o telhado da moça que teima em dizer que não te conhece. Longe, é tão longe mesmo. Assim como uma viagem suspensa. Daquelas que voce pensava que chegaria no lugar desejado. Longe é uma corda de anzol. Longe é o escuro de uma avenida que não termina nunca. Longe é uma lágrima que escorre, quando voce menos esperava que isso fosse possível, acontecer. Longe é tudo que dura. Longe é tudo daquele dia que voce pensou que não resistiria. Longe é um punhado de papel amassado. Longe sou, nesse frio louco e sem juízo, que me faz pensar em voltar para minha terra querida.

Eu sei que o que se disse naquele momento foge a qualquer compreensão. Estávamos fugindo de um limite. Daqueles que voce já não percebe a gravidade dele. Daqueles limites perigosos. Pronto a te desafiar em plena quarta-feira. Limite sempre me disse para eu me calar. Para eu primeiro saber pensar. Limite foi lá me apanhar. Disse que gostava de mim. E pronto. E ai eu fiquei pensando como está esse mundo. Polvilhado de suposições e adesivos. Gostaria muito que nada disso estivesse acontecendo. Disse um senhor aparentemente calmo, que cruzou a avenida desvairada. Limite e pronto. Calma, nunca mais.

Veja: aqui voce não pode ficar. É proibido. E nunca ninguém me desobedeceu. Aqui, é um lugar repleto de obras inacabadas. Um lugar desprovido de música e pão. Um lugar onde tudo parece desmemoriado. Onde tudo é como uma aba de uma enorme jaula. De uma enorme confusão entre o muro do tempo que passa a me olhar, e da tenacidade da ilusão que burla riscos e a enfermidade da paixão.  Salto na próxima. Pois assim que deve ser. Já não aguento mais de tanto diálogo que nos encapuza de tantos trejeitos e da conformidade do que não se tem noção.

Do outro lado do rio, tinha a rua. Desprovida de roubos e ladrões da memória alheia. Era um ir e vir belo. Estava sempre, a rua, à escolha de quem a quisesse como par. Daquelas ruas, onde o presente era sempre inteiriço e de uma fantasia que beirava a um disco possante de vitrola. Era o tempo onde todos davam um bom dia como se estivessem no interior de uma liturgia mundana. E ai formava aquele arco de coro. À capela. Lá, pelo fim da ladeira, se juntava a turma que ficava olhando para o nada. Será?  Eles normalmente ficam na ponta das esquinas e a cada movimento, pode ser o que for, eles acompanham com os olhos. Já viram? São os fiscais de tempo algum. Eles são capazes de  permanecer o dia todo na rua acompanhando com o olhar, o movimento do mundo, da rua. Os seus movimentos.

Diz-se que música é um movimento de preciosidades. De tantos que não cabem na memória de quem assim vivendo, vai passando. Música é como um hino que estabelece a identidade da pessoa com o que não conseguimos ver e sentir. Como uma abissal verdade. Como uma completa oficina de sabores e mergulho. Lançar-se no meio de uma catarse. Assim que a musica respira. Assim que o regente Padre Pedro radiografa seu tempo como um pastor do seu acordes e ressonâncias. Do que se projeta, nascendo dai, novos passos e peças. De uma fabulosa orquestra de vozes. De como isso pode se transformar em um grande palco, oxigenado de clímax e de profundos silêncios.

Passar pela vida como quem não sabe reconhecer sua emoção. Passar pela vida sem descobrir as partituras de Padre Pedro, é não saber o que dizer quando a noite vem, e cintilante, derrama multidões de pedidos e temperanças. Assim é o regente Padre Pedro. Uma catalisadora oficina de sons, acordes, silêncios e balburdias geniais. Assim, é esse ser que serve com seu instrumento, a semente, o adubo da terra por onde os homens caminham e trabalham. Padre Pedro lança com seu olhar sobre as mãos, um cântico de louvor aos milhões de ouvidos eleitos.

Então, sucessivamente, as regências de Padre Pedro enchem de vida as avenidas, vielas, artérias e travessas dessa cidade Natal e de tantas outras daqui e de além mar. A sua universalidade do Coro, faz da sua imagem, uma  paisagem, contagem de variadas e ricas embarcações sonoras. Lê-las e sê-las é como um triunfo, medalha humana, rio que singra a alma, tocante Capela. Árvore frondosa que liberta a brisa de tudo que flui e engrandece. O regente é como um grande pai que aponta com os dedos e com sua alma, a emoção que flora e permanece. Se enraíza nos nossos corpos, como memória que nos faz seres predestinados. Escolhidos. Amparo de uma emoção que não pode, nem tem como classificá-la: tal a sua pureza, magnitude, beleza. Manto que torna seu suor invicto.  Boca de tudo que nasce e encanta. Sopro, acorde, raiz, caule e planta.

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