A governadora Wilma de Faria assinou a liberação de crédito suplementar no valor de R$ 1,275 milhão, para a Fundação José Augusto, não uma, mas duas vezes. A verba foi usada para financiar o esquema chamado “foliaduto”, a contratação de bandas para “shows fantasmas” do carnaval.
No dia 9 de fevereiro, a governadora assinou “ad referendum” duas liberações, uma no valor de R$ 490 mil e outra no valor de R$ 785 mil. O ato previa convênios com várias prefeituras. O objetivo desta “parceria” seria a manutenção de atividades de promoção e difusão artístico-cultural nos municípios. O despacho da governadora foi publicado no Diário Oficial do dia 11 de fevereiro.
No entanto, o ato foi anulado dias depois. E já no dia 13 de fevereiro, o ex-diretor Administrativo da Fundação José Augusto, José Antônio Pinheiro, assinou o ofício número 079/2006, onde pedia a liberação de crédito suplementar no valor de R$ 785 mil. Em outro ofício, com a mesma data, foi solicitada outra liberação no valor de R$ 490 mil.
Os dois ofícios assinados por José Antônio Pinheiro seguiram a mesma justificativa dos ofícios anteriores, assinados pelo diretor substituto Paulo Henrique Albino de Lima, no dia 24 de janeiro. Nos documentos, consta que a verba seria usada para “manutenção das atividades de promoção e difusão artístico-cultural”. A única diferença entre os dois pedidos de crédito suplementar é que, no primeiro, era prevista a assinatura de convênios com as prefeituras. No segundo, o meio previsto para a utilização da verba era a contratação direta dos serviços para manutenção das atividades artísticas e culturais. A mudança foi necessária porque algumas das Prefeituras relacionadas estavam inadimplentes, o que impede a assinatura de convênios.
Os dois pedidos de crédito suplementar, que juntos somam os mesmos R$ 1,275 milhão que haviam sido anulados no primeiro ato, foram aprovados no dia seguinte ao ofício. Em ata datada de 14 de fevereiro, o Conselho de Desenvolvimento do Estado (CDE) aprovou a liberação dos recursos para a Fundação José Augusto. Desta ata consta, entre a de outros integrantes do conselho, a assinatura da governadora Wilma de Faria.
O crédito suplementar de R$ 1,275 milhão, aprovado dessa maneira, foi depois desmembrado em 15 contratos com a FC Produções e Eventos, com dispensa de licitação, publicada no Diário Oficial dos dias 18 e 22 de fevereiro. As contrações seriam para shows em 15 municípios. As apresentações não foram realizadas e mais: os valores cobrados estavam superfaturados. O escândalo das fraudes, que está sendo investigado pelo Ministério Público e pela polícia, ficou conhecido como o “foliaduto” da FJA.
Cronologia
24 de janeiro
O diretor financeiro substituto Paulo Henrique Albino assina os ofícios 031 e 032 solicitando abertura de crédito suplementar no valor total de R$ 1,275 milhão para “produção e divulgação da cultura popular” numa série de municípios.
09 de fevereiro
– A Coordenadoria de Orçamento da Secretaria do Planejamento e das Finanças “de ordem do titular desta pasta” indica que a verba existe e que sairá da Reserva de Contingência.
– Processo chega ao secretário Vágner que remete para a governadora Wilma em regime de urgência.
– Wilma aprova a verba ad referendum do Conselho de Desenvolvimento do Estado.
23 de março
O Ministério Público anuncia que está investigando os shows fantasmas contratados pela FJA.
28 de março
O presidente da Fundação, François Silvestre, admite, em entrevista coletiva, a existência de irregularidades nos processos de contratação de bandas.
3 de abril
O Ministério Público solicita a abertura de inquérito policial à Delegacia do Patrimônio Público.
10 de abril.
Fabiano Mota comparece ao Ministério Público, após faltar a um depoimento marcado para o dia 4.
11 de abril
Cícero Duarte da Costa, do setor de Serviços Gerais; o coordenador Financeiro, Haroldo Menezes; o técnico administrativo e financeiro, Ênio Gomes; o subcoordenador de Serviços Gerais, Jefferson Pessoa, e o diretor geral Administrativo, José Antônio Pinheiro Filho prestam depoimento no Ministério Público.
18 de abril
O Ministério Público toma o depoimento do Diretor Financeiro da FJA, Haroldo Sérgio Menezes.
19 de abril
O presidente François Silvestre pede exoneração do cargo. O governo anuncia a demissão de José Antônio, Haroldo Menezes e do coordenador do Gabinete Civil, Italo Gurgel.
Governo vai processar empresas
O governo do Estado resolveu silenciar sobre as denúncias e a apuração das fraudes na Fundação José Augusto. Também já definiu qual a tese que será apresentada ao público para explicar como a governadora autorizou R$ 1,2 milhão para a FJA contratar shows de carnaval no interior do Estado que nunca chegaram a ser realizados.
Desde ontem, após uma análise dos últimos desdobramentos do escândalo, a governadora Wilma de Faria determinou que “todas as declarações sobre o caso, de agora em diante, serão dadas pelo controlador geral do Estado, o advogado Jorge Galvão”. O controlador geral é o indicado por Wilma para presidir a sindicância interna da FJA sobre as fraudes que ficaram conhecidas como “foliaduto”.
Nesta condição é que o controlador geral ocupou ontem, no início da noite, um minuto e meio em uma rede de tv, paga pelo governo, para um pronunciamento oficial sobre o assunto. A tese repetida por ele é de que “não houve irregularidade na aprovação de crédito suplementar para a FJA, no valor de R$ 1 milhão e 275 mil”.
Jorge Galvão também anunciou a “decisão do Governo do Estado” de entrar com uma ação na Justiça contra as empresas “que receberam recursos da Fundação José Augusto e não os aplicaram devidamente”, ou seja, a F C Motta e M A Produções e Eventos. A determinação foi transmitida ontem pelo controlador ao procurador geral do Estado, Francisco Sales Matos. A Procuradoria ficará responsável por tomar as providências necessárias. “O objetivo é que as empresas ressarçam todo o dinheiro”, afirmou Galvão.
Outra iniciativa do controlador-geral foi sugerir que todos os processos do Governo do Estado, independente da exigência, passem a partir de agora pela análise do Conselho de Desenvolvimento do Estado (CDE). Também deverá ser realizada uma auditoria completa nas contas da FJA, que passarão a ser analisadas pela Controladoria. Jorge Galvão também reconheceu que o Estado não tem condições de acompanhar a utilização dos recursos após a concessão dos créditos suplementares.
Tese das responsabilidades
Em conjunto com a determinação de centralizar as informações sobre as fraudes na FJA, na pessoa do controlador geral do Estado, o advogado Jorge Galvão, o governo também já sinalizou qual a tese adotada para apresentar as responsabilidades sobre o escândalo: toda a culpa é dos ocupantes de cargos comissionados na FJA que ordenaram as despesas – Haroldo Menezes e José Antonio Pinheiro – e do empresário Fabiano Motta.
A “eleição” dos culpados, antes mesmo do término da sindicância interna da FJA ou da conclusão do inquérito que vem sendo conduzido pelo MP, está explícita na insistência em ressaltar a “legalidade” nos processos de pedidos de crédito suplementar e liberação dos R$ 1,2 milhão pela governadora Wilma de Faria, e nas declarações do secretário Vágner Araújo sobre o escândalo. Em entrevista à TN (edição de ontem, 25), o secretário disse que “toda a responsabilidade administrativa por tais atos seja sempre do contratante e dos ordenadores da despesa: aqueles que emitiram e subscreveram o empenho, a certidão da realização efetiva do serviço e a ordem bancária”. Nos autos do inquérito do MP, todos os documentos que formalizam as etapas administrativas descritas pelo secretário têm assinaturas de chefias da FJA, já exonerados dos cargos.
A tese que exime a responsabilidade da cúpula do governo – ou de alguém ligada a ela – se desdobra quando o secretário, na mesma entrevista, ressalta que “nem no momento da alocação de crédito nem nas demais fases, se tem como prever que irregularidades venham a ocorrer na aplicação dos recursos”. O secretário esqueceu o papel de Italo Gurgel, assessor especial da governadora, em todo o escândalo.