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Proto

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Dácio Galvão
Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e secretário de Cultura de Natal
A safra de caju rareada neste mês diminui o charme de janeiro. Foi grande o impacto causado pelas gravuras do História Natural do Brasil. Desenhos de cajueiros editado atrvés da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1942. Os autores: Guilherme Piso e George Marcgrave. Médico, e o segundo astrônomo-historiador naturalista. Compilaram ilustrações de fauna e flora da colônia batava no nordeste brasileiro. Quem possibilitou os escritos-estudos dos dois (1630-1654), foi o conde João Mauricio de Nassau-Siegen. George fez os primeiros acentos de pluviometria em Natal, na Fortaleza dos Reis Magos. Salta na memória a aquarela de Jean-Baptiste Debret na prancha que executou para o Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil e destacou em definitivo a Negra Tatuada Vendendo Caju, datado de 1827, em aquarela sobre papel.
Na escassez do caju obra a visualidade das duas artes que disponho. Um óleo de Vatenor fixando retinas na brancura de dunas. Folhas e galharias com delicadas florações. Seu cajual pictórico valeu atestado de João Cabral de Melo Neto. O escritor de Pedra do Sono (1942) disparou uma sacada sensorial:” Lufada de ar fresco que nos sopra de seus quadros nos faz descansar das pesquisas incansáveis de sempre-vanguarda e também da falsa ingenuidade dos modernos…”. Noutro campo estético um incomum Falves Silva. Desenho acuradíssimo em nanquim, produzido em 1998. Detalha quatro folhas, castanhas-de-cajus, dois pedúnculos amadurecidos e um só maturi. A textura encascada, rugosa do recorte do galho é por demais real. Remessa ao cajueiro-brabo. Folhas ásperas prontas para lixamento. Traços e traços se agregando ressignificam a poeticidade da árvore. Captada em taboleiros, a esmo, pertinho de restingas?
Janeiro em que se propaga as manifestações dos contributos modernistas o caju impõe territórios. Imaginários. Ancestral, originário reivindica lugares fechados ou ao sol. Se não por abundância da safra, combalida por males climáticos-ambientais, acontece por vias e por veias de artistas. Poetas da figuração. Não à toa vem a radicalidade do repouso de João Cabral e do bico de pena de Falves (discípulo direto de Wlademir Dias-Pino). É o signo-caju por via linguística-visual. Os dois ressalvando a devida proporcionalidade na contribuição do desenrolar modernista, referenciam a árvore, o pseudo-fruto… O primitivismo-cubista estilo Tarsila do Amaral – cajus, mamoeiros, bananeiras, risco de mar entornando o Monte Pascoal…- é ponto de contato de Vatenor. Certa tropicalização doadvinda do movimento Pau-Brazil. O cajueiro e a cajuína continuam emblemáticos: na praia de Pirangi. No Piauí.  No cancioneiro popular: Jackson do Pandeiro, Nana Caymmi, Luiz Gonzaga, Caetano Veloso… 
Não bastasse, Mário de Andrade autor de Pauliceia Desvairada, na década que instaurou e exportou a modernidade artística do Brasil escreve de Natal, 21 de dezembro de 1929, para o mundo: “Como, ou se quiserem chupo cajus. Devoro dunas e dunas de caju. O caju é doce, alimentício, medicinal e possui o gosto caju, coisa indescritível e unicamente por quem conhece o caju pelas vias-de-fato.” Prossegue na complexidade que devora o pedúnculo socialmente: “E é justamente pelas vias-de-fato do caju que está a conceitualidade marxista dele”. A ausência do proto caju silvestre primitivo original está fazendo a diferença no janeiro pós-moderno. 
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