Vicente Serejo
Sanderson Negreiros gostava de dizer, naquelas horas rabugentas que desabam sobre a alma da gente, que nada era melhor do que a rotina. De tanto ouvir, passei a também celebrar os dias sempre iguais. Penso nisto todas as vezes que a vida acaba sacudida por uma novidade forte, como ficar confinado, num quarto de hospital, sem capacidade de qualquer decisão. A não ser a de tanger as horas monótonas que estiram dias e noites no longo exercício das esperas angustiantes.
Sempre entendi o sentido que Sanderson dava à rotina ao negar monotonia à mesmice e que vai cavando na alma o túnel até chegar às cavernas onde mora o monstro da melancolia. Não se pode negar o jogo das afeições e desafeições que se joga nesse destino que é viver. Como são inevitáveis as razões e desrazões. Santo Agostinho dizia, e Sanderson repetia sempre: ninguém faz bem o que faz contra a vontade É preciso viver de bem com a rotina e assim compreendê-la.
É o que tento, Senhor Redator, mesmo que tenha dificuldades, algumas vezes. Tenho os mesmos hábitos e os mesmos gostos, sou avesso às mudanças, não gosto nem que se mude de lugar os livros, os sapatos, os papeis. Tento manter tudo bem perto, em torno do arco dessa mesa que tem de tudo. Sou um aposentado de bem com o ócio. Depois de tantos anos, e de faina tão extenuante, nas manhãs, tardes e noites, não condeno, mas também não invejo a quem trabalha.
Aliás, se é pra ser sincero, trabalhei duro por um absoluto estado de necessidade, nascido que fui sem herança e sem o merecimento da fortuna. Precisei construir a minha própria história para ter a pobre vaidade de poder contá-la, embora reconheça que não ficou lá essas coisas todas. Tudo para a velhice ter o pão que mata a fome e o remédio que acalma a dor. Tive sorte e tive amigos – pra que negar? Sem tê-los, ora, o fardo de viver pesaria muito mais sobre os ombros.
Digo mais: se o Diabo tentou, nas suas artimanhas, jogar sobre meus ombros o peso da ingratidão, fracassou. Não sou ingrato, não suporto conviver com a ingratidão, e vivo convencido de que é o câncer da alma, se o câncer tem a triste forma do desassossego. Abandono a carne nos braços do sono sem remorso. Acredito na soberania da alma sobre todas as outras coisas desse mundo, e envelheço sem arrependimento. Como na canção de Gonzaguinha, faria tudo outra vez.
Tenho a pequena história de um homem que se prepara para chegar aos setenta anos sem título nenhum. Uma vez, palestrante de um encontro, uma secretária pediu meu currículo. Voltei com uma página: o ginásio, o clássico e o curso de jornalismo na Faculdade Eloy de Souza. Ela estranhou. Ora, como ter, se nunca exerci cargos, nunca assinei papel timbrado, nunca fui diretor de nada e chefe de coisa nenhuma? Fui e sou jornalista. A vida inteira. E feliz com esse pouco.
RETÉM – É verdade que o governo retém valores que deveriam ser transferidos às empresas do Proedi e que a soma já pode ultrapassar R$ 20 milhões? E que há outras retenções acumuladas?
DÚVIDA – A pergunta chegou a esta coluna que já tentou, sem sucesso, obter a informação junto a algumas fontes da Secretaria do Planejamento. Lá ninguém revela ou nega saber dessa verdade.
AVISO – Foi longa, e o tempo todo na trilha dos temas políticos, a conversa entre o ministro Rogério Marinho e o prefeito Álvaro Dias. Foi da cena real de hoje às cenas projetadas para 2022.
HUMOR – Ou, como disse uma bem humorada fonte junto ao ministro Marinho, ele que nunca perdeu a plumagem de tucano: ‘Ou alguém vai acreditar que foi sobre a arrecadação do IPTU?”.
ALIANÇA – Perdura, em 2021, a aliança – nunca assumida e jamais quebrada – da governadora Fátima Bezerra com o presidente da Assembleia, Ezequiel Ferreira. Em política tudo se explica.
CAFÉ – E se aplicarem uma pesquisa para saber o que o sr. Café Filho fez de bom aqui e longe daqui, qual seria o resultado, à luz dos principais historiadores do Brasil? Café foi um equívoco.
SACADA – De um ‘ecoteólogo’, tentando explicar o desinteresse dos evangélicos bolsonáricos pela defesa ambiental: “Faltou um bom versículo na Bíblia pregando a defesa do meio ambiente”.
DESEJO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, olhando o vazio e a caminhada feliz de uma mulher na solidão triste do beco: “Ninguém anda sozinho quando leva uma paixão”.
BRASIL – Desta vez Jair Bolsonaro tem razão: anunciar plano de incentivo para demitir cerca de cinco mil funcionários do Banco do Brasil e fechar mais de trezentas agências, em plena pandemia, só tendo a sensibilidade de um dromedário. Ora, nada mais surpreende neste governo.
FORD – Várias vezes esta coluna repetiu a frase muito conhecida de que a inquietação social é uma força descontrolada, mas geradora de instabilidade econômica e, por conseguinte, de um perigoso ambiente para os negócios. Na inquietação social, se sabe, o primeiro a fugir é o capital.
REAL – A editoria da revista Época resolveu mostrar a realidade brasileira na sua edição literária de verão. E convidou vinte jovens ficcionistas brasileiros formando o que representa um dossiê dos ‘Gritos contra o Silêncio’. A ideia dos editores foi levar o leitor a olhar para seu próprio país.
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