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Quatro refugiados africanos decidem ir embora

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REFUGIADOS - Os africanos falam sobre seus sonhos e suas expectativas

Desesperados por uma vida melhor, um grupo de 13 africanos de Gana, Guiné-Conacri e Senegal se reuniu e viajou em um barco com destino a Trinidad e Tobago, país caribenho situado ao largo da costa venezuelana. O destino mudou o curso da história e eles chegaram ao Brasil.

Como diz o ditado popular, “o que não tem remédio, remediado está”, eles aproveitaram a oportunidade e pediram refúgio ao Brasil. Hospedados há três meses na residência de uma família natalense que simpatiza muito com a causa, os africanos estão vivendo uma espécie de limbo.

Quatro deles esperam a conclusão dos trâmites para repatriação, pois desejam voltar à África. Os ganenses Francis Essirifie, 33, Matthew Abjei, 37, e o mais velhos de todos, o capitão Lawrence Agyakwa, 45, proprietário do barco, têm filhos e estão com saudades da família. O objetivo da viagem era dar um tempo no Caribe para trabalhar e voltar rapidamente.

O quarto integrante, Lainine Diallo, 18, de Guiné-Conacri, quer voltar porque é muito jovem e está inseguro. “Estou com saudades dos meus pais, quero continuar a estudar”. Quando questionado sobre o porquê de ter  embarcado, ele falou a respeito da confusão que estava no país, que passava por um momento de greve geral, revolta da população e muita confusão. 

Segundo o delegado da polícia Federal, Christian Gomes, os africanos devem aguardar a liberação para o embarque. “Quanto ao pedido de refúgio, é difícil afirmar sobre as chances do grupo. O Conare vai analisar caso a caso e dar um parecer. Pedimos um prazo e estamos aguardando. Eles têm que ter paciência”. 

O pescador Francis está inquieto. Ele não entende porque o processo é demorado e fica mais impaciente por causa da barreira do idioma, pois fala inglês. “Vou voltar para Gana, onde é mais tranqüilo. Quero continuar pescando”. Ele vivia em Guiné há 14 anos mas devido à atividade estava sempre viajando. A mulher e os dois filhos (menina de cinco anos e menino de três) moram em Gana.

Ele e seus compatriotas são os únicos cristãos do grupo. Os outros são muçulmanos. O segundo pescador é o também ganense Matthew. Ele está menos aflito, espera com mais tranqüilidade o fim dessa aventura. Pai de dois meninos, de oito e cinco anos, está chateado porque não tem dinheiro para enviar para a família. “Eles já sabem que estou voltando”, fala expressando um sorriso no olhar.

Mesmo tendo chegado ao Brasil de maneira ilegal e principalmente sem portar documentos, os africanos têm direito assegurados como cidadãos que fogem devido a conflitos internos no país de origem. O texto do artigo artigo 8º da lei 9.474/97 é bem claro: “O ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes”.

E o artigo 7º garante que “em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, nacionalidade, grupo social ou opinião pública”. Por isso os outros membros do grupo desejam ficar.  O advogado caboverdiano Paulo César de Brito Dias, 34, genro da senhora que hospedou o grupo, está defendendo os direitos do grupo na condição de cidadãos que podem receber apoio do Brasil, um país com moderna legislação para refugiados.

Mulher “adota” grupo de africanos

Hoje, 11 de maio, é o dia das mães, e também é a data em que a funcionária pública Zélia Nascimento, 60 anos, contabiliza exatos três meses em que recebeu o grupo de 13 africanos que se perderam no oceano Atlântico. Eles saíram de seu país em busca de uma vida melhor e entraram em um barco que viajou com destino traçado para Trinidad Tobago.

A embarcação perdeu a rota e veio parar no Brasil, na costa potiguar em São Bento do Norte, a 150 km da Capital. Desidratados e famintos, os 13 africanos que saíram de Guiné-Conacri no dia 10 de janeiro aportaram na praia de Guajiru, litoral norte do Estado, no dia 27 de janeiro e foram acolhidos por uma colônia de pescadores.

Dona Zélia parece ter vocação para ter filhos africanos e “adotou” o grupo em sua casa, alojando-os e fornecendo alimentação. Ela ouviu a história deles na televisão e se comoveu. Essa mulher ‘de ouro’ tem um genro que é natural de Cabo Verde e sempre simpatizou com os africanos.

“Minha casa é o ponto de referência para quem mora em Natal ou está chegando. São estudantes vindos da África que me consideram como membro da família”, explica. Nas festas de natal e reveillon, a casa situada no bairro da Cidade da Esperança vira festa. E agora, por estar recebendo um grupo tão grande, em condições adversas, o Dia das Mães é uma data que veio  a calhar para representar toda a dedicação da ‘mãezona’ para com o grupo.

Alimentação e artigos de higiene pessoal não faltam aos moços e à moça que estão em situação oficial esperando resposta para refúgio e para repatriação.  Nesse meio tempo, representam despesa extravagante para a família da funcionária pública que faz milagres para suprir todas as necessidades do pessoal.  Diariamente, ela cozinha dois quilos de arroz, dois de feijão, um quilo de macarrão e cerca de quatro quilos de carne, frango ou outro tipo de prato principal. Para o café e o jantar, são necessários 80 pães, equivalente a R$ 15. “Mas é preciso esclarecer que esses alimentos são para meus filhos e meu marido também”. Na casa, moram 12 pessoas.  “Para mim está tudo bem, eu faço o que posso e a gente vai se virando”.

Refugiar para reconstruir vidas humanas e sonhos

“O refugiado é uma pessoa comum, que teve de deixar para trás seus bens, seu emprego, sua família e seus amigos, para poder preservar sua liberdade, sua segurança e sua vida. Não tem documentos, dinheiro, conhecidos… Na maioria das vezes, a língua e os costumes são novos”.

Esse texto foi extraído de um livreto que explica como é a atuação do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), da qual fazem parte importantes organismos brasileiros ligados aos Direitos Humanos. O Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP), de Natal, é parceiro da entidade internacional e participa de um programa de reassentamento de refugiados.

Quando se fala em refugiados, é importante compreender que se tratam de vítimas de situações de perseguições e conflitos. A legislação brasileira é tida como uma das mais modernas do mundo sobre o tema. Credita-se ao fato de o Brasil já ter passado por uma ditadura militar, quando muitos brasileiros foram obrigados a viver em outros países.

O Acnur conta com importantes personalidades que atuam como embaixadores, à exemplo da atriz Angelina Jolie e do estilista Giorgio Armani. No Brasil, existem mais de 3.500 refugiados que vivem sob a proteção da entidade, a maioria oriunda de conflitos da América Latina.

Em Natal, sob a coordenação de Aluízio Mathias (do CDHMP), vivem 51 refugiados, entre jovens, adultos e crianças. Para evitar exposição desnecessária, ele prefere preservar a identidade do grupo e explica que são pessoas que não se adaptaram ao primeiro país de acolhimento. “A importância desses programas é muito grande porque os direitos humanos das pessoas devem ser protegidos, sem distinção de raça, credo ou condições econômicas”. O grupo é composto por pessoas que viveram atrocidades principalmente na Colômbia. “Nosso trabalho é incluí-los na vida social e garantir acesso à educação e saúde, além de inseri-los no mercado de trabalho”. A parceria com a entidade natalense existe desde 2005 e aconteceu por indicação. “Lutamos pelos   Direitos Humanos há muito tempo”.

Adaptação 

O advogado Paulo César  re-força que faz o possível para mantê-los bem e com saúde. No entanto, lamenta não poder sair com o grupo, passear, promover a adaptação do pessoal com a cultura e o idioma locais. "Tem alguns que entendem bastante e já conseguem construir frases in-teiras. Para quem está há pouco mais de três meses é muito bom".

Por enquanto, os jovens têm documentação que os autoriza a ir e vir mas não a trabalhar ou estudar. Eles não têm muito o que fazer, até porque lhes falta dinheiro para ter vida própria, e se restringem a passear pelas proximidades da casa. Dona Zélia é muito zelosa e tem cuidado para que eles não se envolvam com álcool e drogas.

Esperanças e expectativas do grupo

Inquietos ou apáticos. A situação dos africanos que estão à espera da decisão para o pedido de refúgio ora os deixa desligados do mundo ou eletrizados, agoniados em busca de soluções para sua vida. Eles não têm o que fazer e praticamente só comem e dormem. A dona-da-casa chama a atenção deles para arrumar o quarto e lavar a própria roupa.

“Coloquei ordem com relação à televisão. Só podem assistir à TV até meia-noite, porque estavam ultrapassando o  horário e eu tenho que trabalhar pela manhã”, disse. A maioria é bem tranqüila, mas o soldador Aly Fofana, 28 anos, reclama um pouco da dormida. “É muito apertado. Não tem colchões suficientes”, diz.

Dona Zélia lamenta que solicitou colchões ao Gabinete Civil e também a uma ONG que visitou os africanos, mas o problema não foi solucionado. “Se tivesse colchão, eles poderiam espalhar pela varanda da casa e dormiriam mais folgados. Mas não podem fazer isso porque tem alguns que dividem o colchão”.

Fofana é pai de dois meninos mas decidiu ficar no Brasil pensando em se estabelecer e trazer a família. “Eu não tinha objetivos nenhum, queria apenas fugir daquela situação. A Guiné vive uma ditadura há 24 anos”. Atualmente, seu maior desejo além de ser considerado oficialmente refugiado, é ser inserido no mercado de trabalho.

Ele tem experiência em metalurgia e achou graça quando a repórter da TN informou que o presidente Lula era metalúrgico. Sobre o Brasil, disse que já ouviu falar bastante a respeito da Amazônia (especialmente sobre as cobras da floresta), do carnaval e do futebol. A senegalesa N’Gone Sow, 28, cita também as novelas. “São famosas, todo mundo gosta de assistir”. 

Ela é técnica em contabilidade e tem outras habilidades: sabe fazer trancinhas rastafari, bordados e outras atividades manuais. Atualmente, está fazendo um treinamento para aperfeiçoar seus conhecimentos em técnicas capilares. “Eu já faço umas trancinhas nas vizinhas”.

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