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Quem é o vilão das inundações?

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Situações e trechos de inundações, sofrivelmente conhecidos pelo natalense, se repetem ano após ano. O problema comumente atribuído à insuficiência do sistema de drenagem, é também provocado por outro “vilão” que aparece mesmo em dias de sol. A inofensível garrafa pet, o folder promocional, o papel de bala descartado no chão, sacolas, copos descartáveis e entulho jogados em terrenos baldios, ganham proporção preocupante quando arrastados pela força das águas para galerias e bocas de lobo. O resultado? Ruas inteiras alagadas, bueiros entupidos, transbordo de lagoas, casas invadidas, prejuízos e lamentação.

No inverno, as enchentes são inevitáveisMais que isso. Um gasto de cerca de R$ 2,5 milhões ao ano somente com a retirada de lixo da rede de galerias pluviais, segundo dados da Companhia de Limpeza de Natal (Urbana), poderia ser poupado aos cofres públicos se regrinhas da boa educação fossem praticadas. Um prejuízo imensurável causado a centenas de famílias que perdem “o pouco que tem” por não saber acondicionar e depositar o lixo que produzem.

Embora mais afetada, este não é um problema exclusivo da periferia. Ao todo foram mapeados 107 pontos críticos de inundação em toda a cidade. Boa parte por obstruções dos canais de escoamento da água, pelo depósito inadequado do lixo. As lagoas que se formam em trechos como o cruzamento das avenidas Capitão-Mor Gouveia com a São José, em Lagoa Nova, Seridó com a Afonso Pena, em Petrópolis, Roberto Freire com Valter Fernandes, em Capim Macio, são provas de que o costume de lançar lixo na rua ou mesmo nas lixeiras, em dias e horários que não há coleta, é comum a ricos e pobres.

A dona de casa Maria Aparecida da Silva conhece bem os estragos que a junção de chuva e lixo pode causar. Embora “vasculhe ruas e repreenda quem jogue lixo e entulho”, a casa e comércio localizados na esquina das ruas Manoel Felipe com a Professor Antônio Gondim de Lima, em Dix-Sept Rosado, é endereço certo de inundação, com a constante obstrução da boca de lobo. “Cada um tem que fazer sua parte. Eu proíbo um filho sujar a cidade, por que sou vítima disso. Mas nem todo mundo tem essa consciência”. Próximo dali, duas ruas depois, um terreno baldio serve de depósito para a vizinhança. O entulho e lixo doméstico que caem em outro bueiro do entorno, entopem o esgoto que escorre a céu aberto. “Choveu, isso tudo invade as casas, O povo sofre, mas continua jogando”, disse o aposentado Marcos Teixeira.

Áreas de depressão, como o cruzamento das ruas Teotônio Freire e Felinto Elísio, próximo à Igreja Bom Jesus, na Ribeira, que recebe a água que rola ladeira abaixo acumula pela impossibilidade de infiltração. As 12 galerias ao longo das duas ruas estão tomadas por entulho. Sacos de lixo são jogados diariamente próximo aos bueiros. A limpeza das bocas não é feita pela Urbana, segundo o caseiro Francisco Fontes da Silva, 77, há mais de um ano. Para se livrar das inundações, um batente foi erguido à porta de entrada e móveis como sofá, geladeira e outros, “atravessam o inverno” sob tijolos.

Na Rua Seridó, próximo ao Colégio Atheneu, os constantes alagamentos não foram suficientes para conscientizar a população. Ao longo de todo o canteiro central e em calçadas, do trecho entre a Hermes da Fonseca e a Prudente de Moares, sacos de lixo e móveis esperam ao relento os carros coletores. Bocas de lobo estão “seladas” pela massa compactada de plástico e podas. “Aqui são dois problemas: a rede ultrapassada que não dá vazão e o lixo que cobre tudo”, observa o garçom Severino Ramos. A comerciante Maria Odete Franklin conta que os prejuízos vão além da perda de equipamentos e danos à estrutura. Há dois anos, teve que custear as despesas com tratamento de uma funcionária, que contraiu doença de pele.

Na Rua Mipibu, nas imediações do Colégio Maria Auxiliadora, em Petropólis, e na Avenida Interventor Mário Câmara, em Lagoa Nova, o problema se repete. Causando não somente o transbordo da lagoa de São Conrado, como enchendo vias bem acima, como a travessa dos Milagres, onde moradores se valem de batentes e sacos de areia. O mesmo ocorre na  avenida João XXIII, em Mãe Luiza, próximo ao Mercadinho do Dedé. Nos dias de chuva, segundo a caixa Almira Soares de Souza, a água que escorre do morro carrega tudo pela frente, formando um mar de podridão.

Erosão leva lixo ao Rio Pitimbu

A força das águas e o descaso público têm acentuado o problema de erosão no bairro do Planalto, Zona Oeste da capital. Sem ações para conter o assoreamento, a vala no final da Rua São Bráulio aberta há mais de um ano ganha a alcunha de “canion” pelas dimensões. A cratera, usada como depósito de lixo doméstico e metralhas da construção civil, mede cerca de seis metros de profundidade por dois de largura e cerca de cinco metros de extensão. Com as chuvas, a água escoada das demais ruas arrasta o material para o leito do Rio Pitimbu. 

Segundo moradores, carroceiros e caminhões de construtoras, padarias e restaurantes da região “batem o ponto” diariamente. O lixeiro é tamanho que a lateral de uma das casas foi transformada em  oficina da separação do material para reciclagem.

O auxiliar de serviços gerais Osvaldo Félix de Lima, 42, teme que o avanço da cratera seja contido somente quando a casa em que mora for engolida. “Está assim desde o inverno passado e ninguém faz nada”, disse. Os moradores improvisam aterros para desviar o curso das águas, no período chuvoso. Um poste de iluminação pública também está ameaçado.

Além do risco de desabamento, há relatos do crescimento da insegurança. Segundo o funcionário público Albino Neto, bandidos usam o buraco para se esconder e guardar objetos roubados. O morador chegou a denunciar o caso ao Ministério Público, após acionar diversas vezes, sem resposta, a Prefeitura do Natal. Ao contrário das obras de drenagem e pavimentação da rua, reivindicadas pela população, as medidas da Secretaria de Obras no local se resumem a esporádicos aterramentos. “Esperamos que ao menos o Ministério Público olhe por nós”, desabafa.

Má educação contribui para piorar problema

Embora reconheça que a rede de drenagem é deficiente, incapaz de absorver e dar vazão ao volume de água que facilmente se acumula em dias de chuvas, o gerente técnico de engenharia da Urbana Haroldo Martins atribui uma parcela considerável dos casos de obstrução de bueiros aos maus hábitos da população.

Do sofá à garrafa peti, o lixo avulso ainda é a causa recorrente de entupimentos da rede mesmo quando não chove, que força o deslocamento de garis de outras áreas para dar suporte nos casos de alagamento. Em média, por mês são feitas 180 intervenções deste tipo. A visita se repete ao menor sinal de chuva.  Em alguns pontos, como na Rua do Motor, nas Rocas, a limpeza rendeu 4 toneladas de resíduos.

No total, entre coleta, varrição e demais atividades, a Urbana congrega 1,1 mil garis, sendo 620 contratados pela própria Companhia e o restante vinculado às duas empresas terceirizadas, a Marquise e a Líder. Destes, 42 trabalham com a limpeza e desobstrução de canais pluviais. No período pré e chuvoso essa equipe é reforçada por outros 40 funcionários remanejados do departamento de operações. O número seria suficiente, caso o depósito e condicionamento do lixo doméstico fosse feito de forma consciente. “Mais que infra-estrutura, o problema é de falta de educação, meramente educação”, disse o gerente.

Mesmo a quilômetros de distância, o depósito inadequado recai na rede de drenagem. Quando não entope, acaba sendo levado para rios e reservatórios. “A função de renovar os aquíferos de algumas lagoas de captação é totalmente comprometida, dando lugar à contaminação”, observa.

Existem hoje em Natal, 55 lagoas de captação, das quais 45 urbanizadas, usadas muitas vezes como “lixões”. A manutenção também sai caro. Somente este ano em retirada de mato e lixo da lagoa do loteamento de José Sarney, zona Norte de Natal, foram gastos R$ 121 mil.

Ao todo, 20 reservatórios passaram pela retirada de resíduos nos primeiros meses do ano. O volume de lixo chega a assustar. Somente da lagoa de São Conrado, em Lagoa Nova,  529 caminhões, o que equivale um volume de 2.550 toneladas de lixo, entulho e poda. Endereço certo de transbordamento, das lagoas do loteamento José Sarney e do Panatis, na zona Norte de Natal, o volume chegou a 2.500 e 750 toneladas, respectivamente. Embora conte com uma conscientização maior por parte dos moradores prejudicados diretamente quando transborda, em vários pontos do entorno há pequenos “lixões”. “A educação deve ser coletiva”, afirma Martins.

Por lei, a Companhia é obrigada a executar a coleta do lixo domiciliar, pagos pela taxa de limpeza pública que equivale a 30% do valor total do IPTU, que varia de acordo com a localização e tamanho da área de ocupação de imóvel. Além da limpeza pública, outros serviços, como a retirada de entulhos da construção civil e poda de árvores são de obrigação de quem gera o lixo.

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