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Rachel, a pioneira

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Diógenes da Cunha Lima 
Escritor e presidente da ANL

Rachel de Queiroz (1910 – 2003) nasceu para ser primeira. Causou impacto o seu romance “O Quinze”, que retrata com fidelidade o drama da seca de 1915. É obra-prima escrita por uma mocinha de 18 anos. Estabelece o pioneirismo da mulher no Ciclo Nordestino da Literatura e na adoção das diretrizes culturais da Semana de Arte Moderna.

A ficção, de tão inovadora, acarretou a dúvida sobre a autoria de grandes mestres da nossa literatura. Augusto Frederico Schimdt disse que seria pseudônimo, haveria um homem escondido, um sujeito barbado. Já Graciliano Ramos, por quem ela tinha grande admiração e fora influenciada, afirmou tratar-se de uma pilhéria de algum escritor. Contudo, no ano seguinte à publicação, ela foi agraciada nacionalmente com o Prêmio Graça Aranha.

Depois, a então machista Academia Brasileira de Letras (ABL) concedeu-lhe o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de obras e a União Brasileira de Escritores o prêmio Juca Pato. Ademais, tornou-se a primeira mulher a receber o Prêmio Camões de Literatura.

Havia uma inquietação nos meios intelectuais porque a ABL não permitia a presença feminina. Em 1930, a escritora Amélia Beviláqua, esposa do jurista Clóvis Beviláqua (autor do projeto do Código Civil brasileiro), teve recusada a sua inscrição sob o pretexto de que o Estatuto dizia “brasileiro”. Como se a expressão não se referisse a ambos os gêneros…

Na verdade, a Instituição seguia um modelo da Academia Francesa, criada pelo Cardeal Richelieu em 1635, que só admitia homens no seu quadro. Em 1977, Rachel assumiu a Cadeira nº 5 da Academia. Não fez discurso feminista como se especulava, mas a sua fala demonstra o interesse inclusivo. Ela destaca trecho de Castro Alves, celebração da beleza negra costumeiramente ignorada: “Lá nas areias infindas / das palmeiras do país / nasceram crianças lindas / viveram moças gentis”.

Guardo na lembrança duas oportunidades felizes, em que estive com Rachel de Queiroz. A primeira no Rio de Janeiro, ocasião em que ela me falou com entusiasmo sobre Oswaldo Lamartine e contou-me uma história deliciosa de jangadeiros cearenses. Marinheiros de um grande navio alemão, em alto mar, avistam uma jangada. Entenderam que seriam náufragos. Lançaram cordas salvadoras. Que é que eles estão querendo, compadre? Perguntou o jangadeiro. Acho que eles estão querendo é reboque, responde o outro.

Outra vez, estive com ela em jantar na Escola Doméstica de Natal, a convite da diretora Noilde Ramalho. Contei do projeto da nossa Academia de fazer, à semelhança da ABL, um mausoléu para os nossos imortais. No dia seguinte, recebo através de Noilde um recado dela: “Diga a Diogenes que não faça o mausoléu, porque ele será o primeiro a ser enterrado”. Coincidência ou não, a previsão de Rachel tem acontecido, segundo muitas pessoas me afirmaram. 

Claro que deixei o projeto pronto para decisão do próximo presidente.

Rachel foi também a primeira mulher a publicar crônicas na mais prestigiada revista brasileira “O Cruzeiro” e, posteriormente, em “O Estado de São Paulo”. Ao lado de sua atividade criativa, ela se tornou referência como tradutora. Alguns trechos traduzidos passaram a ser citados com frequência. Entre tantos, ela traduziu o livro de Crone, Erich Remarque; “As Memórias”, de Tolstói; “A Minha Vida”, de Chaplin; Dostoiévski em “Os Irmãos Karamazov”, verteu axiomática frase sempre repetida: “Se Deus não existe, tudo é permitido”.

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