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Racine sai da cena

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Yuno Silva – Repórter
Colaborou Cinthia lopes

A obra de Racine Santos não é nenhuma unanimidade, até por quê, como diz o velho ditado, ‘toda unanimidade é burra’, mas ninguém pode negar que seu nome está escrito no panteão da dramaturgia potiguar, nordestina e – por que não dizer – nacional. Autor de mais de uma dezena de espetáculos, encenados por grupos de várias partes do Brasil e apresentados inclusive na Europa, Racine se despede dos textos teatrais para se dedicar aos romances – disse estar “decepcionado com a atual dependência do fazer teatral aos incentivos públicos”, e garante que, por ora, “está fora!”. Acabou de concluir “Macaíba em Alvoroço”, seu primeiro romance, que pretende lançar até agosto, e já o enredo de um outro alinhavado.
Autor de peças que renderam montagens em todo o país, teatrólogo potiguar se despede do teatro
Como forma de pontuar o fim de um ciclo e início de outro, Racine assiste de camarote a primeira edição do projeto Jornada Teatral Racine Santos, em cartaz de hoje a sexta-feira (24) no Teatro Alberto Maranhão. A programação inclui encenação dos textos “A Festa do Rei”, “Pedro Malazarte” e “Elvira do Ypiranga”, mais leitura dramática de “Chico Cobra e Lazarino” e relançamento de “A Farsa do Poder”.

Com seu indefectível chapéu panamá, óculos aro de tartaruga, sandália, barba sempre bem alinhada e, claro, sua voz rouca, Racine Santos conversou com o VIVER sobre sua relação com o teatro, a admiração por Ariano Suassuna, o acidente automobilístico que lhe tirou a voz e interrompeu a carreira de ator no final dos anos 1960, regionalidade, ditadura e a nova fase literária.

O arrebatamento

Quando fui ao Rio de Janeiro em 1968/69, vi uma peça no Teatro Maison de France chamada “Ubu Rei” (Alfred Jarry, 1873-1907) e aquilo me arrebatou. Falava da época da contestação, do abuso do poder, só encenaram o primeiro ato pois a polícia chegou e parou tudo. Foi ali que percebi que o teatro era meu norte.

Acidente

Comecei no teatro como ator, com Sandoval Wanderley, trabalhei com Jesiel Figueiredo, e quando sofri o acidente no final dos anos sessenta em que perdi a voz passei a escrever. Virei dramaturgo nesse momento, pois não podia mais encenar. Passei mais de um ano me recuperando.

Racine se diz decepcionado com a dependência do fazer teatral aos incentivos públicosDecepção

Resolvi não escrever mais para o teatro. Não que tenha cansado ou esgotado, perdi o entusiasmo. Hoje a dificuldade de fazer teatro é tão grande, a dependência do Estado para produzir é tão grande que desestimula. Estou decepcionado. Para montar um espetáculo tem que concorrer em um edital, procurar lei de incentivo, pedir ajuda ao Governo e a Prefeitura. Antes montava um espetáculo, fazia divulgação e abria a bilheteria; hoje ninguém faz nada sem a intervenção do ente público, isso pra mim é uma violência: o que o Estado quer, como ele quer, por quanto ele quer. Desculpe se estou sendo violento, mas acho isso meio fascista. O que escrevi está aí, que montem minhas peças, acho fantástico, mas por ora estou fora da dramaturgia.

Romance

Terminei agora, “Macaíba em Alvoroço”, quero publicar daqui pra agosto. Estou trabalhando há um ano nele, escrevo e reescrevo, se não for bom é falta de talento mas não falta de trabalho. Esse romance se passa em Macaíba no final dos anos 1950, toda minha ficção parte de um universo e curiosamente esse universo é Macaíba quando tinha uns 10 anos. Vou me dedicar ao romance, depois desse já tenho outro alinhavado sobre Natal em 1968.

Jornada

João Antônio, produtor de teatro e um grande ator, que já montou “A Farsa do Poder” e está trabalhando em uma nova versão para “Elvira do Ypiranga”, dizia que queria realizar um festival com minhas peças. Achava muito presunçoso a proposta e a ideia ficou guardada. Agora deu certo, não sei se vai se repetir mas é um momento de chamar atenção para a dramaturgia potiguar.

A primeira peça

Costumo dizer que minha primeira peça foi “A Festa do Rei” em 1976, foi a primeira escrita com maior consciência, dentro dos conceitos mais formais do teatro. Antes tinha feito algumas experiências como uma via sacra que montamos aqui em Natal e também encenada no interior.

Personagens

Dizem alguns teóricos que os autores só escrevem uma peça ou um romance e ficam desdobrando a mesma história, então vejo no personagem Ferreirinha, de “A Farsa do Poder” (1980), o mais bem realizado. Ele tem muito de Pedro Malazarte e do Coró da “A Festa do Rei”; é o sertanejo esperto, o Chicó do Auto da Compadecida de Ariano Suassuna.

O resto do banquete

Costumo dizer que meu teatro é o resto do banquete de Ariano Suassuna. Ele é meu formador, eu comecei vendo e admirando Ariano, querendo me aproximar dele. Eu trabalho no universo que ele trabalha. Nós acreditamos que o Nordeste é um celeiro de elementos dramáticos, artísticos… está aí a música, a literatura, o cinema.

Linguagem regional

Não uso essa palavra regional. Se sou nordestino, falo, penso e me expresso nordestino, só posso ver o mundo por essa ótica; assim como Nelson Rodrigues enxergou sob a ótica carioca suburbana, Shakespeare, Sófocles, cada um teve um ponto de vista. Só posso falar dos dramas humanos através da minha linguagem, não tenho essa preocupação regionalista, os dramas humanos são universais e eternos: o poder, a corrupção, o amor, a raiva.

A Farsa do Poder
É a minha peça mais encenada, aqui e em outros lugares – do Rio Grande do Sul ao Maranhão e Alagoas, Recife várias vezes. Só no palco do Alberto Maranhão, de 1980 a 2003, ela foi encenada 95 vezes. Fala da corrupção, um assunto atemporal e que não não de moda. Percebo que todo o meu teatro, as farsas, as comédias e os dramas que escrevi, tem por trás de si uma postura do autor que denuncia o abuso do poder. Não de maneira didática e sim artística. Não acredito no teatro panfletário, se uma obra é rica leva consigo a mensagem implícita. Foi assim que alguns dramaturgos e encenadores se perderam nos anos 1960 e 70. Panfleto é panfleto, púlpito é púlpito, palanque é palanque e palco é palco. 
O dramaturgo passará a se dedicar aos romancesArte coletiva
O teatro é uma arte coletiva. Quando escrevo uma peça sozinho em minha casa tenho uma leitura, o diretor/encenador tem outra percepção, os atores faz outra leitura e o público vê outra coisa. Não há como dominar isso. Se a peça tem valor dramático, ela toca todos, funciona. 
 
Internacionalização
Eu fui o primeiro dramaturgo do Rio Grande do Norte a sair do país: estreamos “A Luz da Lua, os Punhais” em Coimbra, Portugal, em 1990. Considero esse texto um divisor de águas em termos estéticos, pois até então eu escrevia o lado farsesco da vida do povo nordestino; e a partir dela passei a escrever o drama, o avesso da farsa. Trabalhei com um diretor galego (espanhol) chamado Moncho Rodrigues, que veio morar aqui em Natal para montar esse espetáculo. Depois dessa escrevi “A Grande Serpente”, que João Marcelino encenou esse ano em Sergipe, e “Quando o Sol se reparte em crimes” sobre Canudos, essa ainda inédita, é meu texto mais recente. Peguei uma situação da guerra de Canudos, um elemento, e conto a história de um casal que chega pouco antes do início da guerra.
Prisão
Curiosamente fui o primeiro dramaturgo do RN a sair do país e o primeiro a ser preso por causa do teatro. Quando fui inaugurar a catedral nova, aquela cruz que tem na frente pois a catedral ainda não tinha sido concluída, fui convidado para encenar e montei uma via sacra. Na plateia estavam os militares, as autoridades. No dia seguinte fui preso com todo o elenco, a Rádio Rural que transmitiu foi suspensa por três dias, por que disseram que era uma peça subversiva. Era final da ditadura, tornei persona non grata. A partir daí começaram a me marcar, montei uma via sacra “O caminho da cruz” de Newton Navarro que a apresentação não foi autorizada.
Era do espetáculo
Vivemos a era do espetáculo: Arena das Dunas, Copa do Mundo, milhões, milhões, espetáculo, espetáculo, pão e circo. Mais circo que pão. Vejo a coisa muito sombria, cadê a voz do artista. Veja: eu escrevo uma peça, reúno o elenco, ensaiamos dois três meses, guarda roupa, cenário, técnico de iluminação e anuncio. E quem vem ao teatro? Três ou quatro gatos pingados. Não há mercado para o teatro, ou é subvencionado ou chama um ator global ou aposta nesse humor barato, ou tem como fazer.

Racine Santos agora vai se dedicar aos romances. Em agosto lança Macaíba em Alvoroço
TEXTOS ENCENADOS

» “A Festa do Rei” (1976)
»“A Farsa do Poder” (1980), encenada 95 vezes no palco do TAM até 2003
» “Pedro Malazarte” (1980), encenada mais 2 mil vezes pelo grupo de teatro de rua Alegria, Alegria
» “Bye Bye Natal” (1985), musical
» “Maria do Ó” (1989), estreou em Recife
» “À Luz da Lua, os Punhais” (1990), estreou em Coimbra, Portugal
» “A Grande Serpente” (1991), estreou em Recife
» “O Guarani” (1994), adaptação de romance de José de Alencar e montada em Portugal
» “Elvira do Ypiranga” (1994)
» “Chico Cobra e Lazarino”, (2000), texto também montado em São Paulo, Recife e Salvador
» “O Voo do Cavalo do Cão” (2006), estreia em Mossoró
» “Uma cidade vestida de Sol”, musical ainda inédito com plano de montar em 2014

Serviço

Jornada Teatral Racine Santos, de 22 a 24 de maio no Teatro Alberto Maranhão.
. Dia 22 – “A Festa do Rei” (9h, 14h30 e 20h)
. Dia 23 – “Pedro Malazarte” (16h); leitura dramática de “Chico Cobra e Lazarino” (20h); relançamento do livro “A Farsa do Poder” (21h)
. Dia 24 – Elvira do Ypiranga” (9h, 14h30 e 20h)
Informações: 3222-3669 8861-3318

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