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Recato

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Carlos Gurgel
poeta produtor cultural
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Marize hoje acorda, ela sempre está desperta. Marize hoje escuta. O longo e insistente mundo. Ela bem mais que nós, sabe a graça e a desgraça do que é viver. Pois seus pés são como um enredo do exercício diário de tanta e incalculável esgrima. Escreve como uma luneta brandindo ouro e fezes. Marize é como uma revoada de tantos enigmas, partidas, esconderijos e paixões. Ela sempre virá. Com seu suculento diagrama gramatical. Ela sobe escadas, porque a paixão do poeta é ver alturas. Ela rascunha no giz do barro do chão, a rubra travessia dos pássaros. Como a olhar para nós e chorar de tanto ânimo. Fato é, que seu colar noturno, é uma deusa, sereia de tudo que encontra e apolineamente recata. Penso que a mente de Marize é um trilho que subverte rotas e a íngreme razão do bem querer. Ela, translúcida de faróis e caís, se lança, mergulha como um periscópio, maruja de uma embarcação sem tinta e tão absurdamente amada.

Quando conheci Marize na época do Festival do Forte, final dos anos 70, ela me mostrou suas indecifráveis poesias e eu adorava sorrir dos versos tão verdadeiros que ela escrevia e me punha à ler. Ali, nascia uma poeta tão única e bendita. Até hoje quando a vejo, me encontro e me encanto com Marize, essas poesias reflorescem, alimentando a epopeia por onde a amizade é como um jarro preenchido de raízes e sementes. Assim prosseguimos, como nativamente potiguares. Bronzeados por essa luz brisa, que adormece entre os braços de Marize, atônita e cristalinamente azul.

Essa poeta ela vem do lago onde a irrecusável angulação dos sonhos, pulsa. As mãos de Marize, livra e limpa como um vendaval de silêncios, a circular oração da noite. Marize tritura recados e lembranças. Ela, por si só, é um labirinto incorrigível. Ela intimamente, explode de incontáveis fibras rosas. O quintal por onde Marize aduba seus mistérios e descobertas, não aceita o que se escuta dentro da serra, sede de ingratidões e displicências. Essa mulher é tão provincianamente contemporânea, inaudível e moderna. Enquanto, a poeta Marize, é puro ouro, como a desfazer prognósticos e a morada dos indefesos perdões. A roupa que Marize escolhe para viajar e se despedir das paisagens, ela tem que conter o sal das ostras hermafroditas, loucas pessoas pedindo passagem e a divisão de um beijo. Marize ela nunca dorme.

Eu sei que um dia, eu e ela, vamos conversar muito sobre o abismo onde está escondido a putrefação das hordas de tanta peregrinação pedante. Sei, sei muito bem, que o seu perfeccionismo é uma célula demiurga, de tanta observação, incondicionalmente vista e vasta, que até penso que Marize nunca existiu.

Hoje acordei como se Marize tivesse incorporado uma oração. Fechei meus olhos e descobri que a alma de um poeta, sempre saí do corpo e flutua pelo espaço onde a confirmação da vida, é uma frase pendurada na janela do quarto de dormir.

Marize nunca pára e nunca infante fica. Ela tem um sensor, que lhe avisa da  evidência de tantas catástrofes e ribanceiras por onde as avenidas descansam. Amanhã, eu sei, ela me acordará e recitará sua última poesia do planeta. As árvores chorarão. Será como uma blasfêmia que acontecerá no entorno das pedras indefesas e humanas.

Hoje, de manhã, a noite veio me visitar. Ela trouxe uma carta de Marize. Confesso que não li essa carta. Pois a solidão da praça que eu frequento, me sussurrou que as horas são meros abusos do tempo, como um buquê invadido da relva da selva do jardim.

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