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“Recebemos uma fração muito pequena dos investimentos estrangeiros”

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Andrielle Mendes
Repórter

O mundo descobriu o Brasil. Durante a nova crise, o país se mostrou maduro e seguro e atraiu não só os olhares, mas os investimentos do mundo inteiro. Segundo números do Banco Central, o ‘estoque total’ de investimentos estrangeiros aplicados diretamente no país chegaram a US$ 660,5 bilhões (R$ 1,2 trilhão, considerando a cotação do dólar comercial  na última sexta, a R$1,8030). O número com zeros a perder de vista é pouco, se comparado a tudo o que é investido no mundo, afirma Felipe Cavalcante, presidente do Conselho de administração da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil – ADIT Brasil. O Brasil, segundo ele, tem tudo para continuar sendo o ‘queridinho’ dos investidores estrangeiros. Quase tudo. Felipe defende uma série de reformas, a começar pela tributária e trabalhista, e teme que o país se acomode. “Isso costuma ocorrer quando está tudo muito bem”. Aos estados, cabe acompanhar o desenvolvimento do país, encontrando sua vocação e tomando medidas de curto, médio e longo prazo. Quem fizer isso, abocanhará as maiores fatias no bolo dos investimentos estrangeiros, sejam eles aplicados por pequenos investidores ou grandes empresas.
Felipe Cavalcante, presidente do Conselho de administração da ADIT Brasil
Em 2011, o PIB brasileiro cresceu menos do que o esperado. Um crescimento de 2,7% ante um crescimento de 7,5% em 2010. A indústria de transformação, considerada um dos motores da economia, ficou estagnada. Como foi o ano de 2011 para os setores representados pela ADIT Brasil?

Dois mil e onze foi um ano de ajustes. Puxaram o freio de arrumação, depois de um 2010 de muita euforia. Isso foi sentido no setor imobiliário. Houve uma redução na velocidade das vendas. Também houve o agravamento do cenário externo. Com as várias notícias sobre a crise na Grécia, Europa, EUA, as pessoas se retraíram um pouco. Mas isso foi importante para o setor. Incentivou a racionalidade, fez com que as empresas colocassem os pés no chão. Entendemos que isso é saudável e faz parte do ciclo. No setor turístico, estamos indo muito bem, tanto na hotelaria urbana quanto na de lazer. Mas não vemos nenhuma possibilidade de grande ruptura dentro do Brasil a médio e longo prazo. A economia está crescendo de maneira sustentável. Não estamos mais  alçando voo de galinha – crescendo 10% num ano e caindo 2% no outro. O governo brasileiro entendeu que para ser desenvolvido tem que crescer pouco e sempre. A gente tem seguindo esta linha nos últimos anos. O Brasil está num momento magnífico do ponto de vista econômico e demográfico. Todo momento de euforia é seguido por um momento de pé no chão. Esses são ajustes cíclicos que não mudam direção nem a tendência geral de mercado, que é muito positiva para os próximos 10, 15 anos.

Que projeções você faz para 2012?

Um ano melhor que o ano passado. As piores nuvens estão ficando para trás. Há uma tendência de queda da taxa de juros. E a crise da Grécia está começando a ser superada. As pessoas não falam mais em calote dos EUA. A agenda ficou positiva. A economia como um todo – e o mercado imobiliário especialmente – são movidos por confiança no futuro. O Brasil hoje inspira mais confiança do que os países da Europa e os EUA. Aqui não temos nada do que ocorreu com outros países. As projeções são muito boas. O mercado, como um todo, vai bem.  O que vislumbro para os próximos dois anos, neste segmento, é a retração das grandes empresas e o crescimento das pequenas e médias. Na parte do turismo, tudo continua como antes. Não tem muita mudança.

A participação dos estrangeiros nos dois segmentos representados pela associação vem caindo desde a crise de 2008 ou já dá sinais de recuperação?

Na verdade, há uma mudança de perfil. O que nós tínhamos até 2007, 2008 eram compradores de segunda residência, principalmente no Nordeste. Natal foi uma cidade que testemunhou isso de forma muito forte. Este perfil praticamente se extinguiu com a crise. Há seis, sete anos o preço dos imóveis era mais baixo. O real também era mais fraco. Os europeus compravam imóveis ou terrenos quase de graça. A Europa também vivia um bom momento. Todas essas primícias acabaram e secou este mercado. Em contrapartida, o mundo descobriu o Brasil. O mundo ia passar mais oito, nove, dez anos para descobrir que o Brasil era um país estável e maduro. Com a crise, o mundo acordou para esta realidade. A quantidade de investidores vindo para o Brasil tem aumentado muito, inclusive no setor imobiliário. Agora quem vem não são mais os europeus buscando uma segunda residência. Agora são os norte-americanos, gestores de fundos de investimentos, que vem para investir no mercado imobiliário, procurando empresas locais, projetos locais, para colocar dinheiro. E na maioria das vezes, eles não querem gerir o empreendimento. Querem o retorno do capital.

Com a crise, imobiliárias, construtoras, incorporadoras e hotéis se voltaram para o mercado interno. Esta foi uma solução momentânea que será colocada de lado tão logo os outros países se recuperem ou o mercado interno foi o grande achado e não será abandonado nem se os outros países se recuperarem?

Nós, empresários, precisamos estar sempre nos adaptando. O mundo mudou. E o Brasil também mudou. O presidente Lula lançou o Minha casa, Minha vida e o PAC, a construção civil e a infraestrutura estourou no país, e o país inteiro se voltou para o mercado interno. Acho que nem tão cedo isso vai se reverter. Não tem como voltar a ser como era antes. Não nos próximos cinco anos. Por muitos anos ainda, o grande foco de atuação no imobiliário e turismo vai ser o mercado nacional. Se daqui a oito, nove, dez anos o mercado mudar, as pessoas terão que se adaptar novamente, para sobreviver.

Números do Banco Central apontam que o valor aplicado no Brasil por investidores estrangeiros – seja pessoa física ou jurídica – alcançou US$ 660 bilhões – US$ 188 milhões a mais do que haviam projetado. São Paulo, em 2011, também se tornou a quarta cidade do mundo que mais recebeu investimentos estrangeiros. O Brasil, com a nova crise, se tornou um dos estados mais seguros para se investir, por isso esse valor está subindo?

Qualquer valor que o Brasil receba já é muito relevante. Mas o país ainda recebe uma fração muito pequena dos investimentos internacionais. O nosso mercado imobiliário já é o segundo mais procurado pelos investidores (fica atrás apenas dos EUA). Este movimento vai continuar. No mercado imobiliário, os grandes investidores são os fundos de pensão. Este pessoal está começando a chegar ao Brasil. De uma forma geral, o apetite pelo Brasil, na minha opinião, vai continuar por muitos anos. Aprendemos com os EUA e a Europa a gerir uma economia. Aplicamos este conhecimento e estamos colhendo os frutos. Eles esqueceram o que nos ensinaram. O governo federal está gerenciando a macroeconomia de forma responsável. Tudo leva a crer que o valor aplicado amanhã no Brasil será maior do que o que está sendo aplicado hoje.

Como o Brasil pode aproveitar este momento e continuar sendo o ‘queridinho’ dos investidores?

A gente não pode ficar eufórico no momento de euforia e não pode ficar medroso no momento que inspira temor. Não vejo nos próximos anos nenhuma possibilidade dessa filosofia mudar. Mas vejo um ponto negativo nisso tudo. Como está tudo indo bem, a gente corre o risco de ficar protelando algumas medidas importantes. Acabamos deixando de tomar uma série de medidas fundamentais para garantir nossa competitividade  a longo prazo. Há uma série de questões que precisam ser enfrentadas e acabam ficando escanteadas sempre que a economia vai bem.

Você podia citar algumas?

O sistema tributário precisa ser encarado. É uma loucura o Brasil ser o segundo país mais burocrático depois da Índia. A questão trabalhista também. Essa rigidez não representa mais a modernidade. A parte ambiental continua sendo um entrave, principalmente a falta de esclarecimento e segurança jurídica. Não o rigor ambiental, que deve existir. Mas é que fica muito difícil quando não sabemos quem licencia o quê. Obviamente nada disso muda enquanto o sistema judicial brasileiro não mudar. O grande problema do Brasil é que não há punição. Enquanto não houver punição, as pessoas vão continuar fazendo o que bem entender.

Como o Nordeste se insere neste contexto?
O Nordeste começa a reduzir o abismo que o separa do Sul e Sudeste. Não só por conta do próprio crescimento, mas por conta da politica de distribuição de renda. O Nordeste cresce mais do que o Brasil, porque a base também é menor. O Nordeste está avançando. Você vê um movimento de retorno muito forte. As pessoas não precisam mais sair daqui. É o contrário. A engrenagem da economia está se mexendo e esse movimento, na minha opinião, é irreversível. Cabe agora a cada estado se tornar um destino atrativo para o investidor. O Nordeste vai continuar crescendo, mas dentro do Nordeste uns vão crescer mais e outros menos, dada a capacidade de gestão de cada um.

Como se destacar neste cenário?

Buscando profissionalismo. Todo estado tem que ter uma equipe profissional. Quem não tiver uma equipe de primeira linha vai ficar para trás. Planejamento é fundamental. Cada estado tem que entender bem sua vocação e investir nela. O investidor também tem que ter confiança no interlocutor. Se prometer algo, tem que cumprir. Investir em infraestrutura e ter um bom mercado interno também é importante. Se Pernambuco tem um porto competitivo, como é o de Suape, e um mercado interno forte,  é óbvio que ele sairá na frente. Isso não quer dizer que os outros estados não tenham chance. Se Suape existe é porque há 30 anos alguém teve essa ideia e começou a trabalhá-la.

O MTE divulgou, recentemente, quanto os investidores estrangeiros pessoa física aplicaram em todo o Brasil no ano passado. Enquanto o valor investido no RN subiu 0.7% entre 2010 e 2011, em estados como o Ceará subiu 56%. Por que estados como Ceará avançou e o RN não?

Eu não conheço a realidade dos dois estados. O que posso dizer é que esta era uma das perguntas que os jornalistas cearenses se faziam até o ano passado. O RN sempre foi o primeiro nesta lista. A sociedade potiguar tem que se perguntar é porque isso está acontecendo. O Rio Grande, sem sombra de dúvida, tem uma marca consolidada no exterior. É desproporcional. Parece que só há o Rio Grande do Norte no Nordeste. Mas é preciso saber tirar proveito desta marca.

Este número sinaliza que nosso Estado pode está deixando de ser atrativo?

Talvez. Pode sinalizar uma mudança na política de captação de investimento do RN, que não quer mais determinados tipos de pessoas. Alagoas, por exemplo, prefere qualidade e não quantidade.

É muito comum ouvir que o RN tem muito potencial, mas não consegue deslanchar…

É o que a gente chama de doença holandesa. Alguns países e regiões são dotados de grandes recursos naturais, mas não conseguem aproveitar esse potencial. O que poderia ser uma solução, acaba se tornando um problema para eles. Por ter muito potencial, eles acham que estão fadados ao sucesso e se acomodam. Regiões como Sergipe não tem belezas naturais como o RN e estão se mexendo para sobreviver.

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