terça-feira, 16 de abril, 2024
25.1 C
Natal
terça-feira, 16 de abril, 2024

Recém-formados vão para o interior

- Publicidade -

Roberto Lucena – Repórter

Quando concluiu o curso de Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 2005, Juliana Fernandes de Sá Rocha, de 27 anos, tinha muitos caminhos a escolher. Optou por ocupar uma vaga no Programa Saúde da Família (PSF) no município de Santa Cruz, localizado a 111 quilômetros de Natal. Durante dois anos, Juliana fez incontáveis viagens entre Natal e o maior município da região Trairi. A experiência, além de cansativa, foi válida, pois a jovem médica aprendeu que, no interior do Estado, há possibilidades para um futuro promissor. Assim como Juliana, outros profissionais estão descobrindo que o sucesso na profissão pode estar longe dos grandes centros urbanos.

Ainda na faculdade, Juliana comentava com colegas de sala sobre como seria o futuro pós-colação de grau. As incertezas eram inúmeras, mas a maioria pensava em seguir para outros estados, como Rio de Janeiro e São Paulo, com o objetivo de fazer residência. “Eu pensava diferente. Meu tio já era médico em Santa Cruz. Assim que me formei, vim para cá. Em conversas com professores, muitos já me alertavam sobre a falta de médicos nas cidades do interior e as possibilidades de mercado oferecidas”, lembra a médica.

Ao chegar a Santa Cruz, uma constatação: havia apenas um oftalmologista na cidade. De acordo com os números do censo realizado ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade possui 35.345 habitantes. Além dos habitantes, o município recebe, diariamente, a visita de outras pessoas que moram em cidades próximas. “Percebi aí, uma ótima oportunidade. As pessoas não tinham opção. Muitas vezes era preciso se deslocar até Natal para fazer um simples exame de vista. Decidi então me especializar em oftalmologia”, conta Juliana Rocha.

Com visão empreendedora, a decisão de tornar-se oftalmologista veio acompanhada da ideia de abrir uma clínica médica na cidade. “Fui procurar parceiros, estudar o mercado e vi que o negócio era absolutamente viável. As pessoas querem ser bem atendidas e pagar um preço justo sem precisar viajar para capital”, explica.

A especialização, realizada na própria UFRN, em Natal, durou três anos. Juliana recebeu o diploma em dezembro passado. Antes de concluir os estudos, o sonho de possuir a própria clínica já havia se concretizado. A Oftalmed foi inaugurada há seis meses, porém, os atendimentos eram realizados pelo sócio Carlos Dutra Júnior, que à época, já era oftalmologista.

Bem instalada e funcionando em um prédio amplo localizado logo na entrada da cidade, com sete consultórios e um centro cirúrgico, a clínica recebe pacientes de várias cidades, inclusive de estados vizinhos como a Paraíba, e é especializada em cirurgia de catarata. “Realizamos, em média, cinquenta cirurgias por mês”, diz Juliana. Além de consultas oftalmológicas, a Oftalmed conta com clínico geral, otorrinolaringologista, reumatologista, urologista, cardiologista, gastroenterologista e em breve haverá um consultório dentário e boa parte dos atendimentos é realizada em pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Para montar a clínica, Juliana Rocha e os sócios  investiram alto, mas o retorno, segundo previsão de Juliana, deve ser compensado no máximo em três anos. “As pessoas costumam estigmatizar os médicos que ficam no interior como atrasados, sem qualidade. Creio que estamos mudando essa impressão”, diz Juliana.

Oportunidades estão em expansão

Decidir por fazer as malas e mudar-se de vez para o interior, pode ser a garantia de lucros rentáveis. Aldo Medeiros, vice presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte (OAB/RN), diz que, há alguns anos, percebe o processo migratório de advogados que se formam na capital e vão morar no interior. “Tenho como exemplo minha cidade, Parelhas. Há cerca de quatro anos, só havia três advogados na cidade. Hoje, esse número passa dos dez”, relata.

Atenta a esse detalhe, a OAB/RN criou, em 2007, a Comissão de Interiorização. O grupo gestor é responsável por acompanhar o trabalho dos bacharéis nos municípios interioranos do RN. “A Comissão fiscaliza como está o andamento dos trabalhos desses advogados. Analisamos quais são as dificuldades enfrentadas pelos colegas, como por exemplo, a falta de juízes nas comarcas. Em seguida, pleiteamos melhorias junto a Justiça. O trabalho tem dado bons resultados”.

De acordo com Juliana Rocha, na área de saúde, por exemplo, há um mercado consumidor amplo a ser explorado. Especialmente com relação a exames de média e alta complexidade. “Aqui em Santa Cruz, ainda temos uma carência na questão de auxílio no diagnóstico das doenças”, explica.

A informação é confirmada por Tiago Dias. Segundo ele, a falta de equipamentos e profissionais que possam realizar exames mais detalhados, é uma das razões para que médicos prefiram ficar na capital. “Para tratar um paciente, o médico precisa se cercar de vários cuidados e ter informações complementares para elaborar um diagnóstico preciso. Infelizmente, não dispomos desses equipamentos ou profissionais nas pequenas cidades”, revela.

Devido a essa necessidade, Tiago, juntamente com o pai Nilson Dias, decidiram criar o Instituto de Radiologia de Caicó. A unidade recebe pacientes de cidades distantes, como Assu, e realiza exames em convênio como SUS. “A ideia é ajudar os colegas de profissão e os pacientes que moram próximo e não têm como se deslocar até a capital”, diz Tiago.

No campo jurídico, a advogada Maria da Conceição informa que o interior do Rio Grande do Norte “está de braços abertos” para os novos profissionais. “Há espaço para os novos bacharéis. A demanda só cresce e faltam advogados em várias cidades”.

Juliana Rocha afirma que, mesmo com o espaço aberto para novos negócios, muitos médicos preferem ficar na capital, entre outros fatores, por “modismo”. “A  ‘fachada’ de ser médico na capital é muito bonita, mas no interior do estado, é melhor”. Para provar a afirmação, Juliana explica que um médico conveniado a um plano de saúde, recebe, por consulta, após descontado impostos e pagamentos de clínica e pessoal, algo em torno de apenas R$ 6,00. “Sem falar que, para receber esse valor, espera-se até quarenta dias”, completa. O Rio Grande do Norte possui 167 municípios. Muitos deles não contam com clínicas, escritórios de advocacia ou contabilidade. De acordo com o IBGE, a população no RN, nos últimos dez anos, cresceu 5,5%.

Advogada de Alexandria é pioneira no município

Natural de Alexandria, município localizado no Alto Oeste do estado, a 369 quilômetros de Natal, Maria da Conceição Sarmento de Oliveira, de 35 anos, precisou de muito incentivo dos familiares, especialmente da mãe, para decidir mudar-se para a capital. De origem de uma família humilde, a mudança aconteceu somente quando já havia concluído a vida escolar em escolas públicas. Em Natal, fez cursinhos pré-vestibulares e tentou, por diversas vezes, ingressar em uma faculdade. “Fiz vários vestibulares, até perdi a conta. Justamente devido à qualidade do ensino em Alexandria”, diz.

A primeira aprovação foi para o curso de Geografia, em Campina Grande/PB, na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).  Quando faltava um ano para se formar, conseguiu ser aprovada no vestibular para Direito na UnP. “Não abandonei a Geografia. Fiz os dois cursos. Foi uma época difícil. Passei mais de um ano vivendo dois ou três dias em uma cidade e os outros dias em outra cidade. Estudava dentro dos ônibus, nas escadas da faculdade e não tinha final de semana para lazer”, lembra. Para pagar a faculdade particular, Maria da Conceição contou com o Programa de Financiamento Estudantil (Fies).

Em julho de 2007, Maria da Conceição terminou o curso de Direito. Às vésperas de se formar, ela já imaginava como seria seu futuro. Enviou currículos para várias empresas até que foi contratada por uma delas. “Depois de um ano de trabalho, passei a me questionar o porquê de não colocar meu próprio escritório. Logo pensei em voltar para Alexandria. Dessa vez, a família foi contra. Queriam que eu ficasse em Natal e estudasse para concurso”. Na cidade, até então, não havia nenhuma advogada. Em outubro de 2009, após investimento inicial de R$ 6 mil, e de forma pioneira, Maria da Conceição abriu seu escritório. Desde então, o número de clientes só faz aumentar. “Hoje em dia, atendo não só a cidade de Alexandria, como também tenho clientela nas cidades circunvizinhas”, diz.

Os prós e os contras de trabalhar longe da capital

Quando questionados sobre quais as vantagens de morar no interior da capital, os profissionais que optam por esse estilo de vida são unânimes: baixo custo econômico. A quase inexistência de problemas inerentes aos grandes centros como violência, trânsito caótico e estresse é outro ponto apontado como diferencial. “O custo de vida é menor que na capital. Além disso, aqui em Alexandria, você pode andar livremente pelas calçadas e não ser assaltada, transita pelas ruas e sempre fala com alguém, não tem o estresse de chegar atrasada”, relata Maria da Conceição.

“Gosto de morar em Caicó. É aqui que quero viver. Não tenho problema de trânsito. E se for observar o lado econômico, se comparado com quem está em Natal, ganho bem melhor”, diz Tiago Dias.

Por outro lado, a falta de opções para o lazer e a dificuldade para encontrar auxiliares competentes é apontado como uma falha. “Quando fui abrir a clínica, o pior problema foi encontrar mão de obra qualificada. Precisava de uma auxiliar de enfermagem e foi muito complicado achar bons profissionais em Santa Cruz”, relata Juliana Rocha. “O lazer em Caicó fica a desejar. Não temos opções. Nesse caso é preciso viajar durante os finais de semana”, diz Tiago.

Qualidade de vida e salários são atrativos para médicos

Filho do médico Nilson Dias de Araújo, Tiago Pereira Ramalho Dias, de 28 anos, nasceu em terras natalenses. Com apenas dois anos de idade, foi morar em Caicó, localizada a 256 quilômetros de Natal. Na capital do Seridó, Tiago estudou até concluir o antigo primeiro grau. Com o intuito de se preparar para as provas do vestibular, voltou a morar em Natal onde concluiu o segundo grau. O primeiro vestibular foi para o curso de Fisioterapia. Aprovado na Universidade Potiguar (UnP), cursou apenas um semestre. O desejo de ser médico, alimentado desde a adolescência, falou mais alto. Após quatro tentativas, a aprovação no curso de Medicina aconteceu em 2003, na Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte (FMJ), no Ceará.

Em junho de 2009, com 27 anos de idade, Tiago concluiu Medicina e decidiu voltar a Caicó. “Ser médico é uma missão. Decidi seguir essa missão na minha cidade. Aqui, posso ajudar a sociedade”, diz. Pesou na decisão, o fato dele sempre gostar da vida simples do interior e de seu pai já possuir uma carreira consolidada na cidade. “Gosto dessa qualidade de vida, sem estresse do trânsito. Fora isso, ganharia bem menos se estivesse na capital”.

Nos planos de Tiago, está o de se especializar em radiologia e herdar o comando do Instituto de Radiologia de Caicó, pertencente ao pai. Enquanto não retorna aos estudos, divide o tempo entre atendimentos em uma unidade do PSF da cidade, no Centro de Atenção Psicossocial (Caps), hospital regional e uma unidade de saúde particular. “Quero oferecer condições para que outros colegas de profissão possam diagnosticar melhor as doenças nos seus pacientes”, explica.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas