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Rede de assistência é insuficiente no RN

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SAÚDE MENTAL - Crianças com transtorno mental precisam de atenção, mas falta atendimento na rede pública

Aos oito anos, Tiago (nome fictício) é um dos pacientes mais antigos do Capsi/Natal (Centro de Atenção Psicossocial Infantil). Desde os seis meses de idade ele sofre de epilepsia, que interferiu em seu desenvolvimento mental. Para cuidar do filho, a mãe deixou o emprego de costureira. “Meu marido se separou quando  Tiago nasceu, disse que não iria registrar um filho doido. Assumi tudo sozinha”, conta ela, que teve os outros dois filhos registrados pelo ex-marido.

Como Tiago, cerca de 12,6% dos brasileiros entre seis e 17 anos apresentam sintomas de transtornos mentais no país, como depressão, desvios de comportamento e dificuldades de aprendizagem, entre outros. Isso representa uma média de cinco milhões de jovens. Os dados são de uma pesquisa nacional realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Instituto Ibope.

Quando investigou o atendimento à Saúde Mental infanto-juvenil na rede pública, os pesquisadores observaram que a rede de assistência é precária para atender a essa demanda. O Rio Grande do Norte é um exemplo dessa realidade: são 167 municípios e apenas dois Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (Capsi), sendo um em Natal e outro em Mossoró. Cada Capsi é administrado pelo município para atender à população da  cidade.

Nas entrevistas da ABP 12,6% das mães entrevistadas disseram ter um filho com sintomas de transtorno mental importante ao ponto de necessitar tratamento ou auxílio especializado. Dessas,  menos da metade (46,7%) obteve tratamento no SUS, 28,9% não conseguiu ou não teve acesso ao atendimento público e 24,2% conseguiu ajuda por meio de convênio ou profissional particular.

Para se ter uma idéia, hoje são 264 Centros espalhados no país, com uma capacidade média de 240 pacientes por unidade, segundo a ABP. Em um cálculo simples, o estudo mostra que seriam necessárias mais de 20 mil unidades para os cinco milhões de jovens com transtornos mentais, quantidade cem vezes maior do que a oferecida, ou que cada unidade pudesse atender a 19 mil pessoas.

 A presidente da ABP/RN, a psiquiatra Myrna Chaves, diz que a pesquisa atenta para a necessidade de uma assistência à Saúde Mental que chegue a todos. “A tendência é diminuir os leitos de hospitais psiquiátricos, necessários apenas em casos mais graves de transtornos. Para os que não necessitam de internação, a rede oferecida é deficiente, por isso há uma demanda reprimida de pacientes. Faltam mais Centros e profissionais. Conheço somente dois psiquiatras infantis no Estado”.

A pesquisa fez 2.002 entrevistas em 147 municípios de todas as regiões brasileiras, e de acordo com a localização, a carência de serviços cresce: a na região Norte há apenas seis Capsi, enquanto o Centro-Oeste conta com 13 centros.

Hiperatividade lidera o ranking de transtornos

A pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria mostra que a maior parte das crianças e adolescentes apresenta sintomas para mais de um transtorno mental.  São três milhões ou 8,7% dos brasileiros entre seis e 17 anos que apresentam sinais de hiperatividade ou desatenção, 7,8% com dificuldades com leitura, escrita e contas (sintomas correspondentes ao transtorno de aprendizagem), e 6,7% mostram irritabilidade e comportamentos desafiadores.

Já 6,4% apresentam dificuldade de compreensão e atraso em relação às outras crianças da mesma idade. Dos transtornos ansiosos, 5,9% têm ansiedade importante com a separação da figura de apego, 4,2% em situações de exposição social e 3,9% em atividades rotineiras como deveres da escola, o futuro e a saúde dos pais. 

Para tratar da indisciplina e falta de interesse na escola, o pai de Raul (nome fictício) foi orientado a levar o filho para um tratamento no Capsi Natal. “Ele pulava a janela da sala e não queria fazer o dever de casa. Moramos sozinhos”, diz o pai. Aos oito anos, o menino cursa o primeiro ano do Ensino Fundamental e ainda não sabe ler.

A psicológica do Capsi Natal, Ilana  Queiroz, explica que um diagnóstico preciso nem sempre é recomendado, porque os sintomas podem sofrer alterações à medida em que essas crianças amadurecem. “Quando dizemos que um paciente tem um transtorno X e pronto, é como se fechássemos as portas para um tratamento que possibilite avanços”.

Nas oficinas de pintura, Raul vai aprendendo a lidar com a inquietude e ansiedade. “Veja a árvore que pintei”, mostra orgulhoso.

Desestruturação familiar é problema

Na área de problemas de conduta, a pesquisa da ABP mostra que mentir, brigar, furtar e desrespeitar são comportamentos apresentados por 3,4% das crianças do país. Sintomas que levam ao diagnóstico de depressão aparecem para cerca de 4,2% das crianças e adolescentes.

A psicóloga infantil Mônica Pedrosa Machado, explica que a maioria desses transtornos é conseqüência da desestruturação familiar. “Até os sete anos de idade a criança desenvolve seu caráter e personalidade, e o comportamento da família é essencial nessa construção”, diz a especialista.

Segundo Mônica, não adianta haver escolas preparadas e centros especializados se o problema é gerado no âmbito familiar. “É preciso resgatar os valores como respeito ao próximo e hierarquia familiar. No contexto econômico atual, os pais têm cada vez menos tempo, e isso acaba sendo um trabalho da escola”.

A psicóloga dá como exemplo os países desenvolvidos, onde as crianças estudam em tempo integral. “É um excelente modelo de ensino, que vai além do saber ler e escrever, porque forma cidadãos”.

“Rede de atendimento deve ir além”

A coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Natal, a psicóloga Conceição Valença explica que ter apenas um Capsi em Natal não  é o real problema da rede de assistência à Saúde Mental. “O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é relativamente recente, bem como o processo de construção das políticas públicas específicas, que estão em processo de construção”, justifica.

Conceição acrescenta que o mais importante é que o atendimento seja visto de forma mais ampla, investindo no acesso à profissionalização, cultura, esporte e lazer. “Precisamos de projetos que favoreçam as potencialidades de cada paciente, bem como um apoio integral por parte da família e também da escola, e sociedade como um todo. O Capsi não resolve o problema sozinho”.

Ela explica ainda que observar o ambiente familiar em que cada um está inserido também é imprescindível. “É na família que surgem os problemas, pelas relações afetivas e vínculos pessoais com cada membro”.

O trabalho integrado entre os diferente setores é a melhor saída para um sucesso no tratamento continuado dos transtornos mentais, acredita a especialista, “porque contribuem com um desenvolvimento adequado de cada paciente, a partir de suas necessidades”. Complementa.

Bate-papo: Lúcia de Araújo Martins – UFRN

A escola está preparada para lidar com alunos com dificuldades de aprendizagem em virtude de transtornos mentais?
Vou responder a esta questão na perspectiva das pessoas que com necessidades educacionais especiais em geral, inclusive deficiência intelectual. Elas foram isoladas em instituições especializadas até o início da década de 70, excluídas de escolas regulares, pois havia uma visão errônea de que eram incapazes de aprender, de avançar na sua aprendizagem e de conviver num ambiente regular de ensino, sem causar problemas. Gradativamente foram sendo inseridas em classes regulares (desde que se adaptassem às mesmas), com base no paradigma da integração. Em decorrência disto a escola passa a ser desafiada a se ajustar a seus alunos, a buscar caminhos com vistas a atendê-los em suas necessidades, respeitando as diferenças individuais existentes. Porém, muitas barreiras ainda se antepõem à inclusão escolar, de ordem física, pedagógica e atitudinal (preconceitos, estereótipos e mecanismos de defesa).

Como  esta realidade pode mudar?
Para incluí-lo realmente esse aluno no processo educacional é  preciso oferecer condições efetivas de avançar em sua aprendizagem e socialização, com mudanças substanciais na escola. Destaco um investimento sério na formação dos profissionais de ensino, tanto em nível inicial (oferecer cursos de licenciatura com a inclusão de disciplinas e conteúdos de educação inclusiva), como em nível continuado (cursos e eventos pautados nas necessidades dos professores de classes regulares diante da inclusão desses alunos).  Isto contribui para ajudá-los a derrubar barreiras atitudinais, e também iria possibilitar condições de mudança na maneira de perceber todos os alunos sob sua responsabilidade, na organização de serviços existentes, na forma de atuar pedagogicamente com eles e de avaliá-los com suas diferenças. É preciso união maior de esforços de vários segmentos educacionais, nesse sentido.

Quais os benefícios dessa socialização no ambiente escolar?
O processo inclusivo – quando bem empreendido – proporciona ganhos para todos da comunidade escolar. Para os alunos com deficiência ou com outra necessidade educacional especial, a convivência com seus colegas considerados dentro dos padrões da “normalidade” proporciona maior interação, maior desenvolvimento nas áreas social, motora, lingüística, cognitiva e acadêmica. Os colegas crescem sem tantos preconceitos, com uma visão mais realista sobre a vida e diversidade humana e os profissionais da escola são desafiados a derrubar barreiras ainda existentes frente a tais alunos, tidos como “diferentes”, e ainda buscam conhecimentos aprofundados para poder melhor atuar com a diversidade do alunado em geral.

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