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Reforma polêmica e demorada

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Ricardo Araújo – repórter

Francisco Domingos, 65 anos, aposentado. A primeira frase desta reportagem não terá sentido algum caso você não leia esta reportagem até o final. Chico Domingos é o paciente com transtornos mentais mais antigo internado do Hospital Psiquiátrico João Machado, onde fixou residência desde os 17 anos de idade. Há quase 50 anos “esquecido”, ou simplesmente abandonado pela família, o ex-pescador se transformou num referencial da própria história do Hospital Colônia, fundado em 1957. Além de compor os 3% da população brasileira que sofre com transtornos mentais severos e persistentes, Chico espera, há 12 anos, a aplicabilidade integral da Reforma Psiquiátrica do Sistema Único de Saúde (SUS), que lhe tiraria do isolamento e o reintegraria à sociedade.
A principal mudança proposta pela Reforma é quanto ao modelo de tratamento: no lugar do isolamento, o convívio social
 A “devolução” de Chico Domingos e dos outros doze colegas de confinamento ao convívio social se transformou numa batalha que envolve uma complexa teia de Assistência Médica e Social, cuja viabilidade divide opiniões país afora. Há os que dizem que a Reforma Psiquiátrica é o melhor caminho. Outros afirmam que não há como extinguir os Hospitais Psiquiátricos sem a garantia do atendimento de alta complexidade dispensado aos pacientes em tais unidades. Afora a discussão em torno do tema, assim como nas demais áreas da Administração Pública, a reformulação dos modais de atendimento psiquiátrico no país rompe anos e não é aplicada conforme descrita na Lei Federal 10.216 de 2001. Historicamente, os transtornos mentais são marginalizados e tratados com preconceito.

 “No passado, as doenças mentais eram tratadas de forma excludente. Há um temor histórico por quem é portador de uma doença mental”, afirma o diretor técnico no Hospital João Machado, o psiquiatra Jair Farias. Ela aponta que mesmo com a evolução da Psiquiatria ao longo de 60 anos de história, a sociedade ainda age com preconceito em relação aos pacientes com transtornos mentais. “A própria doença tira a pessoa do senso do equilíbrio. O problema é cultural e sempre existiram os modelos excludentes de tratamento”, relembra.

#SAIBAMAIS#O próprio Hospital Psiquiátrico João Machado, inaugurado no final da década de 1950, deixava os pacientes para lá encaminhados longe do convívio social. Isto porque, o bairro do Tirol, naqueles idos, era composto basicamente por grandes lotes de áreas verdes e poucas habitações. “Só vinha aqui quem tinha negócio”, recorda o psiquiatra. Os anos se passaram e o conhecido Hospital Colônia chegou a internar até 700 pacientes na década de 1980, enquanto as doenças mentais ainda eram tabus para a Medicina. Com o avanço da indústria farmacêutica e das pesquisas médicas, que descobriram a origem de parte dos transtornos mentais durante os anos 90, as unidades psiquiátricas começaram a ser esvaziadas com o advento de drogas específicas para o tratamento de doenças mentais, sobretudo os antipsicóticos clorpromazina e haloperidol.

 Chico Domingos assistiu, ao seu modo, a passagem de todos os episódios acima elencados. Sofreu intervenções mecânicas, como  a eletroconvulsoterapia, tentou fugir. Seus braços fortes, que antes agitavam grades e portões de ferro da unidade hospitalar em busca da liberdade, hoje definham, em decorrência de doenças degenerativas. Sua fala é incompreensível e sua locomoção só é possível através de uma cadeira de rodas. Chico deixou de ser um “doido de pedras” e passou a ser um paciente com transtornos mentais. Ganhou dignidade desde que sua doença mental passou a ser pesquisada e tecnicamente tratada. Mas não reconquistou a família.
No Hospital Psiquiátrico João Machado, alguns pacientes estão reclusos há mais de 50 anos
O que Francisco Domingos, 65 anos, aposentado, vislumbra, porém, é uma saída para o imbróglio que envolve a Saúde Mental no Brasil e, sobretudo, a volta ao seio familiar. “O Hospital vem trabalhando na reinserção dos pacientes na sociedade, mas muitos perderam o contato familiar. O que é lamentável”, pontua o psiquiatra Jair Farias.

Desafios

A Política Nacional de Saúde Mental tem como objetivos e desafios que, quando postos em prática, irão modificar o atendimento psiquiátrico no país. O Governo Federal quer reduzir, de forma pactuada e programada, os leitos psiquiátricos de baixa qualidade. Além disso, qualificar, expandir e fortalecer a rede extra-hospitalar formada pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais (UPHG). Atualmente, alguns hospitais gerais se negam a receber pacientes psiquiátricos afirmando que não possuem expertise para tratá-los caso um psiquiatra não fique de prontidão.

 Estima-se, ainda, a inclusão das ações da saúde mental na atenção básica, implementação uma política de atenção integral voltada a usuários de álcool e outras drogas, implantação do programa “De Volta Para Casa”. Este último integra os programas do Governo Federal nos quais o beneficiado recebe uma “bolsa” para manter o tratamento e não precisar recorrer às unidades de saúde diuturnamente. A Política Nacional de Saúde Mental contempla a garantia ao tratamento digno e de qualidade ao louco infrator (superar o modelo de assistência centrado no Manicômio Judiciário).

 Entretanto, existem muitos desafios a serem superados. Dentre eles estão: fortalecimento de políticas de saúde voltadas para grupos de pessoas com transtornos mentais de alta prevalência e baixa cobertura assistencial; consolidação e ampliação de uma rede de atenção de base comunitária e territorial promotora da reintegração social e da cidadania; implementação de uma política de saúde mental eficaz no atendimento às pessoas que sofrem com a crise social, a violência e desemprego. E, talvez o mais complexo: aumentar recursos do orçamento anual do SUS para a Saúde Mental.

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