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Relatos de quem está na linha de frente do combate à pandemia

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A TRIBUNA DO NORTE conversou com cinco dos milhares de profissionais que estão atuando diretamente no combate ao coronavírus no Rio Grande do Norte e que, mesmo com o risco de contrair a doença, garantem o funcionamento do sistema de saúde diariamente para esses e os demais pacientes do Estado.
#SAIBAMAIS#

Os depoimentos foram diversos, do médico que atende no município de Serra Caiada, no interior do Estado, pelo diretor do principal centro de referência para internações por covid-19 na capital, à coordenadora dos auxiliares de serviços-gerais desse mesmo hospital, e à técnica que está à frente da emissão dos diagnósticos no Estado e um enfermeiro da rede de atenção básica que viu a rotina de sua Unidade se transformar desde a chegada do vírus.

As histórias e trajetórias desses profissionais são diversas, assim como os graus de valorização de suas respectivas profissões pela sociedade. Apesar disso, seus depoimentos trazem pontos em comum.

O primeiro, é que o medo existe, mas não é paralisante. Conscientes do risco ao qual estão expostos diariamente, os profissionais cobram a disponibilidade de EPIs e ressaltam a importância da higienização. O segundo, é que a colaboração e o pensamento coletivo estão sendo constantes no enfrentamento à doença, e devem partir não apenas deles, mas de toda sociedade. O terceiro, é que, isolados muitas vezes das famílias em suas próprias casas pelo risco de contágio, e impossibilitados de deixar de exercer suas profissões, eles pedem àqueles que têm a possibilidade de ficar em casa  durante esse período, para que fiquem.
Themis Rocha
Por trás dos diagnósticos do COVID-19

Há 12 anos, a farmacêutica e bioquímica Themis Rocha, 45 anos, trabalha como responsável pela biologia molecular no Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Lacen). Desde o mês de março, no entanto, a rotina de 12 plantões mensais se transformou. À frente dos exames diagnósticos de covid-19 no Estado, a farmacêutica e sua equipe chegam a trabalhar 15 horas diárias para tentar obter o maior número possível de diagnósticos, o primeiro passo para conseguir garantir a contenção do vírus.

“A rotina foi completamente transformada. Antes, tínhamos uma rotina de 12 plantões mensais e, agora, estamos atuando como plantonistas em tempo integral. Ao invés de 12 horas de trabalho diário, fazemos 15, de domingo à domingo. Há uma pressão para que os resultados saiam rapidamente, porque eles são fundamentais para a contenção da doença, então estamos o tempo todo tentando agilizar esse processo. Por dia, conseguimos fazer quase 200 amostras de material genético extraído. Há muitos gargalos em nossa atividade, porque necessitamos de reagentes que o mundo inteiro está requisitando. Sou casada e tenho dois filhos, e mal tenho visto meu filhos nesses dias. Saio de casa cedo, quando eles ainda estão dormindo, e saio do Lacen por volta das 21h, então quando chego em casa eles já costumam estar recolhidos. Marido e filhos entraram para um segundo plano nesse momento, infelizmente. Mesmo assim, diante desse momento, acho que nunca vi tanta gente unida em prol do outro, principalmente na área da saúde. Todos estão trabalhando juntos, um apoiando o outro. É algo que me comove, e é uma honra trabalhar com esses profissionais. Esperamos que esse momento de furacão acabe, se transforme em uma tempestade leve e, eventualmente, entre à rotina dos demais agravos. Isso, no entanto, só deve acontecer em pelo menos 12 semanas”.

André Prudente
À frente do principal hospital de referência para internamento

À frente do Hospital Giselda Trigueiro, principal referência para atendimento de doenças infecto-contagiosas na capital potiguar, o infectologista André Prudente viu a rotina diária se transformar com a chegada do novo coronavírus ao Rio Grande do Norte. Em todo País, infectologistas passaram a ser figuras recorrentes nos noticiários,

e a demanda de comunicar à população a real situação dos serviços de saúde e às recomendações passaram a integrar a lista de tarefas diárias do médico, além de garantir o funcionamento

do Hospital, que abriga 25 leitos específicos para casos suspeitos de covid-19.

“Tudo mudou. Os esforços hoje são concentrados integralmente em atender às pessoas que estão com suspeita do novo coronavírus. Temos trabalhado em uma carga-horária muito maior do que a habitual. Todos os compromissos que eram fora do hospital foram cancelados. Temos tido pouquíssimo tempo com a família, com filhos, com a esposa. Não há tempo para lazer, assistir um filme, ler um livro. Chegamos em casa todos os dias esgotados, só com condições de despencar e dormir. Toda atividade hoje está completamente voltado para coronavírus. Não conseguimos falar sobre nenhuma outra coisa que seja a doença, e isso acaba levando a uma saturação mental. São 24 horas por dia trabalhando, discutindo e enfrentando um único tema. Isso é algo novo para nós.”

Sebastião Alves Filho

No interior, o combate ao vírus não deixa de lado as demais doenças

Dezenove dias após o primeiro diagnóstico positivo para o novo coronavírus, já há registros de casos da doença em 121 dos 167 municípios potiguares. Com pouco mais de 10 mil habitantes e localizada há cerca de 74 km da capital, a cidade de Serra Caiada teve apenas um caso suspeito notificado, que foi posteriormente descartado pela Sesap. Atuando no município enquanto médico da estratégia de saúde da família, Sebastião Alves conta que, mesmo nas cidades mais distantes dos casos confirmados, toda organização do sistema de saúde foi modificado para evitar a disseminação da doença. Com 58 anos e hipertensão, Sebastião se aproxima dos grupos de risco para desenvolvimento do quadro grave da doença, mas afirma que não pretende deixar a população da cidade com um profissional a menos durante a crise.

“Aqui existem cinco unidades de saúde, duas na zona urbana e três na zona rural. Quando foi decretada a pandemia, nós já começamos a tomar algumas atitudes: fizemos mudanças na rotina da unidade, orientamos pessoas que são do grupo de risco e que eram atendidos para que fiquem em casa, mas sempre ressaltando que não haverá prejuízo em seu acompanhamento médico. Tivemos que reduzir em 90% o fluxo geral de pessoas que circulava diariamente na unidade. Os agentes de saúde têm um papel fundamental, porque eles são a ponte das famílias e o serviço. Eles já foram orientados pela gestão e pelas unidades para ressaltar a importância do recolhimento, e também quais os serviços que estão sendo oferecidos nesse momento. Uma coisa muito importante é organizar o serviço para dar conta da demanda espontânea, porque um paciente não pode ser desassistido de seu direito ao atendimento presencial. Muitas pessoas estão assustadas, há notícias falsas circulando e muitas vezes recai sobre nós a responsabilidade de repassar a informação correta e responsável. O medo é um sentimento natural de qualquer um que esteja em qualquer serviço de saúde nesse momento. Faz parte da nossa condição de ser humano, mas esse medo não vem como pavor. Eu tenho um compromisso, com meu contrato, com as pessoas que atendo. Tenho 58 anos e pressão alta. Não sou sedentário, mas sei da minha condição. Só a partir dos 60 eu poderia pedir afastamento mas, na minha situação, vejo que preciso estar mais aqui do que fora. Esse é um dos momentos que demanda a colaboração de todos para ser superado”.

Jessiany Cunha

ASGs garantem higienização permanente

Há uma unanimidade entre todos os profissionais de saúde e autoridades públicas no que diz respeito à prevenção contra o Coronavírus: a higiene. Tutoriais sobre como lavar corretamente as mãos, desinfetar superfícies passaram a encher as páginas de conteúdos nas redes sociais. Nos hospitais e unidades de saúde, profissionais de limpeza e assistentes de serviços gerais, que já exerciam funções essenciais para o funcionamento do sistema de saúde, agora passam a ter um papel central para evitar a disseminação da doença. A supervisora dos ASGs do Hospital Giselda Trigueiro, em Natal, Jessiany Cunha, conta os desafios enfrentados pelos profissionais que estão garantindo a higiene nos ambientes pelos quais passam os casos suspeitos e pacientes.

“O pessoal da higienização está trabalhando muito. Precisamos abrir uma nova ala, fazer remanejamento de pessoal, e ainda não tínhamos contratado novos higienistas. Eu precisei desfalcar alguns setores para colocar higienização exclusiva nesse local. Tudo é uma correria, porque é muitas vezes o serviço desses profissionais que vai impedir que outras pessoas sejam infectadas pela doença. Assumi o cargo há pouco tempo, cerca de três meses, e não imaginava que algo assim fosse acontecer logo de cara. No início, eu tinha muito medo. Minha mãe chegou a me pedir para reavaliar o emprego, e eu tive que explicá-la que, se todos os profissionais pensassem assim, não sobraria ninguém para cuidar dos doentes. Apesar disso, tive que aumentar os cuidados. Não tenho contato com ninguém de minha casa. Chego do trabalho e vou direto para o lado de fora, tirar a roupa e tomar banho. Não falo com ninguém, passo reto.. Para vir para cá, pego transporte público, então quando chego aqui é a mesma coisa. Meus pais não são idosos, mas ambos são hipertensos, então o cuidado com eles é redobrado. Eu evito estar muito perto, mesmo não tendo sintoma nenhum. Em casa, minha rotina passou a ser no meu quarto. Não janto mais com a família, tento ficar lá o maior tempo possível. A primeira coisa que devemos tirar dessa crise é a capacidade de pensar coletivo. Também espero que a figura do higienista saia mais valorizada. É um serviço sem o qual os hospitais não estariam funcionando hoje, então que tudo abra nossos olhos para o fato de que ninguém faz nada sozinho, todos precisam uns dos outros”

Nauã Rodrigues

Busca por fontes de informação seguras virou prioridade

O enfermeiro Nauã Rodrigues, de 31 anos, viu a Unidade Básica de Saúde de Brasília Teimosa, onde trabalha, ser completamente transformada no mês de março. A Unidade, localizada na zona Leste da cidade, dentro do bairro de Santos Reis, está inserida em uma Área Especial de Interesse Social (AEIS), e virou um dos 4 centros de referência para atendimento de doenças respiratórias no município. Nauã conta que a Unidade, à qual muitos dos moradores do bairro costumavam recorrer para consultas e atendimentos, teve seu fluxo de pacientes radicalmente reduzido, e novos protocolos passaram a integrar a rotina dos profissionais.

“O uso dos Equipamentos de Proteção Individual, que antes não era uma preocupação, de repente passou a ser uma coisa constante em nossas cabeças. Como o vírus é novo e não temos tantas informações a respeito dele além do fato de que a transmissibilidade é alta, isso gera um impacto no psicológico. A coisa do “não saber”. Em oito anos como enfermeiro, nunca tive medo de prestar um atendimento. Agora, não é que temos medo de atender, o medo é mais do desconhecido. Aqui na UBS a gente tinha demanda de muitas consultas agendadas, e também a demanda espontânea, que era como se fosse o encaixe médico. A partir da chegada do Coronavírus, suspendemos boa parte das consultas agendadas, e deixamos a maior parte dos atendimentos voltados para os pacientes com sintomas respiratórios. Querendo ou não, a demanda da Unidade diminui um pouco para as doenças não-respiratórias  Eu acompanho quase diariamente o noticiário, mais nos jornais noturnos, quando estou em casa. Busco as fontes oficiais, ficar longe das fake news e de todo alarde. Minha principal estratégia para lidar com o momento tem sido me blindar das mentiras.”

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