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Requiem para as livrarias?

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PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
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Algumas revistas e jornais franceses anunciaram o fechamento da Livraria La Hune, em Paris. Originalmente, foi instalada no famoso Boulevard Saint Germain. Confessamos que nunca fomos um turista assíduo, tampouco um bibliófilo contumaz. Já foi um privilégio ter visitado três vezes a capital francesa (o que é de bom tamanho para “un paysan de Jucurutu”) e aquele espaço literário, onde adquirimos exemplares de obras filosóficas, doados posteriormente à biblioteca de uma Faculdade de Teologia.

La Hune foi fundada por intelectuais franceses da Resistência, logo após a Segunda Guerra Mundial. Segundo informações, a sexagenária livraria dará lugar a uma loja de reproduções fotográficas. Não é a primeira vez que se encontra ameaçada. Em 2012, teve que deixar sua sede histórica e transferir-se para o nº18 da Rue de l´Abbaye. No endereço primitivo reina agora a grife Louis Vuitton. É um sinal que explica a progressiva diminuição do mito literário e sua substituição pelo comércio de luxo: perfumes, malas e bolsas caríssimas, que pouca gente consegue comprar. No entanto, sabemos que Paris é Paris. E as tantas livrarias lá existentes alimentam o hábito de leitura de seus habitantes.

Em situação semelhante ficará o Rio de Janeiro, que, na época de comemoração de seus 450 anos, perde a icônica livraria Leonardo da Vinci. Depois de 63 anos de lutas para se manter viva, fechará as portas. Desde 1952, era reduto de intelectuais e universitários, que buscavam obras clássicas e importadas. Em tempos anteriores à internet, era responsável por suprir os leitores com os últimos lançamentos editoriais da Europa. Aos poucos, foi adicionando alguns títulos nacionais às prateleiras. Carlos Drummond de Andrade homenageou com versos a loja, que fica no subsolo do Edifício Marquês de Herval. Após a morte de seu fundador (o romeno Andrei Duchiade), em 1965, sua esposa Dona Vanna (Giovanna Piraccini) assumiu a direção da livraria. Em 1996, Milena juntou-se à mãe na gerência dos negócios. Coube à filha a dolorosa e triste decisão de fechar as portas da renomada casa de livros. Não aguenta mais operar com prejuízo e, em breve, o antigo e histórico prédio da Avenida Rio Branco não contará mais com as estantes povoadas de livros da melhor qualidade, como aconteceu por seis décadas. Eis o desabafo de Milena: “Teimosia tem limite. Nosso modelo de negócio é inviável. Nós estamos sendo punidos por nossas qualidades. Nossas virtudes tornaram-se defeitos. Não temos um café, não vendemos papelaria, revistas, nem material de informática. Não vendemos best-sellers, livros de autoajuda, esotéricos” e, ousaríamos acrescentar, obras dos padres cantores.

A Da Vinci não era simplesmente um estabelecimento comercial. Mas, um mundo encantado para quem gosta de livros e deles vive. Dona Vanna, a grande dama da livraria, mantinha contas abertas para estudantes e professores, que só podiam pagar a prazo (antes da existência do cartão de crédito parcelado), atendendo com a mesma presteza e solicitude mestres e estudantes, intelectuais de diversos gostos e ideologias.

No tempo em que não existia ainda a Amazon, com toda a facilidade que representa, a Livraria Da Vinci importava livros da França, Itália, Espanha etc. Ali compramos alguns livros estrangeiros, provindos da Bélgica e França, numa tentativa de acompanhar a evolução do pensar de teólogos europeus. Golpeada pelo surgimento massivo das lojas virtuais e das megalivrarias, a Da Vinci recebeu a pá de cal com as obras que proliferam no centro do Rio de Janeiro, bem como as manifestações e passeatas que inundam a antiga Avenida Central. A partir de julho de 2015, os intelectuais cariocas (e visitantes) ficaram mais pobres. E, pior, órfãos de um lugar que os acolhia e era mais que um balcão de compra e venda de livros, mas um ninho, onde o prazer era folhear, buscar, desejar, suspirar e adquirir livros, na medida de suas possibilidades. Um centro irradiador de saber, que acolhia a cultura com prazer e estímulo. Ali nos deparamos algumas vezes com Drummond, Abgar Renault, Josué Montelo, Pedro Nava, Ferreira Gullar e tantos outros que alimentavam nossa alma e enchiam nossos olhos.

E o que dizer de nossas livrarias potiguares e sobretudo nossas bibliotecas? Em breve, seremos surpreendidos com os funerais de outras casas culturais. Resta-nos, como um velho cura de aldeia, repetir as palavras latinas do ritual de encomendação: “Requiescat in pace”. “Seu vigário, os tempos são outros”, repetia-nos o saudoso Oswaldo Lamartine.

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