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Dácio Galvão
No cenário onde aparece cada vez mais as casas inteligentes, automatizadas num mercado crescente e sem retorno e que a internet das coisas vai redesenhando nossos comportamentos, as instantâneas revoluções digitais vão trazendo e impondo naturalmente consequências sem retorno. Para o todo, e sempre.

A cultura digital vai se apropriando de meios consolidados e se estende redimensionando nas linguagens: fotográficas, audiovisual, intervenções, xilogravura, literatura… Em todas. Revoluções instantâneas e permanentes. Sem retrocesso, e sem  fechar portas ou janelas para o já existente. São os meios de comunicação literalmente como extensão do homem real. E concreto como ele.

Nesses festejos juninos que vira e mexe as receitas de comidas regionais e nordestinas afloram sobre cada mesa das casas, seja a casa de taipa ou a casa conectada, subsiste uma identidade latente. É a revisitação calcada na busca do alimento-base que forjou uma dada característica alimentar vinculada ao chão. Solo com seus nutrientes específicos composto de minerais e componentes ácidos ou que impliquem fertilidade. Assim o milho dispara na preferência de paladares. Associado a vários ingredientes a depender sempre do chão que brotou. Se litoral, o leite de coco. Se leite de vaca, o sertão.

Daí se desdobra em religião e celebração. No sacro e no profano. Na contrição e na alegria do canto, da música e da dança. No neobarroco. Sim desde que D. João VI aportou no Brasil trazendo sua corte e a carruagem puxada por majestosos cavalos Alter Real, de coudelaria portuguesa, que a quadrilha junina não mais parou de se reinventar. Atravessou séculos e séculos e curiosamente está viva. Para desespero de uns e para perspectivas de outros.

O multiartista e pesquisador da cultura popular Antonio Carlos Nóbrega, presidente do Instituto Brincante, cuja síntese de pensamento perpassa o legado do etnógrafo Mário de Andrade e de Ariano Suassuna de quem foi amigo e parceiro musical enxerga no atual processo em que se encontra o modo de se brincar a quadrilha junina um enorme potencial. Sem choro nem vela. Sem espaço para saudosismo. Respeitando a máxima de que o povo é o “inventalínguas” ele me disse, contextualizando: – Uma brincadeira que tem enredo, música, canto, dança, figurino, dramaturgia… Tem tudo para ser potencializado e produzir alternativa de expressão! Basta…

Claro que entendi o cerne da questão. A potencialização pode acontecer num híbrido entre políticas públicas, política de estado, vinculada a uma perspectiva de cultura popular sem detrimento das outras, somada criatividade e o saber do povo. Sem populismo ou concessão a demagogia. Mediação difícil e pouco provável num Brasil de então. Entretanto, não falta voluntários como ele, esteta identitário e ativista de estatura internacional, para sonhar com tal possibilidade social.

A aldeia global trazendo suas mazelas e  mergulhada em  complexa rede social  num estágio onde o capitalismo reina soberano e as bandeiras que contraria tal princípio não mais tem tremulado não é fácil se mover. É difícil para todo mundo. A economia criativa vem colaborando como vetor importante da economia geral e aí reside a faca de dois gumes. Se se corta a desenfreada alienação a que estão submetidos a cadeia produtiva da cultura ou se retraça os setores produtivos que atuam na linha evolutiva. Entre um e outro corte sabemos o quanto é complicado operar no âmbito da selvageria reinante. Resta a sobrevivência dialética. Se necessário na disputa diária para sobrevivência de grupos ligados a expressividade popular. Ou operando com habilidade o massacre midiático do show business que quase sempre é avassalador. Num imbricado de interesses corporativos o coletivo é seduzido e sentenciado. Então sonhar é possível. O dragão é voraz e não podemos nos render. Vamos à luta. Antropofagicamente como receitou Oswald. Nóbrega aponta para mares possíveis. Vamos sangrá-los. Ou melhor, singrá-los.    

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