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Revolta esquecida faz 50 anos

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Vicente Neto – Editor

Levante de Brasília? Rebelião dos Sargentos? No Rio Grande do Norte quase ninguém se lembra do movimento deflagrado em meio à onda de protestos, greves e manobras políticas que marcaram os últimos meses do governo João Goulart e deram combustível para o golpe militar do ano seguinte. Meio século depois, o episódio permanece desconhecido no RN,   apesar de ter como um dos personagens, o presidente interino da Câmara dos Deputados, o potiguar Clóvis Motta, que recebeu voz de prisão de um soldado rebelado e foi levado para o prédio do Ministério da Fazenda, onde estavam detidos alguns oficiais da Aeronáutica. Também foi detido o ministro do Supremo Tribunal Federal Vitor Nunes Leal.

O movimento articulado por um grupo de 600 militares na recém-inaugurada Brasília,  ocorreu no dia 12 de setembro de 1963, como consequência de uma decisão do Supremo Tribunal Federal que reafirmou a inelegibilidade dos sargentos para mandatos legislativos. A decisão foi tomada com base na Constituição de 1946 e irritou cabos, sargentos e suboficiais, especialmente da Aeronáutica e Marinha, que tinham disputado as eleições para deputado federal, deputado estadual e câmaras municipais em São Paulo, Rio Grande do Sul e no Estado da Guanabara (hoje Rio de Janeiro) na campanha de 1962.

Os rebelados invadiram os prédios do Ministério da Marinha, Departamento Federal de Segurança Pública, Estação Central de Rádio-Patrulha, Departamento de Telefones e até a Rádio Nacional. 
#SAIBAMAIS#
A revolta ocorreu num momento delicado para a gestão do então governador Aluízio Alves, que enfrentava uma rebelião da Polícia Militar por melhoria salariais. AA temia que o movimento de Brasília contaminasse as lideranças locais e incendiasse os quarteis em Natal. A repressão ao movimento na capital federal funcionou como instrumento de pressão e desestímulo ao movimento da PM. Na edição do dia 20 de setembro daquele ano, a Tribuna do Norte publicava reportagem a respeito de uma conversa telefônica entre Aluízio e o presidente João Goulart: “O presidente assegurou ao governador total apoio  federal a ação estadual de preservação da ordem pública”.

Detalhes do levante em Brasília, até então desconhecidos, vieram a público na semana passada, quando a Câmara dos Deputados liberou os arquivos da época. Os rebeldes ocuparam prédios públicos e o aeroporto da cidade, fecharam os acesso a Brasília e provocaram um “apagão” no sistema de telefonia. Dezenas de pessoas foram presas, entre elas, o deputado federal Clóvis Motta, 1º vice-presidente da Câmara.

Telegrama esclarecedor

Liberado uma hora e meia depois, Clóvis usou o telex, único meio de comunicação em funcionamento, para relatar ao coronel Dagoberto Rodrigues, diretor dos Correios.

“Fui acordado às quatro horas pelo serviço de segurança da Câmara informando-me… todos os telefones cortados. Dirigi-me à central telefônica, que verifiquei ocupada por tropas da Aeronáutica. Desloquei-me à Câmara, sendo detido na Esplanada dos Ministérios, onde fui preso por praças. Permaneci no Departamento Federal de Segurança, àquela hora, já ocupado, até 5h30m em companhia de alguns oficiais do Exército também presos. Esses oficiais foram transportados para a Base Aérea. Lograram fugir. Fui liberado, vindo diretamente aqui (na Câmara). Tropas do Exército conseguiram desalojar (os prédios de) Marinha e Aeronáutica, depois de choques armados. Situação caminha para normalidade. Só dispomos de ligação telex. Exército ainda não nos forneceu rádio para comunicação do Ministério e do Planalto. Indispensável sua permanência aí.”

Doze horas depois, o levante foi sufocado. O Exército libertou os detidos, prendeu os rebelados e enviou mais de 500 deles para o Rio de Janeiro, onde ficaram num barco-prisão. Os líderes do movimento foram condenados a quatro anos de prisão.

‘Naquele dia ele chegou tarde em casa’

Talvez por ter durado apenas poucas horas, talvez pelas dificuldades de comunicação na época, o fato é que em Natal poucas pessoas se lembram do que ocorreu em Brasília naquela manhã de 12 de setembro de 1963. Consultados pela TN, os jornalistas que atuavam na imprensa natalense naquela época foram unânimes. Woden, Ticiano, João Batista Machado, Agnelo… Nenhum deles lembrava da revolta. 

A Tribuna deu manchete no dia seguinte: “Exército domina situação: Brasília.” e o texto informava: “Com a prisão de quase 500 sargentos da Marinha e Aeronáutica por tropas do Exercito, extinguiram-se os últimos focos de rebelião dos sargentos. O Ministério da Guerra distribuiu nota informando que reina calma em todos os setôres do Exército. Divulga-se, ao mesmo empo, que o 1º Exército vem apoiando as ações do general  Jair Dantas diante dos acontecimentos nesta Capital.”

Da bancada federal do Rio Grande do Norte naquela época, nenhum está vivo para contar o que aconteceu. Clóvis morreu em janeiro de 1979. Mas a irmã dele, Lúcia Motta, que morava em Brasília naquela época, lembra-se do que ocorreu: “Nós morávamos em ele na Quadra 208. Ele sempre costumava chegar por volta das 19h30. Naquele dia ele chegou quase às dez horas da noite. A gente via os tanques nas ruas, movimento da cavalaria, mas não pensava que era alguma coisa anormal. Naquele tempo as comunicações não eram como hoje. Quando chegou em casa foi que ele contou. Foi um episódio rápido, tanto que no dia seguinte estava tudo na normalidade.”

“A rotina era muito diferente de hoje. Ele saía para a Câmara no carro oficial. Mas ele vinha almoçar em casa e voltava depois. Naquela época Brasília era uma cidade muito pacata, muito calma. Clóvis tinha muito habilidade para conversar”, conta Lúcia.

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