quinta-feira, 28 de março, 2024
24.1 C
Natal
quinta-feira, 28 de março, 2024

Rubens Sardenberg: “Temos um mercado concentrado”

- Publicidade -

Mais altos do que na maioria dos países, os juros no Brasil podem transformar as dívidas em uma bola de neve difícil de conter para quem não consegue pagar as contas em dia. O que muita gente não sabe é que, mesmo sem a parcela do lucro dos bancos que está embutida nos juros, as taxas dos empréstimos continuariam altas. Outros fatores não controlados pelas instituições financeiras são os maiores responsáveis pela diferença entre as taxas de juros daqui e do restante do mundo e fazem o custo do dinheiro ser tão caro no país.

Diretor de Regulação Prudencial, Riscos e Economia da FEBRABAN, Rubens Sardenberg


Diretor de Regulação Prudencial, Riscos e Economia da FEBRABAN, Rubens Sardenberg

É o que mostra o livro “Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil”, lançado pela FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos – no final do ano passado. A ideia é estimular o debate, com a participação de toda a sociedade, incluindo os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, em torno de medidas capazes de derrubar os custos e os juros, para levá-los a níveis internacionais e contribuir para aumentar o ritmo de crescimento da economia.

Sobre os principais tópicos do livro, além de uma análise da economia nacional e as projeções para o mercado em 2019, leia a seguir uma entrevista exclusiva com Rubens Sardenberg, Diretor de Regulação Prudencial, Riscos e Economia da FEBRABAN.

Por quais motivos o dinheiro/crédito custa tão caro no Brasil?
São vários fatores que tornam o custo do dinheiro no Brasil mais alto do que em outros países. Um deles é a inadimplência. Os custos dos 5 maiores bancos brasileiros com inadimplência são duas vezes mais altos que a média de outros países emergentes, e oito vezes maiores do que a média de países desenvolvidos. No Brasil também são bem mais altos os impostos sobre o setor, além dos custos operacionais e vários outros custos, todos descritos no livro que lançamos. Defendemos que sejam adotadas medidas para reduzir esses custos e assim os juros pagos pelos clientes possam ser menores. Com juros mais baixos, os bancos conseguiriam emprestar mais, lucrando com a maior quantidade de empréstimos e reduzindo o risco nas suas operações. Os dados do Banco Central mostram que, na média, os lucros dos bancos representam 15% do spread bancário, que é a diferença entre a taxa que os bancos cobram nos empréstimos e o que pagam aos seus clientes na captação de recursos. Os outros 85% representam os custos que os bancos têm para realizar as suas operações de empréstimo.

Existem saídas práticas para uma mudança desse cenário? Quais são elas e por que não são aplicadas?
Sim, existem e é o que estamos propondo no livro. Além da questão da inadimplência que citei anteriormente, há diversas outras medidas que poderão ser tomadas para permitir que os juros pagos pelo consumidor caiam mais. Várias das propostas da FEBRABAN listadas no livro já estão tramitando no Congresso, entre elas algumas que visam garantir segurança jurídica, diminuir a burocracia e estimular investimentos em inovação e educação financeira. São questões que interessam a todos os brasileiros. Acreditamos que a redução dos juros, porém, só será alcançada de forma sustentável com medidas de redução de custos do crédito, algumas delas por mudanças na legislação. Como exemplos, estão a aprovação do PLC 441/17, que cria o Cadastro Positivo; o PL 478/2017, que torna permite a apreensão extrajudicial.

Um país com o crédito caro deixe de evoluir economicamente, gera menos empregos e atrai menos empresas? Isso ocorre no Brasil?
Sim, sem dúvida, o crédito caro emperra o pleno desenvolvimento de um país. Ao lançar o livro e a campanha queremos propor um debate sobre as taxas de juros e engajar todos os agentes que fazem parte do problema na busca de soluções. O juro baixo permite uma maior expansão do crédito e do financiamento para que o país possa voltar a crescer de forma sustentável. Entendemos que o momento atual, com a chegada de um novo Executivo e um novo Legislativo, é propício para discutir e definir como viabilizar as mudanças que queremos para o Brasil. A redução dos custos da intermediação financeira vai permitir uma queda dos juros e dos spreads e assim criar as condições para uma expansão mais acelerada do crédito. E o crédito, como sabemos, quando concedido em bases saudáveis, é uma das alavancas para o crescimento econômico sustentado. Mas é claro que a simples queda da taxa de juros não fará o Brasil retomar o crescimento. É preciso mais. Além da reforma no ambiente do crédito, como estamos defendendo, é necessário também manter condições macroeconômicas favoráveis: inflação baixa e estável, equilíbrio fiscal que permita controlar e depois reduzir o crescimento da dívida pública e a manutenção de uma balança de pagamentos saudável. Por fim, é preciso continuar incentivando a competição no mercado de crédito para que as reduções de custos sejam repassadas aos tomadores de crédito.

Em relação aos bancos, o número dessas instituições no Brasil é baixo? Se existissem mais bancos, o que mudaria em relação ao momento atual?
O número de bancos no Brasil não é assim tão baixo. No total temos 155 instituições financeiras operando em nosso país, considerando as privadas, as públicas e as de capital estrangeiro. O que temos é um mercado concentrado, no qual os cinco maiores bancos tem uma participação de mercado na faixa de 69/70%. Para muitos, esta concentração é a principal explicação para os altos juros e spreads aqui praticados. Não concordamos com este diagnóstico e explicamos o porquê em nosso livro. Em primeiro lugar, o que vemos é que a concentração bancária é a regra e não a exceção no setor bancário dos diversos países, como aliás acontece nos chamados setores intensivos em capital. Diversos países com setores bancários até mais concentrados que o nosso operam com taxas de juros e spreads bem mais baixos do que os praticados aqui no Brasil. Outro ponto que destacamos é que quando medimos a rentabilidade dos nossos bancos com base no lucro em relação ao capital investido, esta rentabilidade é muito parecida com a dos demais países emergentes que operam com taxas de juros menores. Em resumo, a concentração bancária não nos parece ser a principal explicação nem para os spreads e nem para a rentabilidade do setor. A propósito, eu costumo perguntar se a rentabilidade aqui fosse tão mais alta que a de outros países, por que mais bancos estrangeiros não viriam para o nosso país? E por que os que já estão aqui, como por exemplo o HSBC, deixaram o mercado de varejo? Se não é o lucro dos bancos que explica os altos spreads, as causas, em nossa avaliação, estão claramente em outro lugar: no alto custo para conceder crédito no Brasil. É isso que detalhamos ao longo do livro. Além da inadimplência, mencionamos a questão dos impostos incidentes sobre a intermediação financeira, os custos administrativos e os custos financeiros, como, por exemplo, os depósitos compulsórios.

Do seu ponto de vista, os bancos que exploram o mercado nacional cobram valores abusivos pelos serviços? Como é a nossa realidade em comparação com outros países?
Não achamos que os bancos cobram valores abusivos pelos serviços prestados. Assim como no segmento de crédito, há forte competição entre as instituições financeiras na prestação de serviços bancários, no qual aliás os bancos brasileiros são reconhecidos mundialmente pela qualidade e segurança dos seus produtos. Os bancos investem mais de R$ 20 bilhões por ano em tecnologia, para continuar aperfeiçoando os serviços oferecidos e não perder clientes para os concorrentes. Lembro ainda que o setor de serviços também é fortemente regulado pelo Banco Central. Em nosso livro mencionamos que 62% das contas ativas dos nossos bancos são isentas de qualquer tipo de tarifa. São cerca de 1,5 bilhão de transações por ano, somando cerca de R$ 7,4 bilhões, sem nenhuma contrapartida ou pagamento dos serviços prestados por parte destes clientes.

De que forma a Febraban pretende colocar as ideias expostas no livro em prática?
Não existe mágica. Durante muito tempo os bancos ficaram em um debate técnico só com o governo. Agora temos de tratar da taxa de juros com sociedade toda. Se conseguirmos esclarecer a sociedade, teremos um ambiente mais favorável para que se tomem as medidas necessárias. Os bancos já têm várias iniciativas para reduzir os juros, como as campanhas para esclarecer os clientes sobre a importância do crédito consciente, sobre cheque especial, cartão de crédito. Para implementar as propostas que constam do livro é preciso a participação de todos, inclusive do Legislativo e do Executivo. Só assim poderemos implementar as medidas capazes de derrubar os custos e os juros a patamares internacionais. O livro não pretende ser uma palavra final, mas sim dar início a um diálogo necessário e urgente para o país.

Em relação ao cenário econômico a partir de 2019, qual a expectativa da entidade?
Com um otimismo cauteloso. Há indicações de que já está havendo uma retomada do ritmo de crescimento da economia. Os bancos fazem previsões de um aumento em entre 2,5% e 3% do PIB para 2019, o que vai depender de vários fatores, entre eles a concretização de reformas, como a da Previdência, que ajudará a tornar sustentável a dívida pública e contribuirá para a estabilidade macroeconômica. O crédito também já vem se recuperando, e acreditamos que pode crescer mais rápido com a reforma no ambiente de crédito que estamos propondo, cortando custos da atividade de emprestar dinheiro no Brasil e abrindo espaço para mais crédito, juros mais baixos e mais crescimento. Num cenário otimista de crescimento do PIB achamos que o crédito pode surpreender positivamente, mostrando uma taxa de expansão acima de 10% no chamado segmento livre de crédito.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas