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Ruínas de uma cidade sem memória

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Maria Betânia Monteiro – repórter

O prédio onde funcionou o antigo Grupo Escolar Augusto Severo, a Escola Normal de Natal, um anexo do Atheneu Norte-Rio-Grandense, a Faculdade de Direito e a Secretaria de Segurança Pública do Estado foi erguido em 1907, a partir do projeto do arquiteto Herculano Ramos, o mesmo autor dos projetos do Teatro Alberto Maranhão e da Praça localizada em seu entorno. Atualmente o prédio encontra-se sem uso e em avançado estado de deterioração, com parte do madeiramento e telhas de sua cobertura comprometidas, infiltrações nas lajes e paredes. Sendo ainda alvo de constantes depredações, para a retirada de muitos dos seus elementos construtivos, alguns deles confeccionados em bronze e importados da França. Por esta razão, o presidente da Fundação José Augusto, Crispiniano Neto está sendo obrigado a pagar o valor de R$ 1 mil por dia, pelo atraso das obras de recuperação do prédio. A determinação foi da Justiça Federal do Rio Grande do Norte. “Eu vou ter que pagar esta multa, mas não sei como. Não tenho dinheiro nem para pagar as minhas contas”, disse Crispiniano.

Prédio representa o processo de transformação urbana de Natal, nas primeiras décadas do século XXA multa referida pelo presidente da Fundação José Augusto é decorrente de um processo ajuizado em 2003, pela associação civil “Comitê Para a Construção da Cidadania Plena”. A ação civil pública, na ocasião, estava em desfavor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (que na época era proprietária do prédio), do Governo do Estado (por ter decretado o tombamento desde 1991) e da Fundação José Augusto (responsável pela vigilância permanente das coisas tombadas pelo estado, conforme decreto estadual n° 8111).

O presidente da FJA explicou que, ao se tombar um prédio, o Estado passa a ser obrigado a restaurá-lo quando o proprietário não tem recursos, o que ele disse não ser o caso da UFRN. “Uma ONG achou por bem denunciar a Fundação e o juiz acatou a denúncia. A discussão foi levada para a Sec. de Estado de Trabalho, Habitação e Assistência Social, pois houve uma proposta de instalar no local, atividades relacionadas ao artesanato, de modo que eu me senti absolutamente tranquilo”, disse Crispiniano Neto. Depois de ter sido informado da condenação, Crispiniano confirmou ter ido ao governador Iberê Ferreira, para que fosse liberada a verba de reforma do prédio. “O governador assumiu e, sob a égide da Assembleia Legislativa, disse que não poderia remanejar dinheiro. Eu mantive o pedido e existe o compromisso do Governo e da Secretaria de Planejamento, de liberar verba, que se destine ao cumprimento de decisões judiciais e de termos de ajuste de conduta”, afirmou Crispiniano Neto.

Segundo um dos integrantes do Comitê Para a Construção da Cidadania Plena, hoje Promotor de Justiça do município de Extremoz, Emanuel Dhayan, o prédio foi utilizado pelo Estado e pela Universidade Federal, mas em audiência realizada no dia 20 de fevereiro de 2008, foi feito um acordo judicial, onde a UFRN transferiu para o Governo do Estado a responsabilidade de restauração e o direito de usufruir de seu espaço físico, transferência esta firmada no contrato de número 98.2006. Segundo consta na ata da audiência estiveram presentes durante a assinatura do acordo, o representante legal do Comitê Para a Construção da Cidadania Plena, Emanuel Dhayan Bezerra De Almeida; o procurador da UFRN, Giusepe Costa; o procurador do Estado, Raimundo Nonato de Lima; e o representante da Fundação José Augusto Joaquim Crispiniano Neto, acompanhado do Advogado Lázaro Amaro dos Santos e Silva; além do representante do Ministério Público Federal, Fábio Nezi Venzon.

No momento do acordo, quando a UFRN passou o prédio para o Governo do Estado, ficou determinado que após três meses, a Fundação José Augusto se comprometeria em dar início a medidas administrativas, com o objetivo de iniciar o reparo imediato dos danos do imóvel.

Um prédio com muita história

O Grupo Escolar “Augusto Severo” foi a primeira escola graduada de ensino primário do Rio Grande do Norte, criada pelo decreto n.174, de 5 de março de 1908 e implantada no bairro da Ribeira na capital do estado no processo de reestruturação da Instrução Pública do Estado (lei n.284, de 30 de novembro de 1909). A edificação foi projetada e construída pelo arquiteto mineiro Herculano Ramos no ano de 1907, no exercício do governo Antônio de Souza (1907-1908) e criada no governo de Alberto Maranhão (1908-1913). É transformada em Escola-modelo para servir de padrão às edificações escolares do estado, pelo decreto n.198, de 10 de maio de 1909, vigorando como tal até 1916.

O prédio assume uma importância histórica-cultural enquanto equipamento urbano no processo de transformação urbana de Natal, nas primeiras décadas do século XX, compondo a paisagem de modernidade com demais prédios públicos e serviços urbanos, no novo espaço de socialização da sociedade natalense. Ao lado do Teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão) e antiga Escola Doméstica construída em 1914, defronte ao grande largo da Praça Augusto Severo, próximo do Cinema Polyteama, do magazine “Paris em Natal”, da Estação Ferroviária, dos serviços elétricos de bonde, telefone e energia.

A arquitetura do Grupo Escolar Augusto Severo é marcante pelo refinado estilo eclético, de significativos elementos de art nouveau, justapostos às características neoclássicas e do rococó, a gosto das elites locais, a escola moderna na cidade modernizada.

Determinação de novos prazos

Vendo que as obras não haviam sido iniciadas, o Comitê Para a Construção da Cidadania Plena entra com um pedido na justiça, de cumprimento da decisão judicial. A partir daí foi marcada uma nova audiência, que aconteceu em fevereiro de 2009, onde foi determinada a prorrogação do prazo para o início das obras. As obras deveriam ter começado em agosto do ano passado e estarem prontas neste mês, salvo comprovado motivos de força maior, que inviabilizasse as ações do Governo, através da Fundação José Augusto.

De acordo com o Despacho da Justiça Federal, como o Governo do Estado não apresentou qualquer documento comprovando o início das obras, nem outros que justificasse o adiamento, ficou determinado o pagamento da multa de R$ 1 mil reias, por dia, pelo descumprimento da ação judicial.

Prejuízo real

Segundo o arquiteto e urbanista Haroldo Maranhão, chefe do Departamento de Patrimônio Cultural do município, a Fundação José Augusto solicitou do arquiteto, um projeto de restauração do prédio, inicialmente construído para abrigar o Grupo Escolar Augusto Severo. O projeto ficou pronto e no prédio passariam a funcionar um memorial, lojas de artesanato, um café, salas onde seriam realizadas oficinas de capacitação para artesãos, cinco salas de dança, dentre outros espaços de utilização pública, somando um total de 1.726,5 m² de área construída. O valor aproximado da obra ficaria em torno de R$ 3.453,000, 00.

Haroldo Maranhão explica que o projeto foi encomendado ao seu escritório particular, pelo então Secretario do Trabalho da Habitação e da Assistência Social, Fabian Gilbert Saraiva Maia e da então Diretora do Teatro Alberto Maranhão Hilneth Correia.

De acordo com a avaliação do arquiteto e urbanista, caso as obras de recuperação não sejam iniciadas, o prédio corre o risco de sofrer graves danos nas estruturas físicas, o que acarretará em mais recursos despendidos para a recuperação.

Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Natal

Segundo Haroldo Maranhão, a inclusão do prédio nas obras de Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Natal, dependerá da elaboração dos estudos e projetos com vistas à Reabilitação, que serão contratados em fins deste ano, a uma empresa tecnicamente qualificada, escolhida em um processo de licitação pública promovida pelo Programa de Ação Para o Desenvolvimento do Turismo do RN (Prodetur).

O desenvolvimento deste trabalho será supervisionado por um comitê técnico gestor, integrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Prefeitura do Natal e Governo do Estado, estando tudo especificado em um “Termo de Referencia”, que ira identificar e definir claramente os trabalhos que deverão ser realizados e apresentados à Secretaria Estadual de Turismo do Rio Grande do Norte, com vistas à elaboração dos projetos de requalificação urbana do centro histórico de Natal.                                                                                                               

Caberá também a este comitê, compatibilizar e implementar as políticas de intervenções na referida área, objetivando a sua gestão sustentável e integrada.

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