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Samba com a marca do Zorro

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Ramon Ribeiro
Repórter

Heriberto Pedro da Silva é uma das grandes figuras do samba de Natal. Mas seu nome de batismo quase ninguém conhece. Sua fama mesmo é como Zorro – Mestre Zorro –, compositor de quase 200 músicas, muitas delas cantadas em rodas de samba de Norte a Sul na cidade. O apelido vem do tempo de garoto, nos anos 60, quando num jogo de biloca ele acabou com as bolas de gude de um amigo. “Eu estava num dia inspirado. Meu amigo, por estar perdendo, soltou essa de que eu tava com mais pontaria do que o Zorro. O apelido pegou”, lembra esse natalense canguleiro, nascido e criado nas Rocas.

Aos 65 anos, Mestre Zorro vê com entusiasmo o movimento ligado ao samba em Natal. Suas músicas ganham agora um registro merecido e o mestre será homenageado com o Prêmio Hangar deste ano


Aos 65 anos, Mestre Zorro vê com entusiasmo o movimento ligado ao samba em Natal. Suas músicas
ganham agora um registro merecido e o mestre será homenageado com o Prêmio Hangar deste ano

Pedreiro de profissão, Zorro começou a compor a partir da década de 90, quando tinha 40 anos. Antes, ele se destacava na música como percussionista. Foi dai, inclusive, que veio o título de mestre. Zorro participou como ritmista nas baterias da Criolos Fantásticos, Malandros do Samba e Em Cima da Hora – escola a qual é um dos fundadores, mas que atualmente está parada. Agora, aos 65 anos, Mestre Zorro estreia em disco. O álbum “Filme Eterno” reúne 19 composições autorais e traz participações de cantores e instrumentistas da cena do samba potiguar. O show de lançamento será no sábado (27), às 19h, no Auditório do Sesc Cidade Alta.

“Filme Eterno” foi gravado por iniciativa da Beju Produções, dos irmãos Chico Bethoven e Jubileu Filho. “A partir de 2010 a gente se aproximou bastante do samba nas Rocas. E nisso conhecemos o Mestre Zorro, uma figura de talento incrível, humilde, com alma de artista. Propomos a ele fazer esse registro em disco. Tanto quanto um presente pra ele, foi um presente pra gente”, conta Bethoven. Para o produtor do disco, Zorro tem uma musicalidade bem própria. “Suas composições são muito originais, tem um senso de humor legal, às vezes sarcástico. E sua voz também é diferente. Ele canta em tom maior. Transmite alegria na interpretação”.

Dentre as participações no disco estão Isaque Galvão, Debinha Ramos, Dodora Cardoso, Valéria Oliveira, Denício Boaventura, Evilásio Galdino, Carlos Brito, Denise Moreira e o carioca Gabriel Cavalcante, do Samba do Trabalhador, no Rio de Janeiro. Grande parte desses nomes estará presente no show, cuja banda será formada por Jubileu Filho (violão), Bethoven (flauta), Raphael Almeida (bandolim), Leonardo Galvão (cavaco) e Cicinho, Pizão, Deo e Deyse, na percussão. O show tem o apoio da Fecomércio e do Sesc.

O título do disco, “Filme Eterno”, é uma homenagem a um dos ídolos de Zorro, Luiz Carlos da Vila, autor, junto com Arlindo Cruz, do samba “Eterno Filme”. Outras grandes referências para o sambista potiguar são Cartola, Candeia, Nelson Cavaquinho, Martinho da Vila e Monarco – este último inspirou o nome do filho, Hugo Monarco, mestre de bateria da Malandros do Samba e ritmista do Batukedô.

Sobre Candeia (1935-1978), Zorro revela uma história curiosa. “Eu abriria o show de sábado apenas com Nelson Cavaquinho e Cartola. Mas semana passada, o Candeia veio me cobrar. Sem exagero nenhum. Pediu para que eu cantasse uma música dele. Não foi um contato direto, de ter uma visão. Foi uma coisa espiritual mesmo”, explica o potiguar, que é praticante da Jurema.

Zorro costuma compor sobre o imaginário do samba e o cotidiano de Natal, principalmente das Rocas. Tem sensibilidade para apreciar pequenas coisas da vida, do mesmo modo que tem humor para brincar com alguns temas. “Quando comecei a compor, com 40 anos, eu era um véio molecão. Só pensava em escrever coisas irreverentes. Coisas da minha rua, personagens. Depois fui pegando outros temas, questões políticas. Mas confesso que não tenho uma linha certa de composição”, reflete o sambista, que estudou somente até o primário. Algumas de suas composições, como sambas-enredos, já renderam prêmios, bem como “Tambor Brasil”, eleita melhor canção pelo júri popular do Festival MPBeco. “Costumo dizer que não sou compositor. Nem eu, nem Chico, Cartola, Martinho da Vila. Acredito que somos aparelhos da espiritualidade.Somos uma forma de transmitir a arte para o povo”.

Ele vê com entusiasmo a expansão do samba em Natal. E diz que é encontrar ótimos músicos na Zona Norte e Zona Sul. Uma das rodas que gosta de frequentar é a Samba do Devotos, em Ponta Negra, que, segundo o artista, é boa porque tem um bom repertório. Mas a roda cujo batuque bate mais forte em seu peito ainda é a das Rocas, no Clube Racing. “É uma roda informal, lá no clube de futebol da rua do Areal. Ela não tem data, acontece quando dá na telha. Os sambistas do bairro estão de bobeira e se reúnem para brincar”, conta.

Quando a conversa chega no tema das escolas de samba das Rocas, Mestre Zorro olha pra cima emocionado para não chorar. Pede um segundo para se recompor e se desculpa, num gesto de homem simples e tímido com a situação. Com a voz um pouco embargada, ele resume: “São nossas maiores alegrias no bairro”.

Na sua visão de canguleiro criado em meio a folia das escolas de samba, a rivalidade sadia entre as duas principais escolas do bairro movimenta toda a comunidade num sentimento bom e agregador. “O que une mais a comunidade é a disputa da Balanço do Morro com a Malandros do Samba. Graças Adeus! E olha que não sou de nenhuma das duas. Um dos meus maiores medos é ver essa cultura acabar no bairro. Temos grandes dificuldades financeiras. O samba da gente, de tocar num bar, num palco, não tem muito. Mas a rivalidade sadia que tem entre as escolas, isso é muito forte. Mobiliza os moradores, artistas, músicos. Apesar da precariedade da avenida, de som e iluminação, o povo vai. E ali a maioria é da Zona Leste”.

No que depender de Mestre Zorro, a cultura do samba das Rocas jamais vai morrer. E mais, pode inclusive ir parar em outras terras. É seu sonho visitar a cidade maravilhosa com o álbum debaixo do braço. “Tenho pretensão de ir no Rio com esse trabalho. Gravar esse disco foi uma vitória pra mim. Tenho os pés no chão. Não me deslumbro. Mas gostaria de conhecer outros lugar e poder mostrar minhas músicas”. Talento e humildade não lhe faltam.

Prêmio Hangar 2018
O Prêmio Hangar de Música de 2018 vai acontecer no dia 3 de dezembro, no Teatro Riachuelo. O tema deste ano será #VemDeSamba. E, como toda edição o evento sempre homenageia alguns artistas, em 2018 os homenageados serão o carioca Arlindo Cruz e o potiguar Mestre Zorro. De acordo com o produtor e idealizador do prêmio, Marcelo Veni, não houve dúvidas de que as Rocas deveria estar inserida na premiação, e o nome lembrado foi o de Zorro. “É um artista importante na história do samba potiguar. Tem um repertório distribuído entre vários intérpretes da música do RN e agora temos a oportunidade de ver o seu próprio lançamento em disco e show autoral”, conta Veni. “Ele ficou muito emocionado quando dei a notícia. E me emocionei junto. Lembrei de uma ligação que ele me fez ano passado falando dos apoios que precisava conseguir para viabilizar o sonho de gravar o disco. É um artista que precisamos descobrir mais”.

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