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Sanderson Negreiros

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Woden Madruga
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No ano de 1998, Sanderson Negreiros publicava o seu quarto livro, A Hora da Lua da Tarde (crônicas).  Os três primeiros foram de poesia: “ Ritmo da Busca” Fábula, Fábula e Lances exatos. Quando Sanderson publicou O ritmo da busca tinha apenas 16 anos. Escrevi o prefácio de A Hora da Lua da Tarde tentando registrar a sua rica trajetória literária começada em Natal nos meados dos anos de 1950, cidade de pouco mais de 100 mil habitantes, mas de trepidante vida intelectual.  Sofrendo a partida do amigo-irmão, que ontem se encantou aos 78 anos de idade, transcrevo alguns trechos do que escrevi:

 – Nos anos 50 Natal se gabava de ter sete jornais: Tribuna do Norte, Diário de Natal, O Poti, a Ordem, o Jornal de Natal, o Jornal do Comércio e A República, que voltou a circular.

– Foi nesse cenário tropical, que nos idos de 1952, o adolescente José Sanderson Deodato Fernandes de Negreiros, nascido no verde vale do Ceará-Mirim, deixava o Seminário São Pedro, que ocupava um quarteirão nos descampados do Tirol. A vocação de servir à Igreja ficou no baú das dúvidas. O jovem partiu para as incertezas da vida profana onde foi buscar a resposta à intensa curiosidade do seu espirito inquieto, perquiridor e profundamente inteligente.

– Foi nessa quadra da vida, que vi Sanderson Negreiros pela primeira vez. Gordo, rosto redondo, corado, cabelos negros, lisos, lembrando um daqueles anjos barrocos com que o Aleijadinho enfeitou as igrejas de Minas Gerais. Foi na casa dos irmãos Patriota: José, Nilson, Joao, Chico. José era um líder nato, inteligente, gentil, elegante no trato e no vestir. Gostava de literatura, recitava poemas, fazia discursos.

– A casa dos Patriota ficava na avenida (ainda existe) Afonso Pena em frente ao campo do ABC (que não existe mais), bairro de Petrópolis, já pegando os caminhos da praia. Muitos chegavam por lá, atraídos pela hospitalidade de José. Poetas, escritores, pintores, jovens sonhadores. Foi por ali que Sanderson começou a tomar o seu rumo.

– Aos 16 anos estreava na literatura com o livro de poesia “O Ritmo da Busca”. Foi um agito em Natal. O poeta, então, já andava enturmado com os mais “velhos”, um Newton Navarro, um Dorian Gray, um Ticiano Duarte, um Luís Maranhão Filho, um Luís Carlos Guimarães, um José Daniel Diniz, um Berilo Wanderley, um Afonso Laurentino. Acho que, por aí, deve ter publicado seus primeiros poemas num suplemento literário que Luís Maranhão Filho cuidava nos Diários Associados.

– Bom, a partir daí ninguém mais segurava o poeta. Presença atuante nos meios literários, uma companhia disputada nas rodas da boemia. Do Grande Ponto se partida para todos os cantos da Cidade. Fazia-se presença na Festa da Padroeira, mês de novembro, barracas espalhadas na Praça André de Albuquerque, Havia o Clube do Picadinho, uma invenção para se comer sarapatel e botar conversa fora todas as noites das sextas-feiras na Feira do Alecrim. O presidente era Berilo Wanderley, que morava ali por perto.

O começo do jornalista
– No ano de 1957, deixo a Tribuna do Norte e vou para o Diário de Natal levado por Luís Maria Alves. No novo jornal criei uma página de variedades e convoquei para dividir a tarefa três companheiros: Almeida Filho, que já era da casa, o Espiridião Neto e Sanderson. Escrevia-se sobre música, cinema, literatura, sociedade, o cotidiano natalense. Começava aí a carreira jornalística de Sanderson. Estava surgindo o grande cronista da Cidade, que já era uma referência nos meios literários.

– No mesmo ano, o poeta é convocado pelo Exército para cumprir a obrigação militar. A caserna não o impede, porém, de fazer o jornalismo. Ainda no Exército fez dois vestibulares ao mesmo tempo: Faculdade de Direito e Faculdade de Filosofia. Passou nos dois em primeiro lugar.

– Começo dos anos sessenta, o poeta se transfere para a Faculdade de Direito do Recife. Companheiro de Renato Carneiro de Campos, Roberto Cavalcante, Marco Maciel, Waldir Costa Porto, Luís Costa Lima. Com eles, um novo debate literário, cotejos filosóficos. Recife encanta Sanderson e contribui para o seu amadurecimento intelectual, descobrindo suas livrarias e suas bibliotecas, entre rios e pontes. No Bar Savoy repetiu o refrão de todos, consagrado por Carlos Pena Filho: “São trinta copos de chope, / são trinta homens sentados, / trezentos desejos presos, / trinta mil sonhos frustrados”.

– Dois anos depois, volta para Natal. Concluiu o curso de Direito. Sai o seu segundo livro, “Fábula , Fábula”. É o começo do Governo Aluizio Alves e a Imprensa Oficial, dirigida por João Ururahy, edita vários autores norte-rio-grandenses, entre eles, Luís Carlos Guimarães. Estourou o Golpe Militar de 64. Acompanhamos, juntos e perplexos, na redação da Tribuna do Norte, os primeiros lances do movimento. Fui testemunha da indignação do poeta.

A aventura no Rio de Janeiro
– No ano seguinte, numa manhã de muito sol e de muito azul, os amigos foram ao cais do Porto se despedir de Sanderson que embarcava, num navio cargueiro, rumo ao Rio de Janeiro. Ia ganhar a vida na cidade grande, horizontes mais largos sinalizando o futuro.

– Foi repórter da revista Manchete, colega de redação de Homero Homem, conterrâneo, pescador do Cunhaú e grande poeta, de Ledo Ivo, alagoano, outro grande poeta e escritor, de José Carlos de Oliveira, capixaba, belo cronista. O jornalismo carioca, trepidante tanto quanto a boemia da Lapa, lhe deu fortes emoções. Por exemplo: entrevistar Carlos Lacerda e frequentar a sua biblioteca.

– Mas, o Rio de Janeiro foi apenas uma passagem e uma paisagem e, certamente, hoje, uma lembrança. Talvez um retrato na parede. O poeta voltou à província para ser o mais brilhante e talentoso cronista de Natal. Voltou para ser professor universitário, pró-reitor, auditor do Tribunal de Contas e, numa temporada bastante fértil para a nossa cultura, presidir a Fundação José Augusto e ainda – haja fôlego – ser Secretário Extraordinário do Governo Tarcísio Maia.

– Hoje, aposentado do serviço público, é um ledor inveterado, cercado por quase 20 mil livros, de uma biblioteca que soube, com escolha refinada, ordenar ao longo do tempo. Está devendo à sua geração o grande romance do Rio Grande do Norte. Suas crônicas publicadas nos jornais, muitas delas verdadeiros contos, são a matriz de um grande livro.

– Mas isso é uma outra história. O que eu pretendia mesmo, aqui e agora, era remexer com as lembranças do menino dos anos 50, um poeta de apenas 16 anos, já de livro publicado.”

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