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Saúde depende da rede privada

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REDE PRIVADA - Hospitais de ortopedia conveniados ficam com mais de noventa por cento do atendimento pelo SUS na capital

Pelas normas do Sistema Único de Saúde, os recursos públicos para o atendimento à saúde devem ser priorizados para as unidades da rede pública, num segundo momento para a filantrópica e como complementação da a rede privada. No entanto, a realidade no Rio Grande do Norte inverte esta ordem. As estatísticas da Secretaria Estadual de Saúde apontam para uma dependência do sistema público com os hospitais privados conveniados aos SUS.

Os números soam como alarme para o quanto o atendimento público da saúde na capital e no Estado está refém da rede privada, como definem os conselheiros municipais de saúde.

Em todo  o Estado, a rede privada realiza 69% dos procedimentos ambulatoriais de ortopedia. Nesta mesma especialidade, o índice em Natal chega a ser absurdo: 92% deles são realizados pela rede privada.

E esta concentração não se resume ao atendimento ambulatorial. Nas internações feitas no Rio Grande do Norte, 45% ficam concentradas nos hospitais da rede privada.

Se a avaliação for feita com os exames de Anatomopatologia e Citopatologia efetuados, a realidade é semelhante entre Estado e Prefeitura de Natal. A rede privada realiza 63% desses atendimentos no Estado. Na capital  este percentual chega a 71%. Os números são referentes ao período de janeiro a novembro de 2005.

Na análise das internações em Natal a situação é crítica. Segundo números citados pelo Conselho Estadual de Saúde, entre janeiro e novembro de 2005, 60% dos recursos do SUS ficaram concentrados nas internações de hospitais da rede privada conveniada ao SUS.

O prefeito Carlos Eduardo assume que é um erro a distorção de números, mostrando que 60% dos recursos do SUS ficam com os hospitais da rede privada. “A rede privada é para ser parceira. A população não pode ser refém da rede privada”, ressalta, citando a preocupação da Prefeitura para inverter este quadro. E é com esse objetivo que está sendo equipado o Hospital de Pescadores, nas Rocas. “Vamos fortalecer a rede pública. Temos que investir nos nossos hospitais. A rede privada será nossa parceira, mas o Poder Público não pode ter relação de dependência com os hospitais privados”, ressalta.

O secretário estadual de Saúde, Ruy Pereira, também pondera para necessidade urgente de acabar com a dependência do Poder Público com as unidades privadas. “Nós ficamos nas mãos de poucas unidades. Por isso estamos equipando nossas unidades”, comenta o secretário.

Para o conselheiro estadual e municipal de Saúde, Francisco Júnior, os altos índices dos serviços executados pela rede privada são reflexos do despreparo da rede pública ao longo de vários anos.

O deputado estadual e médico, Paulo Davim, lamenta a dependência da rede pública sobre a privada. “Esta dependência quebra qualquer lógica e reflete a falta de estrutura da nossa rede pública”, observa.

Para ele a falha está na Secretaria Municipal de Saúde acreditar que poderá estruturar toda rede em poucos dias. “Não será possível estruturar toda rede da noite para o dia”, comenta o parlamentar.

SMS diz que reduzirá investimentos

A secretária municipal de Saúde, Aparecida França, destaca que o grande empenho do órgão é para acabar com a situação de “refém” da rede privada. Segundo ela, o trabalho de reestruturação que está sendo feito desde 2003 é voltado para o fortalecimento da rede pública. “Estamos fazendo exatamente o que o SUS determina, priorizando os hospitais da rede pública, depois os filantrópicos e só em seguida os privados”, destaca.

Ela destaca que ano a ano os índices mostram o fortalecimento da rede pública nas internações. Em 2002, os hospitais públicos ficaram com apenas 38% dos recursos de internações, equivalendo a cerca de R$ 13,6 milhões. No ano seguinte, a realidade já foi um pouco melhor e o percentual dos recursos pagos de internação aos hospitais públicos aumentou para 42%. Em 2004, foi o melhor índice registrando 47% dos recursos para as unidades públicas.

Aparecida França ressalta que em 2002 as unidades públicos receberam R$ 13,6 milhões, em 2004 o repasse somou R$ 27 milhões. Ela destaca a importância de contar na rede com o complexo universitário, que tem a Maternidade Escola Januário Cicco e o Hospital Universitário Onofre Lopes.

No entanto, o discurso da Secretaria Municipal de Saúde tem uma contradição. Muito embora afirme que está capacitando a rede pública, uma das principais unidades de saúde pública anunciou que deixará de atender pelo SUS a partir do dia 5 de abril.

O diretor de Saúde da Polícia Militar, coronel Josmar de Castro, afirma que há dois anos a SMS nãfaz o repasse do atendimento ambulatorial realizado em Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria e Clínica Médica. “Realizamos cerca de 3.500 atendimentos no mês e há dois anos que a secretária não nos paga. Elediz que o atendimento  continuará paraa PM e seus dependentes. A SMS confirma que o repasse não está sendo feito. E justifica disendo que o órgão não pode pagar atendimento básico.

Município tem que manter cirurgias

A crise entre os médicos de 16 especialidades e a Prefeitura Municipal de Natal, encerrada na última quinta-feira após 67 dias de paralisação, levantou a polêmica sobre a responsabilidade dos Governos Federal, Estadual e Municipal no atendimento à saúde.

Em um dos momentos mais delicados desta crise, o prefeito Carlos Eduardo chegou a ameaçar entregar a responsabilidade do serviço de média e alta complexidade para o Governo Federal. No entanto, caso levasse a idéia adiante este não seria o caminho legal a ser seguido. A devolução deste serviço seria para o Governo do Estado.

O conselheiro estadual e municipal de Saúde, Francisco Júnior, destaca que, por ser gestão plena, o Município de Natal é responsável por todo o trabalho. “O Município de Natal é quem paga os procedimentos. O problema é que Natal, equivocadamente, não equipou sua rede própria e agora tem que comprar todo serviço da rede privada”, destaca.

Para ele, só há uma maneira do Município deixar de ser refém do serviço privado: equipar a rede própria.

HUOL será mais uma referência

Na busca de acabar com a dependência da rede privada, a Secretaria Municipal de Saúde está com uma nova estratégia. O Hospital Universitário Onofre Lopes será transformado em referência nas cirurgias de alta complexidade cardio-vascular. A Neurocirurgia, que já é realizada naquela unidade, será reconhecida pelo Ministério da Saúde, o que significará mais recursos para o hospital.

Ela adianta que já entrou em contato com o Instituto de Laranjeiras, referência no atendimento da cirurgia cardio-vascular, e será firmada uma parceria no trabalho de capacitar o HUOL para esse tipo de procedimento. “O Instituto vai nos ajudar neste objetivo”, completa.

Outro foco de ação da SMS é para o Hospital de Pescadores, nas Rocas. A unidade está funcionando com clínica médica, mas o grande objetivo é implantar um centro cirúrgico no local. A intenção da Secretaria é deixar o atendimento ambulatorial de traumato-ortopedia no Hospital de Pescadores e a alta complexidade desta especialidade ser canalizada no Hospital Walfredo Gurgel. “Em abril esperamos que o centro clínico esteja funcionando”, completa a secretária Aparecida França.

Mas a proposta de atendimento na rede pública do Rio Grande do Norte vai muito além. O secretário Ruy Pereira confirma que terça-feira será inaugurado o serviço de alta complexidade em Traumato-Ortopedia no Hospital de Parnamirim. Esse mesmo serviço será implantado no Hospital Walfredo Gurgel, após a ação do Instituto de Traumato-Ortopedia (INTO), e no Hospital de Currais Novos. Nestas duas últimas unidades, o serviço começará a funcionar em fevereiro.

Ruy Pereira destaca o objetivo dedescentralizar o atendimento. “Vamos descredenciar um hospital de cardiologia em Natal e credenciar uma unidade em Mossoró”, diz o secretário, citando que este responsável pelo atendimento de Cardiologia para as regiões do Oeste, Alto Oeste e Seridó.

Conselheiros alertam sobre depedência

O conselheiro municipal de Saúde, Paulo Bandeira, alerta que o Sistema Único de Saúde poderá falir caso continue a política do pagamento de tabela extra sobre o que já remunera o SUS, como é concedido a ortopedistas e anestesiologistas. Ele reconhece que acabar com esse “plus” a curto prazo pode não ser viável, mas é importante começar a trabalhar agora para colocar fim ao adicional ganho pelos médicos sobre a tabela SUS.

O coordenador geral do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC), médico Cipriano Maia, diz que a única saída para acabar com a posição de refém da rede privada é estruturar os serviços nas unidades públicas. Uma das alternativas citadas por ele é que o Hospital Universitário Onofre Lopes passe a responder pelo atendimento de Cardiologia e Neurocirurgia.

Para Cipriano Maia, a estratégia também passa pela descentralização do serviço, equipando unidades em Mossoró, por exemplo. “Nossa rede hoje tem grandes problemas. E, realmente, em algumas especialidades somos reféns”, completa.

O vice-presidente do Sindicato dos Médicos, Hênio Lacerda, lamenta a dependência do sistema público em relação à rede de hospitais privados. “Nós queremos é que o SUS se estruture. Os serviços privados seriam complementares.”

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