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Sebastião Milaré: “A arte tem que ser inútil”

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CRÍTICO - Milaré estuda obras e pensamentos do dramaturgo Antunes Filho

À primeira vista a frase pode parecer estranha, mas quando ouvimos a voz do crítico e pesquisador de teatro Sebastião Milaré explicar que a arte deve se despir de preconceitos e ser gratuita, começamos a compreender em sua palavra que quanto menos a arte estiver a serviço de interesses políticos ou pessoais, ela terá chance de trazer, em sua pureza, grandes benefícios à sociedade. Com esse pensamento, suas críticas teatrais respeitadas no mundo inteiro, buscam desnudar-se de tudo para olhar com profundidade as obras dramáticas e a vida humana.

Estudioso das obras e pensamentos do dramaturgo Antunes Filho, Milaré está em Natal para participar da Semana do Teatro Nordestino, que acontece até amanhã, na Fundação José Augusto (ver programação). Hoje, o crítico estará discutindo o tema “O papel do dramaturgo na cena contemporânea”, com os debatedores Paulo Vieira (PB) e Sávio Araújo (RN). E logo após o debate, sua palestra traz o tema “A Pedra do Reino sob a ótica de Antunes Filho”, propondo um diálogo com a platéia sobre as visões e sensações de cada um.

Atualmente Milaré é colaborador de revistas eletrônicas e impressas como a Bravo! e está se dedicando ao livro sobre a construção do Método de Antunes Filho, sem pressa para ser lançado.

Observando o teatro sobre o caleidoscópio dos olhares de diretores, atores, encenadores e amantes das artes cênicas de várias partes do Brasil, a Semana traz para o palco as discussões e reflexões sobre o teatro brasileiro em suas diversas funções. Abordando em mesas-redondas e palestras, assuntos como  cenografia, dramaturgia, literatura de cordel e diálogos pertinentes ao amadurecimento da arte dramática no nordeste.

Para contar sobre a palestra de hoje e sua visão sobre o teatro no Brasil e no Rio Grande do Norte, Milaré conversou com o Viver.

 TRIBUNA DO NORTE: Em sua última crítica para a Revista Teatral Antaprofana, o senhor questionou a inutilidade da crítica de teatro, dizendo que “certamente, como inútil é a própria arte”. E quanto mais gratuita for, quanto menos estiver “a serviço” do que quer que seja, mais próxima estará de trazer grandes benefícios à sociedade. Explique essa visão.

Sebastião Milaré: A arte tem que ser inútil, pois se ela for criada a serviço de algo ela deixa de ser arte e termina virando interesse. A partir da inutilidade ela se transforma em benefício, quando o artista expressa o seu pensamento sobre o mundo e afeta a vida. A crítica é a mesma coisa! Ela precisa ser desprendida, ser inútil  para ser uma ferramenta pública, que serve. Não tem essa de ser juiz, mas sim o crítico precisa dialogar, perceber e ir tateando as situações e teorizar sobre a visão de mundo que o artista observa. Por isso tem que ser independente, despido de preconceitos, interesses partidários e conseguir acompanhar o pensamento do artista e alimentar a sociedade com essa força.

Li uma crítica sua sobre o espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró”, elogiando a direção de João Marcelino em unir teatro, dança e música. Como observa o teatro do RN hoje?

SM: Não posso falar com autoridade sobre o teatro no RN, pois não vi muitas peças para fazer um panorama. Mas já aqui vi algumas obras maravilhosas. Sou fã e admirador do teatro nordestino. Tenho caminhado por Pernambuco, Paraíba, Bahia e percebo que as interpretações dos atores provêm das manifestações, da força dos folguedos, do sertão e são muito expressivas e espontâneas. Deve ser um desafio para eles atuarem em peças que necessitem de recolhimento, mas é impressionante a liberdade que eles têm. No RN vejo e sinto isso, especialmente quando assisti ao espetáculo “Chuva de Bala”, que conjuga essa expressão rica com a origem da história, o fato histórico, aquela história maravilhosa da invasão de Lampião. Além de qualquer critério de julgamento crítico, é importante sentir como ele acontece. É uma das coisas mais bonitas que já vi na vida. Gostei tanto que assisti por duas vezes.

O senhor destacaria algum grupo?

SM: Conheço dois de que gosto muito. O Clowns de Shakespeare é um grupo brilhante, tem provocação estética. Outro que gosto muito é o Alegria Alegria, esse é exemplar! De grande nível nacional.

E o teatro no Brasil em seu olhar crítico?

SM: Venho observando não só o teatro brasileiro, mas também o latino-americano. Precisamos criar uma aliança e um diálogo com o teatro latino, que é nosso. Estive recentemente em Cuba e estou envolvido com o teatro venezuelano e sinto que o teatro latino- americano é um dos mais fortes no mundo atualmente. Os mestres do teatro estão, em sua maioria, na América Latina. Antunes Filho, grande mestre, não podemos negar. No Brasil contemporâneo destaco o trabalho do Antônio Araújo, do teatro da vertigem e vários grupos do Sul e do Nordeste. Existe um movimento forte no teatro hoje, acredito que está havendo um fôlego maior para produzir, um desejo e um objetivo.

Na mesa-redonda de hoje o senhor abordará o papel do dramaturgo na cena contemporânea. Poderia nos antecipar a sua visão?

SM: Na realidade o papel do dramaturgo se transformou naturalmente com o tempo, mas a essência do escritor, do poeta continua a mesma. Alguns códigos se alteraram pelo amadurecimento das artes cênicas, que antes os atores ficavam restritos aos textos, presos às falas, não tinham liberdade para mudar nenhuma palavra. Hoje o que mudou é a integração. Dividiram-se as tarefas, existe o diretor, o ator, o cenógrafo, iluminador e outros e a visão sobre a obra escrita pelo dramaturgo se tornou coletiva. Antunes Filho começou essa transformação quando montou “Macunaíma”. Os atores participavam de oficinas para montar o texto e assim abriu-se um leque na arte dramática.

Na palestra “A Pedra do Reino sob a ótica de Antunes Filho”, o que o senhor irá abordar? Qual a representação de Antunes Filho e sua influência no teatro hoje?

SM: Vai ser uma palestra meio impressionista (risos), bem solta, sem prisão aos roteiros. Como sou muito amigo de Antunes Filho e ele me confidencia algumas coisas, vou transmitir na palestra o olhar dele e o meu sobre a “A Pedra do Reino”. Recortei algumas cenas da minissérie para passar aqui e logo depois iremos discutir. Será um diálogo com a platéia, iremos construir juntos um novo olhar sobre a imagem.

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