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Seca provoca a morte dos animais no RN

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SECA - O gado está morrendo e os agricultores contabilizam prejuízos

O município de São Pedro não fica distante de Natal, apenas 50 km o separam da capital do Estado. Quem se dispor a ir até lá, pode encontrar Marcos Antônio Oliveira, de 26 anos, manobrando o trator da fazenda onde trabalha, próximo à localidade conhecida como Pedra Branca. Mas engana-se quem pensa que vai ver a máquina arando a terra, ajudando no plantio, ou na colheita. Nas últimas semanas, uma das principais tarefas de Marcos Antônio é transportar carcaças de reses mortas. A causa mortis ele explica com a tranqüilidade de um médico experiente: fome.

Enquanto se discute qual nome dar ao período de estiagem que afetou o Rio Grande do Norte nas últimas semanas, Marcos Antônio, o município de São Pedro, outras 42 cidades e mais de 400 mil pessoas que vivem no Agreste potiguar descobrem que, pior que um ano de seca, só mesmo dois, ou três anos de seca. Sim, seca. Pois se os especialistas correm a evitar essa denominação, os moradores da região Agreste não têm outra forma de chamar o tempo no qual carcaças de gado se amontoam nas beiras das estradas e as plantações se perdem de todo.

E ainda que as chuvas cheguem, nada devolverá aos agricultores as horas de trabalho em vão, no plantio de lavouras que sequer alimentaram esperanças, nem muito menos as cabeças de gado que viram morrer em suas propriedades. Somente onde Marcos Antônio despeja as do seu patrão, podem ser contadas 16, entre bois, vacas, bezerros e até carneiros. “O inverno não tá bom, não. Tá tudo seco. Só resta rezar pra Deus mandar uma chuva pra nós”, suplica.

A chuva, ou melhor a falta dela, é também a preocupação daqueles, cujo rebanho ainda se segura de pé. “Em fevereiro caiu uma chuvinha boa e nos animou, mas parou geral”, lamenta o agricultor José Luiz de Oliveira,  49, também de São Pedro. Dono de seis cabeças de gado, ele diz que os invernos ruins na região vêm se repetindo.

Se José Luiz ao menos pôde comprar uma “tortazinha” (ração) para seu gado, muitas vezes o que resta é buscar da natureza o que ela tem a dar. Nessa hora, plantas como o cardeiro, que durante os tempos menos difíceis é relegada a segundo plano, viram a principal fonte de ração para os rebanhos. “Tiro uma carroça por dia de cardeiro, mas só dá mesmo pro dia. Passo o fogo, tiro os espinhos e dou ao gado”, explica Gilberto Ferreira, 38, de São Paulo do Potengi.

Assim como José Luiz, ele chegou a plantar milho e feijão, mas garante que o destino foi o mesmo: “está tudo liqüidado. Se chover agora, só vou plantar capim, porque feijão já não dá certo, não vai pegar mais nesse período”, explica. Se a Bolsa Família que recebe “remedia” a situação de sua esposa e três filhos, a ajuda que Gilberto Zeferino quer mesmo vem do alto. “Só Deus, né? Porque até agora tem caído apenas sereno, muito devagar.”

Em Barcelona, Joaquim Caldas, 58, se serve do mesmo cardeiro para alimentar seu pequeno rebanho, de 15 reses. “Meus vizinhos já estão perdendo os animais. Eu ainda não, mas tá difícil”, admite . João Marcos, 60, de São Pedro, resume o pensamento geral: “Se não chover, quem tem gado vai perder um por um.”

Capacidade dos açudes está reduzida

Morar próximo a um reservatório minimiza a dificuldade dos agricultores, mas está longe de evitar os malefícios do tempo de seca. No município de Tangará, o vaqueiro Francisco Ágape, de 58 anos, garante que sobra água do açude Trairi para dar aos animais. Nem isso, contudo, impede uma triste contabilidade. “Meu patrão tem umas 220 cabeças, já vamos para quase umas 20 mortas de fome. Eu mesmo sou dono agora de 21, pois oito das minhas já morreram nos últimos tempos.”

Nascido e criado em Tangará, Francisco Ágape não acredita nem mesmo que possa vir a vender as reses que ainda possui. “Já no ano passado foi ruim de chuva, mas este ano tá pior. Não adianta pensar em vender os bichos porque a essa altura, do jeito que estão, não tem quem queira nem dado”, aponta. O próprio açude Trairi, parece acusar as marcas da estiagem. Embora o Governo do Estado repita que a maior parte dos açudes e barragens potiguares têm mais água que em 2006, no Agreste a situação é outra.

De acordo com as leituras do Dnocs, o Trairi, com capacidade para 35 milhões de m3 d’água, apresentava no final de março um volume de apenas 28% do total, contra os 37% de 12 meses antes. O mesmo se repete no Inharé (17,6 milhões), em Santa Cruz, e no Japi II (20,6), em São José de Campestre, onde os atuais volumes, 40% e 18% respectivamente, estão abaixo dos registrados em março de 2006, 46% e 43%.

Morando vizinho ao Trairi, André Luiz Barbosa, 23, teme pelas poucas chuvas. “Tinha mais água no ano passado. Assim, do jeito que está, vai ser difícil até para a pesca”, avalia. O agricultor Augusto Pereira, 61, também morador da área, concorda: “Está complicado, não tem nem pastagem. Só este ano já comprei 45 sacos de ração, a R$ 28 o saco, calcule meu prejuízo”.

Meteorologista ainda tem  visão otimista

A esperança para os moradores da região Agreste do Estado é que, apesar de um fevereiro não muito bom e um março bem pior, o inverno possa se consolidar nas próximas semanas e durar o bastante para minimizar os prejuízos. Meteorologista da Emparn, Gilmar Bistrot acredita que as chuvas que começaram na última semana possam prosseguir depois de maio, o que não ocorre nas regiões Central e Oeste, onde o próximo mês marca historicamente o fim do período chuvoso. 

Ainda que o cenário positivo se confirme, muito já se perdeu. “Há anos temos sofrido. Em 2005 foi muito ruim de chuva. Em 2006 foi pior. Agora, ainda conseguiu piorar mais”, compara o secretário de Agricultura de São Paulo do Potengi, Erivan Isídio Ferreira. No município, choveu apenas 36 mm em janeiro, 26 em fevereiro e 12 em março. “E o inverno geralmente se configura no mês de março”, acrescenta.

As pastagens já “foram embora” e gado tem morrido de fome com freqüência no município, que decretou situação de emergência. O secretário reconhece que a estiagem pode prejudicar os negócios. “Está realmente uma situação crítica, felizmente temos o Seguro Safra.”

Esse programa do Governo Federal garante R$ 550 reais às famílias que perderam a safra, divididos em cinco pagamentos. Para isso, os municípios entram com R$ 16,50 por ano, o Estado R$ 33 e o agricultor R$ 5,50. Em São Tomé, é uma das esperanças dos moradores da zona rural.

Agricultor perdeu todas as esperanças de inverno em 2007

Lourival Venâncio de Moura, 63 anos, já viveu um período de seca “tão braba” como a deste ano. “Foi nos anos 80, mas dessa vez também tá ruim”, compara. Na atual estiagem, ele perdeu uma de suas reses e isso não significa pouco para quem agora é dono de apenas duas vacas e um bezerro. “O feijão que plantei também morreu todinho. Esse inverno está é esquisito”, decreta o agricultor de Lagoa de Velhos.

Para dar água aos animais, ele superava os problemas na coluna para tanger o reduzido rebanho por até 2 km, todos os dias. Agora, a vida ficou um pouco menos difícil, já que um carro-pipa abastece uma cisterna próxima, “de vez em quando”, porque “de água que caiu da chuva, não dá para matar nem uma rolinha.” Se a sede se resolve, a fome ainda é um problema. “O gado vai catando aí se tem um restinho de qualquer coisa e a gente tenta se virar com cardeiro e macambira, porque quem tem palma não dá de graça.”

Morando com a esposa e quatro filhos, ele demonstra que a falta de chuvas secou até aquele sentimento que parece inerente ao homem do campo. “Esperança? Não tenho esperança de inverno mais não.”

Presidente da Anorc sugere medidas

O presidente da Associação Norte-rio-grandense de Criadores (Anorc), José Bezerra Júnior, descreve o roteiro do atual drama vivido no Agreste: “A situação é de calamidade. Disseram que iria chover bem, o pessoal se animou. O Governo distribuiu sementes. Fizeram suas plantações. Na hora do feijão crescer, do gado engordar, cadê a chuva? Se isso é ruim, pior naquela região, que viveu um ano fraco também em 2006.”

José Bezerra é direto ao apontar sugestões para minimizar as dificuldades. Primeiro, prolongar o período de vacinação contra a febre aftosa, que vai até o final deste mês, pois haveria dificuldade para a vacina fazer efeito em um rebanho debilitado pela fome. Segundo, a Emparn fechar uma previsão meteorológica que permita ao Governo do Estado adotar ações específicas. Terceiro, oferecer empréstimos emergenciais, sem juros, às vítimas da estiagem.

A quarta medida seria a distribuição de ração volumosa, como o bagaço de cana. A quinta o adiamento do pagamento de dívidas e, em sexto lugar, o financiamento de kits de irrigação para quem possui fontes d’água em suas propriedades. “O Agreste, ano passado, sofreu sozinho. Não teve eco a seca na região porque choveu nas demais. Agora, todo mundo tá tendo prejuízo, todo rebanho magro, estão deixando só o gado limpar o cabelo (ganhar um pouco de peso) e passando no ferro (abatendo)”, observa.

Em Santa Cruz, a discussão entre Emater, agricultores e bancos tem sido se o momento é de liberar recursos para o aumento do rebanho, ou a manutenção dos que resistem à seca, com a compra de ração. “A nossa região vem sofrendo muito com a estiagem nos últimos anos”, aponta o diretor da Emater na região Trairi, José Medeiros Henrique. Ele considera “muito difícil” a situação, pois antes das primeiras chuvas de abril, só havia chovido no período do carnaval.

“A nossa média histórica é de 500 mm no ano, com menos de 400 não há condição da lavoura florescer. Em 2006, foram só 300, este ano também está péssimo. Os que plantaram, perderam 80%”, revela. A esperança agora é a retomada das chuvas, já que ainda há sementes a serem distribuídas. “Embora o nosso inverno normalmente vá de fevereiro a abril, ainda esperamos que possa chover e vamos distribuir as sementes que ficaram”.

José Medeiros revela que não há mais pasto nas cidades próximas e, por isso, tem sido comum a morte das reses. 

Entrevista: Larissa Rosado, Secretária Estadual de Agricultura

“O governo está agindo”

Tribuna do Norte – A Secretaria tem consciência da situação vivida no Agreste do Estado?
De acordo com as informações dadas pela Emparn, o maior comprometimento se dá na região Central. É lógico que o governo Wilma tem ações contínuas em todo o Estado, para amenizar os efeitos de uma seca, mesmo antes de ter uma previsão boa para este ano, que realmente sofreu uma alteração. A governadora convocou os secretários e determinou que cada um faça levantamentos. Um diagnóstico geral da situação.

Para quando?
Estamos trabalhando para ontem. Mas temos que analisar que, por exemplo, para o Oeste, existe expectativa de chuvas até o mês de maio. Então temos de trabalhar, mas também não pode ser com precipitação, afinal o governo tem ações ininterruptas. Nesse mesmo período do ano passado, mais de 100 municípios tinham pedido estado de emergência, situação de calamidade, atualmente são 56.

Qual a prioridade se a safra for perdida?
Temos o Seguro Safra, que depende da adesão do agricultor, da prefeitura e do Governo do Estado. Temos já 33 municípios com esse seguro, que garante R$ 550 por agricultor, se a safra for frustrada. O governo  está agindo. A governadora vai ter uma audiência no Ministério da Integração, na terça-feira. Estamos, com certeza, atentos. Se fizer uma comparação dos níveis dos açudes, temos níveis melhores que no ano passado.

O governo vai aguardar uma previsão definitiva para decidir sobre medidas emergenciais?
Não existe uma seca configurada, ainda. Exatamente por causa dessa previsão que existe de chuvas. Mas já foram tomadas medidas como um trabalho para que não falte água para consumo humano.

Qual o caminho para não  recorrer a medidas emergenciais?
Montar a estrutura como o governo vem montando. Estradas, poços, adutoras, as oportunidades de financiamento, incentivos, qualificação. Temos presença no campo com Emater, Emparn, projetos de pesquisa, cursos.

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