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Seja feita a sua vontade

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PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
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Segundo o relato do evangelista João, na manhã do domingo (da Páscoa), Maria (de Mágdala) foi visitar a sepultura de Jesus. Estava debulhada em lágrimas. Eis que um anjo perguntou-lhe: “Por que choras, mulher”?  Ela, olhando o sepulcro, respondeu: “Levaram o meu Senhor” (cf. Jo 20, 11-13). A mesma tristeza poderá acontecer se retirarem Dom Nivaldo Monte do túmulo, onde repousa e santifica o Mosteiro de Sant´Ana, em Emaús. Há quem pretenda exumá-lo do local por ele escolhido para aguardar a ressurreição definitiva. Foi a vontade de um santo, sábio e benfeitor da Igreja de Natal. E do ponto de vista canônico e jurídico, deverá ser respeitada. Há inúmeros testemunhos loquazes e contundentes, que poderão ser invocados. Alguns sabem que fomos seu confidente nos seus últimos meses de vida, inclusive celebrando a eucaristia com ele em sua capela doméstica. Repetidas vezes, ouvimos dele estas palavras: “Nêgo velho, quero repousar no silêncio do Mosteiro de Sant´Ana”. Somos apenas um daqueles tantos que escutaram dele algo semelhante.
Há os que invocam a legislação eclesiástica para prover-lhe outra sepultura. Mas, o Código de Direito Canônico, de acordo com o cânon 1242, permite que os papas, cardeais, bispos diocesanos e equiparados (inclusive os eméritos) sejam sepultados nas igrejas das quais foram pastores. A disposição canônica eclesial é uma concessão e não uma obrigação. Há uma diferença jurídica entre obrigar e facultar, uma distância semântica entre dever e poder. Conhecemos exemplos de bispos, que não quiseram ser inumados em suas antigas igrejas catedrais. Dom José de Medeiros Delgado, arcebispo emérito de Fortaleza, preferiu a Igreja de São José de Caicó, por ele construída, para seu túmulo. Dom José Adelino Dantas, bispo emérito de Rui Barbosa, na Bahia, optou pela capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na cidade de Carnaúba dos Dantas, por ele escolhida para sua sepultura. Dom Manuel Tavares de Araújo desejou repousar na Igreja Matriz de São José de Mipibu, sua terra natal, onde fora batizado. Renunciaram às catedrais das quais foram pontífices. Até agora ninguém contestou e contrariou suas últimas vontades. Há vários exemplos na história eclesiástica do Brasil. Citamos apenas os que são mais próximos e significativos para nós.
Dom Nivaldo Monte, no seu despojamento, simplicidade e amor à terra que cultivou, descansa no solo que abençoou. Era um sacerdote em permanente comunhão com Deus e a natureza. Talvez incomode a alguns ver um arcebispo sepultado de forma simples e telúrica. Segundo seu desejo, na sua lápide constam apenas as datas de nascimento e de partida para a casa do Pai, bem como seu lema episcopal em latim. Ali, o inolvidável Dom Nivaldo faz-nos lembrar as palavras de Léon Bloy: “Quero para mim a solidão, a beleza e o silêncio do Infinito”. Ou ainda a prece de Paul Claudel: “Desejo que tudo pare e cale para ouvir a voz de meu Senhor e Deus”.
Dom Nivaldo costumava acorrer ao Mosteiro de Sant´Ana para rezar e com sua presença santificar o chão, onde jaz. A terra mãe acolheu um filho querido, que sempre se encantava com o solo: obra de Deus, escolhida para alimentar o ser humano, brindá-lo com o perfume das rosas e por último envolvê-lo na sua ternura. Nosso arcebispo emérito era um poeta e místico. Por isso nada mais coerente e adequado a seu estilo de vida do que repousar num espaço bucólico, santificado pelas suas mãos e com a sua bênção. Homem frágil fisicamente, mas cheio de bondade, doçura, afeto e misericórdia. Certa feita, “O Dom da Ternura” dissera a uma freira contemplativa daquele Mosteiro: “Trabalho, estudo, prego e celebro lá fora, mas meu coração está aqui, em adoração contínua a Cristo da Eucaristia”. E lá sempre aparecia para adorar o Santíssimo Sacramento. Numa igreja, não haverá os colibris em voo rasante cumprimentando o habitante santo e sábio do chão sagrado de Emaús. Não terá a luz e o calor do sol, os girassóis e outras flores, que engalanem e perfumem sua última morada. Faltarão cotidianamente as mãos santas e piedosas de monjas que depositam em seu túmulo, além das rosas, a sua prece de gratidão e amor à Igreja de Cristo.
O lugar justo e condizente para a sepultura de Dom Nivaldo é o Mosteiro de Sant´Ana, terra que ele adquiriu, abençoou e santificou com seu labor e a marca de sua grandeza. A quem interessa remover Dom Nivaldo daquela sepultura simples e santa, envolta de misticismo e espiritualidade? Que motivos serão mais fortes para afastá-lo do encanto da natureza a quem tanto amava? Seu exemplo de vida e seu desejo devem ser respeitados. Que ele descanse em paz onde escolheu, pois ali é seu lugar. Esta foi sua última vontade. Que ela “seja feita assim na terra como no céu”.

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