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Selma Bezerra captura o acaso

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Yuno Silva
Repórter

Há quase 15 anos a artista visual Selma Bezerra captura o acaso. Suas telas revelam o imprevisível das ruas e de certa maneira chancelam a Teoria do Caos ao lidar com ‘sistemas complexos e dinâmicos’. Trabalhos que ganham potência quando apreciadas com olhos de quem enxerga além do visível e lê nas entrelinhas. “Essas obras são como minha cidade invisível. Dá para ver muita coisa e filosofar um bocado”, disse Selma ao VIVER em seu ateliê às margens do Rio Potengi. Ela e o fotógrafo Marcelo Buainain, que apresenta uma releitura da arte de Selma a partir da reprodução de fragmentos dessas “cidades invisíveis”, unem forças em nova exposição. O vernissage acontece nesta quarta-feira (30), das 18h às 21h, no Atelier Pedra do Rosário.
Artista volta à cena com novo trabalho onde retrata a dinâmica e mutante geometria da natureza
O espaço fica na Rua Paula Barros número 556, Cidade Alta, duas ruas descendo por trás do Tribunal Regional Eleitoral. A visitação segue até o dia 9 de outubro, sempre das 16h às 18h, horário que a artista reservou para receber o público. “Depois desse período as obras vão continuar por aqui, eu é que não estarei todos os dias no ateliê para receber as pessoas”, avisa.

Ao todo são dez telas grandes, com tamanho médio de 1,5 metro por 1,5 metro, mais série limitada de fotografias de Buainain derivadas da “ousadia” contemporânea de Selma Bezerra. Todas as obras, tanto os quadros quanto as fotografias, estão à venda. A curadoria da exposição, que não tem um nome específico, foi compartilhada pelo próprio Marcelo com a artista visual Ângela Almeida. O texto de abertura do catálogo é assinado pelo poeta Paulo de Tarso Correia de Melo.

Quem ainda não conhece os experimentos artísticos de Selma Bezerra pode até estranhar, em um primeiro momento, as grandes telas de papel canson de alta gramatura (280 a 300 g/m²) impregnados por tons e texturas coletadas em locais públicos. Ela fixa o papel no chão, em pontos de grande movimento, e deixa o tempo agir junto com o trânsito (de pessoas, carros, bicicletas, etc etc) para então intervir com pigmentos e chegar ao efeito desejado.

“Me cobraram demais uma nova exposição”, disse Selma, desde 2011 longa das galerias. Sobre a parceria com Marcelo Buainain, a artista contou que o fotógrafo “conheceu e gostou muito” há uns dois anos: “Ele é exigente, tem sensibilidade e uma opinião de peso. Me encorajou a fazer essa exposição”.

Boa parte das obras são recentes, criadas entre 2014 e 2015, mas a artista também incluiu trabalhos relevantes mais antigos, como “Jambo” de 2006 – apesar do papel ter sido fixado embaixo de uma árvore, o rosa das flores do jambeiro não foi capturado. “Trabalho com o imprevisível, por isso pesquiso bastante antes de alcançar o resultado esperado. Misturo pigmentos em pó, cera de carnaúba (aplicada sobre a tela antes dela ser instalada) e quase não uso pincel. No máximo um paninho”.

Ela disse que “às vezes” os papéis passam um dia e uma noite, às vezes um pouco mais: “Quando chove muito não é bom para o trabalho, mas se chove um pouco ajuda a fixar a textura e os pigmentos”, explica. Depois que a tela é recolhida, a artista lava o papel e ressalta os tons. “É trabalhoso e não saberia dizer se o que faço é uma ousadia”.

“É um trabalho com um apelo sensorial muito forte, a técnica também é bem instigante (intervenção de anônimos) e fui meio que levado a fazer uma releitura burilando no contraste, na pigmentação, nas texturas e nos tons”, disse Marcelo Buainain. O fotógrafo clicou fragmentos de 25 obras: “A base do trabalho é dela, mas da minha intervenção surgiu uma nova leitura para as obras”, garante.

Buainain, natural de Mato Grasso do Sul e radicado no RN há mais de uma década, salienta que não se limitou a manipulação digital das imagens: “há sensibilidade, uma outra compreensão textural e sensorial”.

Desafio contemporâneo
Selma Bezerra lembra que nos quase 15 anos que desenvolve a técnica perdeu apenas duas telas: uma na Av. Roberto Freire “que devem ter recolhido pensando que era lixo”, e outro na Praça André de Albuquerque “que acabou virando cama para um morador de rua. Não fui pedir para devolverem, mas seria bem interessante um quadro ter essa experiência acumulada”.

O ponto de partida se deu em 2001, quando “a turma da Casa da Ribeira lançou o desafio para que produzisse uma obra contemporânea. Até então trabalhava o figurativismo não acadêmico, óleo sobre tela, e não sabia nem quais material usar”.

A ideia de trabalhar com o acaso urbano surgiu quando Selma topou com um poema de Zila Mamede. “Ela falava sobre viagens, das idas para São Paulo, então explorei esse movimento de ir e vir”, recorda a professora de História da Arte, aposentada pelo Departamento de Artes da UFRN, que retomou a lida com as artes plásticas em 1989.

Já o uso papel canson de alta gramatura foi dica do amigo e também artista visual Gustavo da Liña (RS). “Passei duas temporadas trabalhando no ateliê dele, na Alemanha, em 2001 e 2002. Ele que me atiçou a fazer essas ousadias”. Atualmente Liña vive em Buenos Aires.

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