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Sem medo de ser matuto

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POESIA - Jussier Quirino é referência em escolas do país

Antes de descer a lenha no matuto que tem a fala meio enviesada, procure saber que diabos é a poesia popular que o paraibano Jessier Quirino começou a jorrar pelas bandas de Campina Grande e, atualmente, é referência em escolas do país. Autor de centenas de poemas com a cara e o jeito do sertão brasileiro, boa parte publicados em livros e discos, Quirino é uma das atrações do projeto Seis & Meia. Ele se apresenta hoje, a partir das 18h30, no Teatro Alberto Maranhão, logo depois que o flautista potiguar Carlos Zens se embrenhar pelos sons extraídos da cultura popular que andou pesquisando pelas bandas de cá. Na mesma noite os poetas Bob Motta e  Antônio Francisco dão seu recado e mostram a quantas anda a poesia popular por aqui. Os ingressos estão sendo vendidos na bilheteria do teatro aos preços de R$ 20 (inteira) e R$ 10 (estudantes, idosos e professores).      

Nesta conversa, Jessier Quirino fala das influências que tem no RN, de política e das críticas que recebe por valorizar a linguagem “errada” do matuto.

VIVER – Essa é a terceira vez, em pouco mais de três meses, que você vem ao Rio Grande do Norte. Essa relação vem de muito tempo?
Jessier Quirino – Na verdade, como a Paraíba e o Rio Grande do Norte são irmãos, temos essa afinidade muito grande. Meu trabalho tem tido um reconhecimento muito grande aí (no RN), foi um vínculo que criei quando enveredei pela área artística, fruto do meu próprio trabalho.

Mas o RN chegou a inspirar alguns dos causos que você  transformou em poesia?    O RN sempre foi um celeiro de grandes causos e artistas. Acho que todo artista, por exemplo, tem obrigação de conhecer a obra de Cascudo. Particularmente admiro muito o Renato Caldas, os poetas de Assu em geral. Como pesquisador, minha admiração pela obra de Renato é latente porque a poesia dele tem um lado lírico, como Zé Limeira e Zé da Luz, da Paraíba e Patitva do Assaré, no Ceará. Na irreverência, os mais jocosos de que gosto muito também são Session e Celso da Silveira. Já do ponto de vista da nordestinidade, Oswaldo Lamartine e Cascudo são, para mim, as principais figuras. Uma pessoa que conheci há pouco tempo e gostaria de destacar é um autor de Acari, Paulo Balá, também muito importante.

Você e Oswaldo Lamartine chegaram a se conhecer, conversaram sobre algo?
Conversar assim, não. Mas tive pena, uma vez, quando soube que ele estava presente num show que fiz. Faz algum tempo, ele ainda estava bem de saúde. Mas só me disseram depois, porque eu iria chamá-lo para o palco. Isso eu teria colocado até no meu currículo (risos).

“Comício em Beco Estreito” é uma crônica fiel do fazer política no Brasil e, ao mesmo tempo, uma crítica ao modo como o povo absorve esse discurso. Por conta disso, você esperava tanto sucesso?
Na realidade, “Comício em Beco Estreito” foi feito em 1999, mas só foi publicado em 2001. É muito caricato. Como usei algumas expressões de baixo calão, pensei que fosse circular só no meio da molecagem. Fiquei surpreso sim porque coloco o dedo na ferida de um câncer do País… na verdade, fiquei surpreso por toda minha obra, que é meio moleque de rua.

De lá para cá, seus shows também se tornaram mais políticos ou continuam falando de tudo, como no início?
A crítica no meu trabalho não tem uma direção partidária, é generalizada. Minha postura crítica é apolítica, muito caricata, muito emblemática. Além do “Comício..”, tenho um poema do “Matuto Coroné”, outro que fala das eleições, é uma crítica de forma generalizada…

Essa postura artística é, também, pessoal?
Também é minha como pessoa. Acho que todos os artistas têm que ter uma posição política. Na própria poesia a gente já percebe um posicionamento político. E eu faço isso com muita graça, um trabalho que pede reflexão.

O matuto também é um ser político?
No geral ele é manipulado pela política. Existem setores que são mais reflexivos, mas de uma forma mais ampla, a gente vê que o matuto é manipulado pela promessa de chuva, pela esmola…

Em meio à essa surpresa que você fala em relação a aceitação da sua obra, o fato de ter atraído a classe média e estudantes universitários também foi inesperado? 
Muito. O que tenho observado é que algumas pessoas do interior que moravam nas cidades tinham reservas em dizer de onde eram. Preferiam destacar quanto tempo já tinham de cidade. No entanto, hoje vejo que os que moram na cidade e são do interior, não fogem às raízes. Esse pessoal viu meu trabalho com toda essa vivência do campo e acabou adotando a obra como bandeira. É um sentimento de valorização, claro que ainda que tardia, mas que reconhece essas origens.

Você disse outro dia que gosta de ouvir as palavras ditas erradas porque acaba transformando-as em motes ou versos do seu trabalho. O que os “guadiões da oralidade” tem achado disso?
Já tive alguns problemas. Existem alguns setores intelectuais que condenam porque acham que o matuto fala errado porque desconhece, e não deveríamos provocar esse erro. Mas o que o matuto tem, de fato, são vícios dessa linguagem. No final das contas, não é uma linguagem errada, mas diferente. Assim como a rabeca é diferente do violino, e não um violino errado. Faço isso em defesa dos próprios valores, a gente precisa respeitar as diferenças. O que nós condenamos, a própria obra conduz a isso. Minha poesia está em sala de aula, é uma espécie de referência. Hoje estou sendo, na área didática, fonte para corrigir o aluno e valorizar nossas origens

As críticas à minisérie “A Pedra do Reino” têm a ver com isso?
Não sei. Para mim foi uma obra completa, de uma referência muito mais profunda. Acho que as pessoas, naquele caso, tinham o olhar voltado para um segundo “Auto da Compadecida”. Mas como foi um trabalho muito hermético, houve um choque. Mas a intenção era fazer uma coisa com mais profundidade.

E como foi participar dessa produção?
É uma coisa grandiosa. Apesar de não ter formação teatral, nunca estudei teatro, participei de todo esse processo. Foi um lucro grande que vai para o meu currículo.

Serviço
– Projeto Seis & Meia com Jessier Quirino e Carlos Zens hoje, a partir das 18h30, no Teatro Alberto Maranhão. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (estudantes, idosos e professores).

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