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‘Sem retomada do crescimento nenhum ajuste dará resultado’

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» ENTREVISTA » Fabrício Augusto de Oliveira – Economista

As perspectivas para a economia brasileira em 2016 não são nada animadoras: o desemprego deve continuar aumentando, podendo  ultrapassar a casa dos 10%, e a renda dos trabalhadores deve continuar caindo. A previsão é do economista Fabrício Augusto de Oliveira. Segundo ele, do ponto de vista da atividade produtiva não se enxergam sinais de vida econômica nos fatores que determinam o crescimento. “O consumo das famílias se encontra em trajetória de queda e nela deve permanecer, em virtude do aumento do desemprego, da queda real dos salários e dos altos níveis de inadimplência, além das incertezas que existem sobre o futuro”.

Entre as questões que o governo terá de enfrentar este ano, o ponto mais sensível é o que diz respeito à recessão e ao desemprego pelas consequências que acarretam para a sociedade em geral”, diz ele, neste entrevista  à IHU On-Line.
Fabrício Augusto é autor do livro 'Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil'
De acordo com Oliveira, o desequilíbrio fiscal brasileiro é, essencialmente, consequência do custo financeiro da dívida que, “em 2014, foi de R$ 311 bilhões (6% do PIB) e, em 2015, de R$ 500 bilhões (mais de 8% do PIB)”. Ele explica que a recessão “aumenta o desequilíbrio fiscal devido, em boa medida, à queda da arrecadação, num contexto em que os gastos são muito enrijecidos”. E adverte: “Sem a retomada do crescimento, dificilmente algum ajuste primário dará resultado, não restando ao governo outra alternativa, senão continuar insistindo em trilhar este caminho, a não ser a de avançar no corte dos gastos sociais para satisfazer o mercado, o que vai aprofundar a recessão e aumentar as tensões sociais. Por isso, o crescimento econômico é essencial para a melhoria das contas públicas”.

Como inicia a situação econômica no Brasil em 2016 e quais as perspectivas para a economia ao longo do ano?

O ano de 2016 começa com perspectivas nada animadoras para o Brasil. Projeções do mercado já apontam, por enquanto, uma queda real de 2,9% do PIB no ano e inflação próxima de 7%, acima do teto de 6,5%. Mesmo o Banco Mundial, que não é influenciado pelas exacerbadas expectativas do mercado, projeta um crescimento negativo de 2,5% do PIB. Isso indica que o desemprego deve continuar aumentando, podendo brevemente ultrapassar a casa dos 10%, e a renda dos trabalhadores deve continuar caindo. Um cenário extremamente preocupante que, tudo indica, não será revertido tão cedo, pois nada há no horizonte que forneça elementos para isso. Do ponto de vista da atividade produtiva, não se enxergam sinais de vida econômica nos fatores que determinam o crescimento. O consumo das famílias se encontra em trajetória de queda e nela deve permanecer, em virtude do aumento do desemprego, da queda real dos salários e dos altos níveis de inadimplência, além das incertezas que existem sobre o futuro.

Por que essa crise é diferente daquela de 2008?
Praticamente falido, mergulhado no compromisso com um ajuste fiscal primário, o Estado não dispõe de recursos para gastar e implementar políticas anticíclicas, como fez em 2009-2010 e no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Os investimentos se encontram prostrados, sem possibilidade de reação, não somente pelas incertezas reinantes na economia nacional e internacional, mas também pela conjunção interna de fatores a eles desfavoráveis. A fraqueza da demanda interna, as elevadas taxas de juros, a excessiva carga tributária e a continuidade da Operação Lava Jato que abateu importantes investidores da área da construção civil e desnudou uma empresa como a Petrobras, responsável por 10% de todos os investimentos realizados no país, enfraquecida financeiramente para continuar a sustentá-los, revelam a ausência de elementos para incentivar sua realização. Apenas o setor exportador pode contribuir para amenizar a situação, com a desvalorização cambial ocorrida; mas, além de sua participação no PIB não ser tão expressiva, o cenário ruim da economia internacional que deve se manter ainda por algum tempo, não permite muito otimismo sobre suas condições para a saída da crise.
O ano de 2016 será marcado por dificuldades, com PIB em queda e desemprego em alta
Por outro lado, a política econômica, comprometida com o ajuste fiscal primário, não dispõe de grandes espaços para calibrar seus instrumentos em prol do crescimento. Quando muito, pode adotar medidas mais localizadas setorialmente para atenuar a recessão e mitigar o desemprego. Este seria o caso de medidas de apoio e incentivo para a indústria da construção civil, por meio de uma ampliação do crédito ao setor habitacional e do avanço do programa de concessões na área da infraestrutura econômica. São medidas importantes, mas limitadas na conjuntura atual e, no caso das concessões, de efeito mais a médio e longo prazo.

Quais serão as principais questões que o governo Dilma terá de enfrentar em 2016 em relação à economia?
A questão mais dramática para a população brasileira que teria de ser enfrentada seria, para mim, a que diz respeito à recessão e ao desemprego, pelas consequências que acarretam para a sociedade em geral. Essa, no entanto, parece descartada porque, tendo se rendido ao diagnóstico da ortodoxia, o governo Dilma parece ter se convencido de ser necessário, antes de trilhar este caminho, reequilibrar o tripé macroeconômico, saneando fiscalmente o Estado, trazendo a inflação para o centro da meta e derrubando os salários reais para tornar mais competitiva a economia brasileira. Somente então o sol do crescimento poderia voltar a brilhar, pois estariam resgatados os fundamentos que orientam a ação dos investidores, de acordo com essa visão.Ora, isso pressupõe ser a recessão saneadora dos problemas atuais e que, por isso, deve perdurar pelo tempo que for necessário até que isso aconteça. O preço a pagar pela sociedade deverá, portanto, ser bem mais alto do que o seria se alternativas fossem buscadas com uma agenda do crescimento. Não bastasse isso, pode produzir efeito contrário ao esperado.

E a inflação?

No caso da inflação, que deve continuar dominando as preocupações da política econômica, o Banco Central já anunciou que se manterá vigilante no seu combate, o que significa que os juros serão mantidos em trajetória de elevação, aprofundando a recessão e ampliando o desequilíbrio fiscal.

Atualmente, a inflação brasileira tem um forte componente inercial e é afetada por pressões de custos, caso da desvalorização cambial e do reajuste dos preços monitorados pelo governo, sendo, por isso, muito pouco sensível ao aumento dos juros. Tanto isso é verdade, que o Banco Central aumentou a Selic em 2,5 pontos percentuais em 2015, e nem por isso a inflação começou a ceder, continuando em sua trajetória triunfante de elevação. Mas se não resolve o problema da inflação, dada a sua natureza, os elevados juros da Selic são letais para a questão fiscal.

Enquanto procura desesperadamente gerar um mirrado superávit primário para satisfazer o mercado, os juros da dívida pública atingiram, só em 2015, R$ 500 bilhões, o que significa algo em torno ou próximo de 9% do PIB, gerando-se um déficit nominal, no ano, também em torno deste nível, o maior do mundo. E é justamente este último conceito de déficit que realmente conta para a avaliação das contas públicas, pois é ele que determina a dinâmica da dívida. Por isso, não resolve muito apegar-se ao compromisso de gerar um superávit primário de 0,5% ou 1% do PIB e deixar abertos os canais — como o das elevadas taxas de juros — que destroem as finanças do Estado. Ao se render à ortodoxia, essas devem ser as questões enfrentadas pelo governo, mas não tenho dúvidas de que elas devem trazer mais prejuízos do que benefícios para a sociedade.

Como é possível resolver o problema fiscal brasileiro? Que medidas devem ser tomadas? É possível reequilibrar as contas?
O maior problema do Brasil é a recessão que aumenta o desequilíbrio fiscal devido, em boa medida, à queda da arrecadação, num contexto em que os gastos são muito enrijecidos. Sem a retomada do crescimento, dificilmente algum ajuste primário dará resultado, não restando ao governo outra alternativa, senão continuar insistindo em trilhar este caminho, a não ser a de avançar no corte dos gastos sociais para satisfazer o mercado, o que vai aprofundar a recessão e aumentar as tensões sociais. Por isso, o crescimento econômico é essencial para a melhoria das contas públicas.

Enquanto se olhar a questão fiscal sem levar em conta o custo financeiro da dívida, que está na raiz de seu desequilíbrio e é o principal responsável pela dinâmica de crescimento da dívida, não se resolve essa questão.

Como o senhor vê a relação entre Estado e Capital?
Estado e Capital são irmãos siameses. Um não vive sem o outro. Uma das funções do Estado, além da de apoiar o Capital (função acumulação) é a de compensar a irracionalidade de sua voracidade pelo lucro, redistribuindo parte da riqueza gerada para que o sistema consiga manter um mínimo de coesão social e de se reproduzir no longo prazo, evitando o seu colapso. Isso ele faz, principalmente por meio da tributação, que deve ser cobrada em função do nível de renda dos membros da sociedade, para o financiamento de programas destinados à população, especialmente para as camadas menos favorecidas. É o que chamamos de função “legitimação” por ele desempenhada, que é essencial para a reprodução do sistema.

Não há nenhum problema em conciliar as duas funções desempenhadas pelo Estado — a da acumulação e a da legitimação —, sendo a maior importância de uma ou de outra determinada historicamente de acordo com o grau de desenvolvimento de um país. Quando, no entanto, o Estado deixa de cumprir uma ou outra, isso pode levar, de um lado, a vetos do Capital sobre o seu papel, ou, de outro, a questionamentos por parte do Trabalho sobre sua atuação, gerando conflitos prejudiciais para o sistema reproduzir-se.

Por isso, pode-se considerar que as políticas redistributivas fazem parte da própria lógica do sistema, comandada pelo Estado, já que o Capital, pela sua natureza, não o fará. Para realizá-las, cabe ao Estado, assim, cobrar mais impostos dos mais ricos, transferindo essa riqueza para os mais pobres, a la Robin Hood. O grande problema dos governos no Brasil, incluindo os de Lula e Dilma, é que essas políticas têm sido feitas sem envolver os ricos em seus custos, à medida que estes permanecem suavemente taxados com impostos amigáveis e altamente beneficiados com a política de juros altos, como rentistas.

Quais as dificuldades de se votar uma reforma tributária?

Uma reforma tributária é sempre difícil de ser realizada porque afeta muitos interesses, dos governos em geral: União, estados, municípios; dos contribuintes: empresas, pessoas físicas; dos representantes de programas que têm seu financiamento vinculado a determinados tributos: saúde, educação etc. Estabelecer consenso em torno de interesses divergentes não é uma tarefa fácil e, por isso, foram poucas as reformas tributárias de maior abrangência já realizadas no Brasil.

A rigor, pode-se falar que apenas duas reformas foram realizadas no país: a de 1965/66, do regime militar, que modernizou a estrutura tributária, mas mantendo-a divorciada do compromisso com o princípio da equidade, já que seu objetivo era o de utilizá-la para o crescimento econômico, sob o argumento de que não se poderia taxar, para essa finalidade, o Capital e as altas rendas; e a da Constituição de 1988, que, no entanto, priorizou a melhor distribuição de receitas entre as esferas governamentais e transferiu para legislação infraconstitucional a regulamentação de vários princípios nela considerados, como o da equidade, por exemplo, o que não aconteceu.

Quem
Fabrício Augusto de Oliveira é doutor em Economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e autor do livro ‘Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil’.

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