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Senzala à luz de velas

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Maria Bethânea Monteiro – repórter

Portando um pequeno kit de sobrevivência e o conto “Negrinha”, de Monteiro Lobato, a atriz Sara Antunes foi deixada em um casarão abandonado, datado do início do século XIX. Sara passou a noite na companhia de pombos mortos, ratos e insetos. Através da luz emanada de uma vela, um dos itens do kit de sobrevivência, ela percebeu os relevos sensoriais daquele que poderia ter sido o lar da Negrinha, personagem proposto por Monteiro Lobato. O resultado desta experiência seria utilizado em “Hysteria”, espetáculo do Grupo XIX, de São Paulo, do qual a atriz fazia parte, mas ao invés disso ganhou vida em seu corpo e em seu texto. No lugar de pombos, Sara conta com um público bem vivo, que desde 2007 vem prestigiando o trabalho da atriz. Aqui em Natal, o espetáculo “Negrinha” será encenado hoje, amanhã e sábado a partir das 20h, no IFRN – Campus Avançado da Cidade Alta (Antiga TVU).

O  espetáculo “Negrinha” será encenado hoje, amanhã e sábado no IFRNAguardando a montagem do cenário, realizada por alunos do segundo período do Curso de Tecnologia em Produção Cultural do IFRN, Sara Antunes recebeu o VIVER, falou sobre a concepção do espetáculo e relatou algumas experiências marcantes. Com uma fala bem tranqüila e o olhar de quem vela o mundo com pavio e cera multicores, ela disse que “aquele lado invisível, que esconde a memória do ator e abre as portas para o público entrar” está presente com muita intensidade nela e também no espetáculo.

A atriz disse que a experiência no casarão abandonado, somada a outras experimentadas em Cabo Verde, na África e a convivência com o seu pai (que viveu no continente africano) lhe renderam um repertório rico, que dialoga com o mote do conto de Monteiro Lobato: as agruras de uma menina negra sob os auspícios de uma “boa senhora” da Casa Grande.

A peça surgiu da necessidade de fazer ecoar, pela voz baixa e frágil de uma menina, de uma criança escrava que viveu num Engenho de Açúcar, um momento crucial da história do Brasil: o fim da escravidão. “Com a peça não quero tratar de questões do passado, mas da atual. Quero que as pessoas percebam até que ponto a história contada reverbera em cada uma delas”.

 Evidenciar um Brasil que a história oficial não relata, sob a perspectiva de uma menina é o recurso dramatúrgico utilizado na peça. Uma “negrinha”, sem nome e sem futuro, aprisionada como um fantasma, na casa-grande, na “casa de açúcar” como é chamada por ela, no engenho onde produz a coisa mais doce e branca e onde se cultiva a escravidão e o preconceito “da cor”.   

Unir o fim da escravidão, a percepção do mundo das cores, do engendramento social pela perspectiva de uma pequena escrava foi o desafio criado na construção do espetáculo. É daí que emerge a dimensão poética, lúdica, lírica e fantasiosa, mas, também apavorante e cruel de uma história real.

Este imaginário oscila entre a sutileza do mundo infantil e a crueldade de como ele pode ser destruído. Negrinha é um trabalho artesanal, voltado para o preciosismo das palavras, objetos, sons e figurinos, para trazer o cheiro, cor e forma e realçar novas nuances dessa história. O caráter eminentemente interativo sublinha a união proposta entre esses dois tempos: passado e presente.

Uma história de dor e ausências

A peça lança mão de um cenário, que forja um casarão abandonado do fim do século XIX onde vive a Negrinha. A menina mistura as memórias da história de sua vida com fantasias, revelando as contradições de um tempo. A personagem tem afeição pelas cores, em especial pelas cores das pessoas.

 É pelo entrar e sair de salas, que a história fragmentada de uma memória infantil vai se compondo, nos detalhes espalhados pelas crianças – grãos, uma boneca, as fitas de amarrar o cabelo. Os detalhes são recriados, presentificando o imaginário de um tempo, uma casa e uma história. Pelas luzes minúsculas de velas cansadas, longínquas, surgem imagens que podem se verdadeiras ou assombrações da mente, de realidades históricas que não rejeitadas.

A Cor do Olhar

A vinda do espetáculo à Natal foi o resultado de uma parceria com a Petrobrás, que está patrocinando a circulação de Negrinha pelo nordeste, mas também marca a série de eventos culturais promovidos pelos alunos do Curso de Tecnologia em Produção Cultural do IFRN, no projeto chamado “A Cor do Olhar”, que engloba exposição fotográfica, workshop, oficina, debate e apresentação de espetáculos teatrais. As atividades terão início hoje, às 9h, com a Exposição Fotográfica “A multiculturalidade através das cores”, do paraibano Carlos Cartaxo. A exposição, composta por 30 imagens, possibilita uma análise comparativa do Nordeste com um país africano através de uma ótica multicultural, geográfica e histórica e ficará aberta a visitação até o dia 8 de agosto, sempre das 08h às 21h.

Às 20h, o espetáculo Negrinha será apresentado a um público composto por integrantes de comunidades quilombolas e outros convidados. Negrinha será reapresentado gratuitamente amanhã e sábado, às 20h. Os ingressos devem ser retirados até uma hora antes do espetáculo.

A atriz Sara Antunes promove o Workshop “Ator, um autor de seu tempo”, que acontece amanhã, das 9h às 13h. As inscrições são limitadas e devem ser realizadas pelo e-mail        [email protected].

A programação do evento, também contempla a oficina de “Teatro do Oprimido”, realizada amanhã das 13 às 17h (inscrições limitadas pelo e-mail [email protected]) e Teatro Fórum com grupo “Filhos da Terra”, também amanhã às 19h. A retirada de ingressos acontece no local, até uma hora antes da peça.

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