Rubens Lemos Filho
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Sentencia o anjo amargo ao menino envolto em nuvens antes de despachá-lo às mazelas do mundo terrestre: “Serás centroavante, um homem solitário e perigoso, incompreendido e furioso.” Está traçado o destino de uma raça quase extinta e fundamental quando o futebol abre e fecha as cortinas dramáticas de um teatro.
Onde pisa o centroavante, nascem gozos e fracassos, pois é da costela do centroavante a inconstância de alguém obrigado a dominar uma área e lutar contra quatro gladiadores, zagueiros que agem na classe do desarme ou na pancada confessora da falta de brilho. O centroavante é um suicida renovado. Sua vida é alimentada do perigo iminente do fim.
Quanto mais afastado das carícias da bola lasciva e apaixonada pela suavidade dos toques habilidosos, o centroavante a conquista na brutalidade do amor por instinto e volúpia, sem preliminares, carinhos ou afagos arrepiantes. Pura comunhão carnal, suor fortificado pelo desejo de romper corpos e redes.
Mudanças táticas no futebol brasileiro praticamente sepultaram o centroavante. Que era fixo na área, escoltado por dois beques de semelhante rudeza, colecionadores de nacos de carne das pernas do invasor territorial de retaguarda.
O centroavante na acepção da raça, nunca seduziu os amantes da técnica, da habilidade como arma sem dor, dos pequeninos de dribles antológicos, dos esguios de colocação e sutileza no ato épico do finalizar.
Quando Zizinho, o Mestre Ziza, antecessor de Pelé no posto de número 1 do Brasil, aceitou, veterano, disputar a Taça Osvaldo Cruz contra o Paraguai em 1956 , caprichou nos passes de curva ao centroavante Leônidas da Selva(não o da Silva, Diamante Negro), que tropeçava e caía ao receber a bola.
Vaiado pelo Estádio Nacional de Assunção inteiro no intervalo, Leônidas da Selva procurou Zizinho e apelou: “Seu Zizinho, meu mestre, os passes que o senhor dá são para atacantes finos, eu gosto mesmo é de receber a bola mais para o zagueiro do que para mim. Aí a gente se enrosca, eu ganho a jogada e faço gol.”
Leônidas da Selva era um centroavante autêntico. Zizinho disse-lhe que voltasse ao meio-campo, tomasse a bola do companheiro que com ela estivesse e partisse como um kamikaze para dentro da área paraguaia. Assim fez o Da Selva, autor de dois gols na vitória por 5x2. Ao final, beijou os pés de Zizinha. “Muito obrigado mestre, por atender ao meu pedido.”Eis o centroavante puro, sem alternativa nem plano B.
No rolo compressor do Flamengo, campeão mundial de 1981, o centroavante Nunes peitava defensores, goleiros, batia em laterais, buscava bolas perdidas, matava o jogo quando a lógica estava totalmente contra ele.
O centroavante não é um homem lógico, é filho do imprevisível. Nunes fez gols decisivos como profissão, feios, chulos, de canela, gols que valeram troféus.
O Rio Grande do Norte, que já teve homens do padrão ríspido de um João Galego e de um Renilson no ABC, de um Alemão e de um Pedrada no América, de um Icário ou de um Freitas, no Alecrim, volta a abrir alas a um representante completo do centroavantismo.
Wallace Pernambucano de biótipo de zagueiro-central, pernas grossas de volante, tamanho de um goleiro. É centroavante e é competente. Parte como um tanque da Divisão Panzer alemã na Segunda Guerra mundial atropelando cidadelas humanas e matando esperanças rivais com gols simples, mas decisivos.
O homem-gol do América coloca-se como o pistoleiro a espreitar o saloom coalhado de sicários no faroeste estrelado por Gary Cooper ou Clint Eastwood.
Tem todos na mão do seu olhar, todos prestes à morte em liquidação. Pois do centroavante é o instinto fumegante e Wallace Pernambucano é dono de apreciável pontaria.
Contra o ABC, colocou-se como se dotado fosse da antevisão permitida aos superiores. Fez o primeiro na tranquilidade de um cafezinho tomado no calor de uma manhã no centro de Natal.
No segundo gol, estava em batalha, em atividade bélica, batalhão solitário investindo sobre o inerte ABC. Rolou para Zé Eduardo que empurrou para o gol.
Ao dar o passe, parecia entrar num boteco e ordenar: “Uma cerveja gelada e ginga com tapioca. Traga logo que quem fala é um centroavante”. Em transe tão fatal como previra o amargo anjo. A má atuação contra o Força e Luz é da saga dos indecifráveis.
O presente
O América deu de presente ao ABC a chance de recuperar a liderança da fase classificatória do primeiro turno. O empate modorrento contra o Força e Luz jogou fora dois pontos ganhos que serviriam para o clube rubro disparar.
Agora, o ABC – que enfrenta o Santa Cruz no Frasqueirão esta tarde -, tem tudo para vencer e reassumir o topo da tabela. Uma vitória será satisfação para a torcida, chateada pela derrota e pelo mau futebol apresentado na derrota de 2x1 para o América. Com a defesa que tem, em especial o goleiro Matheus e o lateral-direito Luis Gustavo, o ABC estará sempre vulnerável.
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