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Simples e errada

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Merval Pereira

O incipiente estudo da Receita Federal, revelado de maneira indireta pelo próprio presidente Bolsonaro, feliz pela possibilidade vislumbrada de arrecadar mais de 1 trilhão de reais, causou rebuliço na equipe econômica e no Congresso.

Pelo mesmo motivo: temor de que arrefeça o ânimo dos deputados e senadores para votar a reforma da Previdência, diante da perspectiva de uma entrada de dinheiro maciça nos cofres do governo. Provavelmente isso não vai acontecer.

São muitos os entraves para que a ideia mirabolante de criar uma taxa para permitir a atualização do valor dos imóveis na declaração do Imposto de Renda se concretize. Mas a proposta, que aparentemente é uma oportunidade para o governo conseguir uma arrecadação extra de impostos, não resolve os problemas estruturais da economia brasileira, como bem lembrou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ecoando com mais liberdade o sentimento da equipe econômica.

A começar pelo ministro Paulo Guedes, que não foi informado dessa proposta, nem sabe quem a levou diretamente a Bolsonaro. Que, por sua vez, não consultou o seu Posto Ipiranga. Pela satisfação com que o presidente revelou parte de seu segredo aos parlamentares da bancada nordestina, estava convencido de que havia descoberto o pulo do gato.

Os proprietários pagariam menos imposto sobre a valorização de seus imóveis na hora da venda, e o governo ganharia uma arrecadação extra. Um jogo de ganha-ganha que ninguém acredita que exista. “Uma receita extraordinária não vai resolver o problema do déficit estrutural da Previdência, que é crescente”, definiu Rodrigo Maia.

Que voltou a defender a necessidade da reforma. “A gente precisa entender que arrecadação que acontece apenas uma vez não é alternativa à reforma da Previdência.”

O vice-presidente da comissão especial da reforma da Previdência, deputado Silvio Costa Filho, quer convidar o secretário da Receita, Marcos Cintra, para explicar, na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, “a possível criação de um novo tributo”. E já adiantou sua posição, contra o que chamou de aumento de imposto, “o pior remédio para combater a crise econômica e o déficit público”.

Ele cobrou do presidente que deixe de gastar suas energias políticas em “fórmulas mágicas” e se concentre na aprovação das reformas da Previdência e tributária, além do novo pacto federativo.

Hoje o custo do imóvel já é atualizado na venda por uma tabela que reduz o lucro a ser tributado. Além disso, o Imposto de Renda estabeleceu uma tabela com aumentos escalonados, começando pela taxação de 15% do lucro pelas vendas de imóveis de até R$ 5 milhões.

A taxação vai subindo à medida que o preço aumenta. Os lucros que excedam os R$ 5 milhões, até R$ 10 milhões, pagam 17,5%. O lucro entre R$ 10 e 30 milhões é taxado em 20%, e acima de R$ 30 milhões a taxação chega a 22,5%. Várias dúvidas são levantadas pelos proprietários:

Além de não prever restituição do valor caso o imóvel se desvalorize, boa parte da valorização desses ativos no Brasil é mero ajuste inflacionário. Se a taxa não for atraente, é melhor levar o tributo para a hora da venda, se não o proprietário do imóvel estará antecipando o imposto que só irá pagar no futuro. Será preciso fazer uma conta para ver o que vale mais a pena.

Uma situação curiosa seria a do próprio governo federal, que tem milhares de imóveis avaliados pelo ministro Paulo Guedes em R$ 1 trilhão. A venda será feita aos poucos, para não desvalorizar o preço de mercado devido à enxurrada de ofertas. O governo vai ter que fazer suas contas também, pois terá que atualizar o valor venal deles antes de vender.

Na maioria dos casos, quem vende um imóvel recebe o dinheiro para pagar o imposto de lucro imobiliário. Se atualizarem o valor sem vender o imóvel, muitos proprietários não vão ter de onde tirar o dinheiro para pagar o imposto.

O mais provável é que a reavaliação seja feita apenas na hora de vender, o que torna a arrecadação extra mais imprevisível ainda. Se o governo estabelecer um prazo para essa atualização, pode ser que a arrecadação imediata aumente. Mas será quase que um imposto compulsório.

Como disse H. L. Mencken, jornalista e crítico americano do século passado, famoso por suas frases ácidas, “para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”.

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