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Sinal trocado

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Merval Pereira

A patacoada que aconteceu ontem na invasão da embaixada da Venezuela em Brasília é ação típica de quem usa a política externa para fazer política interna. Já vivemos essa situação, de sinal trocado. A chancelaria brasileira deu explicações extraoficiais, não atribuíveis ao informante, que mostram como o governo brasileiro no mínimo foi complacente com a ação de militantes antichavistas que tomaram conta da sede da embaixada por algumas horas.
A embaixadora nomeada pelo governo de Juan Guaidó, que o Brasil reconhece como o verdadeiro presidente da Venezuela, Maria Teresa Belandria, é a única representante do governo venezuelano aceita pelo Estado brasileiro. O fato de ela ter assumido o controle da sede da embaixada em Brasília era visto pela chancelaria como normal, condizente com a situação atual das relações diplomáticas entre os dois países.

O deputado Eduardo Bolsonaro explicitou essa situação em seu twitter: “Embaixada da Venezuela mudou porque funcionários reconheceram Guaidó como presidente legítimo. Invasão é o que ocorre agora com os brasileiros esquerdistas querendo se intrometer na questão.”

Alguém deve ter avisado ao presidente Bolsonaro que a situação não era tão simples assim, e ele, também pelo Twitter, desmentiu o filho e recuou do apoio tácito que o governo brasileiro vinha dando aos antichavistas: “Estamos tomando as medidas necessárias para resguardar a ordem pública e evitar atos de violência, em conformidade com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.”

Resultado, a embaixadora de Guaidó, deixada sem apoio oficial, retirou-se com seu grupo pelas portas dos fundos da embaixada, e os chavistas a reocuparam, com o apoio de manifestantes petistas e do MST, que dizem estar fazendo a segurança do local.

No caso de Honduras, em 2009, chegou a ser escandalosa a intromissão do governo brasileiro nos assuntos internos daquele país, a ponto de ter tentado, com a cumplicidade de Hugo Chávez, criar um fato consumado com o retorno do presidente deposto Manuel Zelaya, abrigando-o na embaixada brasileira.

De acordo com a Constituição de Honduras, o mandato presidencial tem o prazo máximo de quatro anos, vedada expressamente a reeleição.

Aquele que violar essa cláusula, ou propuser-lhe a reforma, perderá o cargo imediatamente, tornando-se inabilitado por dez anos para o exercício de toda função pública.

Embora essa determinação esteja explícita na Constituição de Honduras, e aqui no Brasil não, a impossibilidade legal de alterar cláusulas pétreas está em discussão hoje, com o debate sobre a possibilidade de prisão após condenação em órgão colegiado.

O então presidente Manuel Zelaya quis mudar a Constituição através da convocação de um plebiscito, como se tornou comum na região com resultados previsíveis, como a protoditadura de Chávez e agora Maduro, e a tentativa de Evo Morales de se eleger contra a lei pela quarta vez seguida.

Assim como hoje se discute se foi golpe ou não a deposição de Evo Morales na Bolívia, também houve muita polêmica na época sobre a deposição de Zelaya. Como hoje na Bolívia, também os militares em Honduras naquela ocasião foram fundamentais para a saída de Zelaya, que foi levado para o exílio de pijamas.

Tanto Morales quanto Zelaya afrontaram as leis nacionais, na tentativa de um golpe. A participação dos militares, no entanto, dá margem a outras interpretações.

Manuel Zelaya, deposto, bolou um plano, apoiado por Hugo Chávez, para tentar voltar ao poder.

Usou para isso a embaixada brasileira, onde passou a fazer reuniões políticas e a dar entrevistas para o mundo, contra o novo governo. A versão oficial de que as autoridades brasileiras nada sabiam sobre sua estratégia de regressar ao país e abrigar-se na embaixada brasileira em Tegucigalpa foi desmentida pelo próprio Manuel Zelaya, e pelo protoditador venezuelano Hugo Chávez.

Admitiram publicamente que tudo estava combinado com o governo petista. O presidente deposto disse a uma rádio que a escolha da representação diplomática brasileira foi uma “decisão pessoal”, depois de consultas feitas ao presidente Lula e ao chanceler Celso Amorim.

Já Chávez revelou, rindo, como “enganou” todo mundo, monitorando a viagem de Zelaya através de um telefone via satélite, e que quando todos esperavam que o presidente deposto estaria em Nova York, para protestar na reunião da ONU, ele “se materializou” na embaixada brasileira.

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