Andreia Clara Galvão
Psicóloga
Esses dias caminhando numas trilhas entre dunas e lagoas, mar e mato, escutei umas histórias que falam de mistérios, seres incomuns, visíveis apenas para alguns em algumas específicas situações. Pelas matas dali, restinga adentro, além de bichos e plantas, habitam também algumas mulheres misteriosas e ancestrais. Contaram-me alguns que as conhecem bem.
Por acaso, em alguma trilha ou vereda, você já encontrou uma mulher muito magra, de cabelos e mãos muito longos andando a esmo? Ou correndo velozmente como quem não quer ser vista? Ela vive entre as árvores, e geralmente a gente não nota a presença dela. É silenciosa. Às vezes, canta. Costuma aparecer de súbito, causando sustos e pedindo cigarros. Se você tem os cigarros, ela será sua amiga, conversará bonito, ficará de boas. Mas se não tiver, cuidado! Ela corre atrás e bate em você com seus longos cabelos lisos e grossos. Sabe o nome dela, leitor? Caipora. Se você for andar mato a dentro, aconselho-o a levar um cigarrinho para o caso dela lhe visitar. Melhor evitar imprevistos difíceis…
Num poço de pedras, dentro do olheiro mora uma outra mulher misteriosa. Entre arvores altas, pacaviras, cipós e capins rosados e dourados, surgem frescas as nascentes de águas. Essas pequenas fontes, que quando juntas nem são tão pequenas assim, são os olheiros, os olhos d’água… É de lá que brotam as mais límpidas de todas as águas. E onde dormem os começos de tudo.
Pois bem nesse lugar-princípio, mora a Mãe d’Água, a mãe de todas as águas existentes. De cabelos tão infinitamente longos que terminam nos fios de água que correm fluidos pelos rios e mares mundo afora. O que se sabe é que a Mãe D’água é mansa, delicada e muito acolhedora. Mas também, que pode ficar irascível e furiosa, caso não cuidem de suas inúmeras moradas nas águas translúcidas, salgadas ou doces que molham os quatro cantos da terra. A Mãe d’Água também se chama Iara.
As terras por perto dela, são movediças e não se deve ultrapassa-las. Nunca. Se alguém o fizer, provavelmente de lá não volta jamais. Nos olheiros não se toma banho. Suas águas são tão limpas que não de deve colocar sequer o pé. Só se pode estender o braço e, com alguma vasilha, retirar a água para o banho ou para beber. Da Mãe D’água, essa mãe mítica, é permitido e suficiente conhecer seus dons. Nunca chega perto dela. Nenhum vivo pode dizer que já viu seu rosto. Dela cabe receber suas ofertas: a água fresca e boa de beber, o rios correntes, as lagoas, o mar enorme e suas águas azuis. Usufruir e zelar por isso. Para que outros e outros possam saciar sua sede e abastecer, nas fontes sempre frescas, suas reservas de viver.
E para terminar, mais um mistério das matas e do feminino que por lá habitam: nos coqueiros de lá aparecem uns cocos sem a brancas e doces carnes de todos os cocôs. A explicação? “Côco comido de lua”. Côco comido pela lua. Não me pergunte como pode. Só lhe conto o que me disseram. Lá, onde mora São Jorge destemido lutando com o furioso dragão, também habita um feminino em forma de luz que cintila e escorre fluida no brilho da lua que a alumia as noites com seus silêncios e sons. E que, misteriosamente…come côcos. Digo por que vi e bebi a água doce de côco comido de lua. Dizem também que, em alguns, nem água a lua deixa. Come e bebe tudo dentro. Sem deixar rastros.