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Sociedade musical

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Tádzio França
Repórter

A trilha sonora para um futuro melhor pode ser tocada por seus próprios autores. Educar desde cedo através da música é um recurso ainda pouco utilizado por instituições públicas e privadas no Brasil, mesmo que  desde 2008 exista uma lei que institui o ensino musical nas escolas. Pequenas iniciativas, restritas a bairros de áreas humildes, seguem levantando esse projeto em Natal. A Ilha da Música, na Redinha, e a Escola de Música Severino Cordeiro, nas Quintas, são exemplos de como a música pode soar bem em um papel social importante.

As manhãs de segunda à sexta na sede do projeto Ilha da Música, na Comunidade da África, Redinha, são embaladas por sopros, cordas e percussões que se misturam no ar, se atravessam, e se harmonizam dentro de uma proposta pedagógica e esperançosa. O projeto nasceu há 11 anos, por iniciativa do trombonista Gilberto Cabral e a esposa Inês Latorraca. Moradores de Santa Rita, criaram uma escola de música para atrair crianças e adolescentes da área, geralmente estigmatizadas por um cotidiano de crime e violência.
Alunos, coordenadores e professores do projeto Ilha da Música vivenciam uma rotina diferente do estigma de violência no bairro
Alunos, coordenadores e professores do projeto Ilha da Música vivenciam uma rotina diferente do estigma de violência no bairro

A Ilha da Música recebe crianças de 7 a 16 anos de idade – o limite é 18. A adesão é totalmente espontânea. “A gente deixa claro que eles não têm a obrigação de estar aqui, mas estando, devem respeitar as regras de disciplina e convivência. Não queremos nos impôr como uma escola convencional, porque isso também pode afugentá-los”, explica o administrador Tarso Latorraca, provando que um pouco de psicologia infantil também se faz necessária. Atualmente há 50 crianças matriculadas.

O aluno também é livre para escolher o curso que desejar. Quem chegar, é acolhido. É possível escolher entre musicalização, contrabaixo, violão, guitarra, bateria, percussão, clarinete, trompete, flauta doce, trombone, e sax. Futuramente, serão acrescidos piano e violino. A música popular é o foco dos cursos. Eles duram um ano, e a criança pode se matricular em mais de um instrumento.

Segundo o professor de baixo e violão Erick Firmino, o objetivo do projeto é capacitar as crianças, mesmo que elas não queiram seguir nessa carreira. “A experiência serve para a vida. Muitas dessas crianças aprendem a ter disciplina, amplia sua visão de mundo, e a faz enxergar um futuro para ela mesma”, diz. Uma vez por semana há consulta com uma psicóloga, pois problemas externos são comuns e o projeto também se sente responsável por avaliá-los da melhor forma.

O contato com a comunidade hoje em dia é tranquilo, mas no começo foi difícil. O café da manhã oferecido pelo projeto foi o atrativo inicial para muitos dos alunos. “É uma comunidade humilde, muitas crianças não tinham essa refeição em casa”, afirma Tarso. Hoje em dia há uma comunicação mais aberta com a região, já que algumas pessoas da própria comunidade estão fazendo parte da equipe. Três monitores/professores da Ilha são da área.

Tarso Latorraca afirma que são  recorrentes situações difíceis como conflitos em casa, e mesmo envolvimento com atos ilícitos. A Ilha da Música não se isola dos problemas que a cerca na área. “Quando o aluno está pra baixo ou muito agressivo, a gente vai conversar com os pais. E se for o caso, também vamos à escola dele para saber se está havendo algo. Há pessoas da própria comunidade que nos informam de algum problema, temos esse feedback para poder agir. Esse diálogo com todos é muito importante”, explica.

O trabalho é longo, exige conversa, e imposição de limites. “A gente cobre respeito e disciplina. Se faltar três vezes, a vaga pode ficar aberta para outra pessoa. Mesmo assim, analisamos as causas. A gente estimula que elas vejam nossas aulas também como diversão, afinal, são crianças”, diz Erick Firmino. As aulas da Ilha capacitam os alunos a  fazer um curso técnico ou mesmo licenciatura em música. Já tem aluno pensando em mestrado, segundo Tarso Latorraca.
Rotina aplicada para jovens que escolheram a música
Rotina aplicada para jovens que escolheram a música

O projeto cresceu muito desde o seu começo. Em 2009 houve reconhecimento por parte do poder público. Em 2010, ganhou um Prêmio Hangar, e em 2012 participou de uma mostra no Rio de Janeiro. No ano de 2013 o projeto passou por um momento difícil, e quase fechou. Mas houve uma guinada, e com apoio da Lei Câmara Cascudo, alguns cursos passaram a ter financiamento da Cosern. Instrumentos também foram doados.

Erinaldo Edson tinha 15 anos quando, numa pelada com amigos, ouviu falar da Ilha da Música. Resolveu conferir e hoje, dez anos depois, é músico formado, cheio de planos, e também um dos professores do mesmo lugar que o acolheu quando era adolescente.

Erinaldo Edson tinha 15 anos quando, numa pelada com amigos, ouviu falar da Ilha da Música. Resolveu conferir e hoje, dez anos depois, é músico formado, cheio de planos, e também um dos professores do mesmo lugar que o acolheu quando era adolescente. “Eu já tocava zabumba num trio de forró, mas tive que escolher um instrumento harmônico na Ilha, e foi o violão. Fiz o curso técnico de violão na UFRN e estou agora de licenciatura na EMUFRN. Na Ilha aprendi a ver a música como profissão”, diz. Ele gosta de jazz e bossa nova, já tocou em projetos como Som da Mata, e quer ser professor, produtor e arranjador. Antes da Ilha, pensava em ser engenheiro civil. As possibilidades ainda estão abertas.

Escola de som

A Escola Municipal Ferreira Itajubá, uma das mais antigas do município, nas Quintas, incorporou em 2002 o som do projeto Escola de Música Severino Cordeiro (EMUSCO), iniciativa voltada para seus estudantes e pessoas da comunidade. A escola dispõe de seis salas de aulas adequadas às suas ações, com capacidade de atender em média 350 alunos. O projeto oferece atividades de iniciação musical e formação de grupos musicais, com público a partir dos oito anos de idade. Os alunos do Ferreira Itajubá são prioridade, mas as vagas de sobra ficam disponíveis para estudantes de outras escolas e adjacências.

O ensino na EMUSCO é voltada para a formação básica, visando a entrada no mercado de trabalho musical ou uma graduação na UFRN. Através do projeto se pode tocar instrumentos como piano, violino, violão, flauta, clarinete, trompete, trombone, sax, contrabaixo, guitarra, bateria, percussão, e também aulas de canto. A Escola também oferece, além das aulas de iniciação musical, formação de grupos, e preparo para o curso técnico da EMUFRN.

Os alunos da EMUSCO não ficam só nas salas de aula. O projeto conta com um grupo filarmônico, a Banda de Música Severino Cordeiro (com 40 músicos), e uma banda marcial, de percussão, formada pelos alunos do Ferreira Itajubá. A filarmônica se apresenta duas vezes por mês, em concertos didáticos em outras escolas municipais. Espalhando a música e a mensagem. 

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