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Sonho

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Dácio Galvão
Todos nós sabemos da importância que teve o som da guitarra, a Gibson, modelo Birdland, de Toninho Horta para a sonoridade de sucesso alcançada pelo trabalho de composição musical do nosso monumento negro Milton Nascimento. Pois é. Depois de anos nesse trajeto criou carreira solo com direito ao reconhecimento internacional explorando na diversidade o campo fértil do free jazz. Fez ponta com George Benson, Keith Jarret, Gil Evans, Waine Shorter, Herbie Hancock,Pat Metheny,  Toots Thielmanns…

Dizem os estudiosos que no aprofundamento de suas pesquisas na busca do aperfeiçoamento personificado desceu em mares ainda mais profundos do que já fizera João Gilberto, na dissonância, ou no descer da inflexão vocálica. Assim como João, também fora morar nos Estados Unidos da América retornando para o Brasil na sequência.

O encontrei num show improvisado em Itabira terra de Carlos Drummond de Andrade. Explico: um produtor local sabendo da presença do artista na cidade pediu para que fizesse uma apresentação sem cachê aberto para ao público. Ele topou e fez. Foi na frente do principal templo católico, a Catedral de Nossa Senhora dos Rosário. Um palco simples e o gradil delimitando o espaço. A mídia local por conta de um canal de televisão comunitário. Estando ao lado, inusitadamente um radialista me perguntou o que estava achando daquilo tudo. Obviamente falei da surpresa estonteante daquele artista que figurou na maior revista americana especializada em jazz, Melody Maker, no rol dos dez maiores guitarristas de jazz do mundo por dois anos consecutivos (77 e 78). Brindar-nos assim, conterrâneos ou não, daquela maneira era incrível ato de solidariedade, generosidade…  A surpresa ficou por conta de autos falantes espalhados no espaço público, tal qual quermesse, reproduzindo nossa fala, ao vivo!

No palco a fera com ar físico de super-herói empunhando a “terra dos pássaros” denominação da sua extensão de Vida, a inseparável guitarra Gibson. Pouca conversa e muito som. Começou a performance com as músicas Viver de Amor, Terra dos Pássaros, Durango Kid, uma impressionante releitura instrumental de Asa Branca… A cidade feliz e toda mobilizada ali naquele literal improviso. De produção e de sons. Emanando energia para a plateia que ora assistia quieta hora dançava e vibrava com os solos e balanços de acordes progressivos. Foi um passeio por um repertório sabidamente não popularizado. As pessoas entraram numa vibe que parecia uma curtição de sucessos. Cá pra nós as composições do mineiro nunca serão as mais tocadas. Toninho Horta, sereno, ia destilando seu canto inflexivo em músicas antológicas: Aqui, Oh! ou Beijo Partido… Momentos de escuta coletiva. Passava na minha cabeça a trajetória do protagonista com Flora Purim, Astrud Gilberto, Joyce… Figuraça. Depois do concerto-improviso o encontrei no adro da igreja e como fã incondicional pousaria ao seu lado para as fotografias de praxe imediatamente arquivadas nas nuvens. Trocamos figurinhas relembrando tempo a inaugural apresentação que fizera no Auditório da FIERN quando da instalação do projeto Nação Potiguar Instrumental fruto de parceria do SESI, Fundação Helio Galvão e o Escritório Candinha Bezerra. Sempre reservado e solícito o cantor-instrumentista estava ali sem soberba, alegre e contrito fora de qualquer expectativa promocional. O reconhecimento qualitativo já tem de sobra. Um sábio, um anônimo gênio brasileiro.

Todo esse fluxo onírico lava o corpo e a alma. Não precisa ser real para tal. Alguém já sugeriu a inversão da vida como ela é por uma vivência de sonhos. Uma vivência do irreal. A vida não é ficção? E vice-versa? Fato é que quando acordei tudo continuou sendo verdadeiro. Mescla do vivido com o desejado. Que venham mais e mais sonhos. Apesar de tudo, muito leve!

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