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Sonoro

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Dácio Galvão
[Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e secretário de Cultura de Natal ]
Trabalhar certo legado memorial é reviver e gerar dada atualização em novo contexto. No ano de 2005 enfeixamos poemas de Câmara Cascudo e convocamos vozes que articulam a poética da música popular brasileira para redimensioná-los. A palavra quando escrita, ou falada ou cantada tem frequência diferenciada. Se sabe. No plano fonético, fonológico ou semântico. Cada nível de codificação poderá projetar sentidos diversos. Quando gráfico ou de projeção de imagens acústicas com os signos linguísticos variadamente vocalizados.

Pois sim. Esses tais poemas foram reunidos em livro por Cascudo. Ele chegou a definir um primeiro título -Brouhaha- sobrecarregando-o de certo estranhamento (conceito utilizado pelo formalista russo Viktor Chklovski no ensaio “A Arte como processo”) e depois uma segunda titulação não menos estranha, qual seja, “Caveira no campo de trigo”. Remessa possível a configuração de espantalhos afugentadores de pássaros predadores em plantações campestres.

O livro sumiu misteriosamente e nunca foi publicado. Mas Manuel Bandeira quando em visita ao mestre o paginou e deu notícias sobre. Mobilizamos um burburinho de vocalizações: Augusto de Campos, Walter Franco, Arrigo Barnabé, Ná Ozzetti, Vânia Bastos, Zé Celso, José Mindlin, Jussara Silveira, Suzana Salles, Fagner, Alceu Valença, Diogo Franco, Xangai, Roberto Corrêa, Dominguinhos, Gereba Barreto, Virgínia Rosa, Paulinho Boca de Cantor. Feras entre feras, num chamamento do Projeto Nação Potiguar.

Planejado por CC na década de 1920, e não editado os textos poéticos  terminaram ganhando ressignificações num livro-sonoro. São composições e arranjos de Hélio Delmiro, Cid campos, André Mehmari, Heraldo do Monte, Joca Costa, Júlio Medaglia… Uma produção artística em disco compacto digital trazendo programação visual de Afonso Martins. Inclui a tradução de um poema de Walt Whitman (I Hear America Singing) e uma pérola (O boi da mão de pau) do romanceiro Fabião das Queimadas. Da ruptura vanguardista norte-americana a oralidade agreste potiguar. Extremos cascudianos.   

Intencionado na publicação do Brouhaha como externara em carta endereçada ao amigo pernambucano Joaquim Inojosa (13/08/1925) CC se inseriu e reverberou seus meta-textos em alguns dos principais periódicos de cultura do país. Entre eles a Revista de Antropofagia e Terra Roxa e Outras Terras… Ambas paulistanas. Também na portuguesa “Revista do Descobrimento”. Remeteu e dedicou poemas a vários companheiros de viagem literária como Ribeiro Couto e Carlos Drummond de Andrade.

A dualidade localista/cosmopolista permeando o brasileirismo nativista e  formas transgressivas debatiam no interior textual inconformidades na busca da autonomia de expressão identitária e de exportação. A poemática visual fundante de “Não gosto de Sertão Verde” é o verbi-voco-visual inconteste da consciência moderna. Na maturidade, Drummond assim se acentuou: “O poeta Câmara Cascudo permaneceria inédito, sufocado pelo folclorista e historiador… No texto-prosa “Cidade do Natal do Rio Grande” publicado em página cheia na Revista de Antropofagia, 1929, CC fragmenta: “Tem um rio e tem o mar. Cinema. Autos. Sal de Macau.  Algodão do Seridó. Cera de carnaúba.  Couros. Açúcar de quatro vales largos e verdes. O pneu amassa o chão vermelho dos comboios lerdos, langues, lindos. Poetas.” 

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