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“Sou um agraciado de Deus”

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Luana Ferreira –  Repórter

Não fosse a formalidade da Igreja Católica, o termo ´emérito´ (aposentado) não acompanharia o nome do arcebispo Dom Heitor de Araújo Sales tão cedo. Aos 84 anos, D. Heitor está cheio de saúde física e mental, enfrenta uma rotina carregada de trabalho e não desgruda do iPhone, onde pratica uma de suas paixões: navegar na internet. Dom Heitor,  que comemora 60 anos de sacerdócio hoje, recebeu a Tribuna do Norte em sua sala na Catedral de Natal para fazer um balanço de sua vida. Ele falou de fé, política, a perda de fiéis para a igreja evangélica e acusou a mídia de perseguir a Igreja. “Nosso trabalho era muito mais tranquilo”.

Memória

1926 – Nasce em São José de Mipibu

1950 – Ordena-se padre em Natal, após estudar no seminário São Pedro, em Natal, e Prainha, em Fortaleza.

1956 – Vai a Roma, onde estuda por quatro anos  Direito Canônico

1978 – Torna-se bispo de Caicó

1993 – É nomeado arcebispo de Natal

2003
– Renuncia ao completar 75 anos obedecendo o código de direito
canônico. A renúncia só é aceita  pelo papa dois anos depois.

Evento

Os
60 anos de sacerdócio de D. Heitor será comemorado na paróquia de Santa
Terezinha a partir de 19h. No mesmo evento, será homenageado o  irmão
dele, cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales, que mora no Rio de Janeiro e
está com 90 anos. Dom Eugênio dará nome ao Centro Pastoral da paróquia. A
igreja Matriz de Santa Teresinha fica na Avenida Rodrigues Alves, 793,
em Tirol. O evento é aberto a todos os fiéis.

Tribuna do Norte – O que significa para o senhor  fazer 60 anos de sacerdócio?

Eu acho que significa uma grande graça de Deus, porque eu nunca pensei em chegar até aqui, mesmo porque eu nunca tive muita saúde (D. Heitor contraiu esquistossomose em 1946, quando a medicação produzia efeitos colaterais na mesma proporção que benefícios. Chegou aos 49 quilos e precisou viajar para a Suíça para se tratar. Ele também passou muitos anos com um incômodo chiado em um dos ouvidos causado por uma surdez súbita). Fui empurrando a vida com a barriga, e agora estou aqui, muito bem.

Valeu a pena? Pode destacar alguns bons momentos?

Sou um agraciado de Deus: às vezes eu tenho vergonha de Deus ter feito tanta coisa boa pra mim. Em 1956 eu passei quatro anos em Roma, e eu fiz amizade com gente do mundo todo, uma coisa fantástica. Depois disso, praticamente a cada ano eu estive na Europa. Ao longo desses anos, quantas milhares de pessoas me agradeceram no confessionário, na igreja. Deus se serviu de mim para fazer o bem a tanta gente, isso é maravilhoso.

Alguma vez o senhor se questionou sobre a sua vocação?

Nunca.

Quais eram os desafios de um padre na metade do século passado e quais são os de agora, no início do século XXI?

Quando me ordenei, em 1950, Natal tinha acabado de sair da Guerra, era um momento de muitas tensões e grandes movimentações. Houve um grande crescimento da cidade na época em que eu fui para a paróquia de Santa Terezinha.  Nosso trabalho era um pouco de atender as pessoas que iam à igreja, um trabalho de ajuda aos pobres, de fazer visita, era um trabalho mais tranquilo.

E hoje?

Hoje uma das coisas que trazem dificuldade é um termo que o papa usou que é a “ditadura do relativismo”. Hoje não existe verdade: tudo é relativo. Você acredita numa coisa aqui, mas pode mudar. É uma mentalidade que se criou e que leva a um desgaste do ser humano. Isso dificulta a construção do bem, da verdade, de uma nova humanidade.

Qual é a sua rotina?

Acordo às 5h30, rezo e celebro a missa às 7h em Emaús, onde eu moro. Uma vez por semana a missa é para irmãs idosas e doentes. Eu chego e vejo uma cutucando para acordar a outra, que está dormindo. Eu acho uma maravilha aquela simplicidade. Depois, tem os grupos que eu dou assistência. Quando eu fiquei emérito, eu pensava: “vai ser muito bom ter mais tempo, descansar”. Mas foi uma grande decepção (risos). Todo mundo acha que eu tenho tempo, então haja a me dar tarefas.

Pratica esportes?

Faço caminhada todos os dias. Tenho um acompanhamento médico, acho que é por isso que eu estou vivo (risos).  E eu tenho uma grande mania que é a internet. Quando nem se falava em internet, mas em computador, eu lembro que estava em Roma procurando o que era computador.

Conhece o twitter?

Conheço orkut, twitter, mas procuro ser muito independente. Uso o google e procuro sites onde posso ter informações, como o Vaticano, da Globo e até da Tribuna do Norte (risos).

(D. Heitor saca o iPhone da bolsa)

Isso não é um celular, é um computador que também fala (risos). Aqui tenho até a Bíblia todinha.

O senhor tem blog? Pretende escrever suas memórias?

Não gosto muito de escrever, gosto mais de falar. Uma coisa que eu penso em fazer é publicar um livro de fotografias não de 60, mas de 70 anos. Fotografias que guardo desde mais ou menos  10 anos de idade. Tudo está organizado, arquivado. Houve um tempo em que eu pensei: ´vou fazer uma viagem de volta ao mundo´. Foram 42 dias, eu vi muita coisa interessante. Essa viagem está toda documentada, eu anotava coisas sobre a história e a geografia daquele lugar.

O senhor atribui a perda dos fiéis que a igreja católica vem sofrendo a essa ditadura do relativismo de que o papa falou?

A perda dos fiéis da igreja católica é um modo de olhar o problema. Eu posso olhar de outro lado: em 1958, na primeira vez que o Brasil ganhou a Copa do Mundo, eram 70 milhões de brasileiros. Hoje são 193 milhões. Naquele tempo, eram 92% de católicos, então eram cerca de 60 milhões. Hoje, são por volta de 75% de católicos, ou 124 milhões. Então, como é que se diminuiu de 60 milhões para 124 milhões? Houve diminuição de percentual, mas o número absoluto duplicou.

Mas é inegável que a igreja evangélica, por exemplo, vem conquistando católicos…

Depende de como a pessoa encara isso. Desses 60 milhões de católicos, havia um problema muito sério que era a falta de conhecimento da doutrina católica. Não havia possibilidade de dar um aprofundamento. Os católicos têm pouco conhecimento da sua fé. E os evangélicos têm um sistema mais efetivo. Porque há uma desproporção entre o número de católicos e de padres, diáconos etc. Entre os evangélicos, isso é muito menor. E com o acréscimo de que, com uma facilidade muito grande, aparecem novas igrejas evangélicas.

Então uma solução seria mais padres e mais igrejas?

É importante ter mais padres, mas hoje há muitos leigos que são verdadeiros apóstolos. Há muitos grupos que fazem hoje o papel que os padres deveriam fazer, e o fazem até melhor sob alguns aspectos, porque são pessoas talvez mais engajadas. Eles têm um trabalho que estava faltando, que é o do contato com as pessoas. E todos eles têm a preocupação de levar o conhecimento mais aprofundado da fé católica. Um grande pregador que passou por aqui disse que nós assistiríamos a uma  explosão do laicato. E isso é muito bom.

E o que mais a Igreja precisa fazer?

Parece uma coisa contraditória, mas hoje existe muita perseguição contra a Igreja Católica. Por exemplo, toda essa onda de pedofilia da Igreja…

O senhor acha que a repercussão foi exagerada?

Sim. É forjada pela grande mídia. Não estou dizendo que os casos não eram verídicos, mas a mídia usou isso para destruir a igreja.

Por quê?

A Igreja é um espinho na garganta de muita gente. Por exemplo, a Igreja fala, porque está lá na Bíblia, sobre o homossexualismo. Então todos os homossexuais são contra a Igreja. E querem destruir a Igreja. Então, toda a doutrina para a retidão na vida, o casamento…

Mas isso não seria o reflexo de que a Igreja tem dito coisas que estão um pouco fora do tempo?

O problema não está aí, porque a Igreja não é uma instituição que tem um direcionamento populista, ela existe para seguir Jesus Cristo. A verdade é para sempre. Em relação à pedofilia, a Igreja tem 406 ou 409 mil padres, e todos os padres pedófilos talvez cheguem aos 3 ou 4 mil. Você vai dizer: “Que coisa horrível”. Só que 3 ou 4 mil num universo de 400 mil é 1%. Qual é a instituição que pode dizer que tem 99% de seus membros dignos?

A proibição  da camisinha em tempos de Aids, retomada recentemente pelo papa Bento XVI, não é uma ´verdade´ que deve ser revista?

O Papa foi mal interpretado, mas desde Jesus Cristo foi assim, inventaram calúnias contra ele. Em vários países pessoas são perseguidas porque são católicas. O que o Papa falou foi sobre a retidão na sexualidade. A camisinha distorce toda essa visão grandiosa do plano de Deus apenas para satisfazer um prazer momentâneo. 

Em se tratando do Brasil, falar em perseguição contra os católicos não soa exagerado?

 Não. O presidente do Tribunal de Justiça mandou retirar o crucifixo das instituições, por exemplo.

O que o senhor achou da recomendação do Papa Bento XVI  em não votar em pessoas que eram a favor do aborto?

Olha, misturar fé com política certamente não é uma coisa boa. Mas reafirmar a verdade da fé, mesmo que essa verdade esteja sendo vestida pela política… Naquela época a campanha estava lembrando isso.

Então o papa estava correto ao tocar no assunto naquele momento?

Estava certo demais. E sabe por que isso (o debate sobre a liberação do aborto) acontece? Porque os países em desenvolvimento crescem muito mais rápido que os países desenvolvidos. Então tem que se fazer um jeito que esses países não cresçam populacionalmente. Se não for com pílula ou camisinha, então mata.

Nunca a Igreja participou tanto de uma eleição como a desse ano…

Houve um certo exagero, mas esse exagero não deve servir de motivo para que não se pregue a verdade. Entre o uso e o abuso há uma distância muito grande.

Quais são os desafios do próximo governo?

O que todo mundo deseja são essas três coisas: Saúde, Segurança e Educação. Sem elas, não sei se o progresso econômico vale muita coisa.

E em relação à Arquidiocese de Natal?

A Arquidiocese  de Natal é a maior em área territorial, e em termos de população é a segunda maior (a primeira é Recife) da sua regional. Isso tem que se ampliar, pelo menos para mais uma arquidiocese. Há uma dificuldade inicial porque cada cidade quer ser a sede (risos).  A outra questão é esse aprofundamento na fé.

O senhor vê alguma particularidade no RN?

Sim, o povo. O povo daqui é muito bom. É uma simplicidade, uma alegria, na solidariedade.

A ditadura da relatividade não nos atingiu?

Alguns, mas aos autênticos não (risos).

O senhor pretende parar de trabalhar?

Só quando Deus me levar.

O senhor pode deixar algumas frases aos leitores da Tribuna?

A felicidade está em a gente seguir o amor que é Jesus.

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