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Surreal

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Dácio Galvão

Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e secretário de Cultura de Natal

Nascido em Pedro Velho, Chico Antônio é figura nacional desde os anos de 1920. Infelizmente ainda pouco conhecido no Rio Grande do Norte. Personagem do romance Café e o principal foco dos estudos etnográficos constantes do livro, Os Cocos. Ambos do modernista Mário de Andrade.
 
Figuraças de importância na cultura brasileira se relacionam com a trajetória quase anônima do artista popular potiguar. Por convivência ou pesquisa. A lista é extensa e o patamar de inserção é qualitativo. O crítico de arte amigo-irmão de Candido Portinari, Antônio Bento de Araújo Lima o conheceu e articulou o contato pessoal entre Mário/Chico no Engenho Bom jardim no município de Goianinha.
Professor, coordenador do curso de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas, e diretor  premiado cinematográfico, Eduardo Escorel, que trabalhou na montagem do “Villa-Lobos, Uma Vida de Paixão” realizou o documentário sobre o coqueiro de Pedro Velho cujo título nos remete inversamente ao  Macunaíma heróico: Chico Antônio, o Herói Com Caráter. 
O designer Aloísio Magalhães fundador do simbólico Gráfico Amador, junto a Ariano Suassuna e João Cabral de Melo Neto, quando então presidente da Fundação Nacional de Arte-Funarte, produziu e realizou o único Long Play gravado por Chico. 
Multi-instrumentista, poeta-compositor-brincante Antonio Carlos Nóbrega, nominou um dos seus trabalhos sonoros – Na pancada do Ganzá -. É justamente o mesmo título que M. Andrade pretendia dar aos estudos dedicados ao embolador de cocos. Ele faz várias referências nominais a CA em suas identitárias composições. 
O embolador da localidade de Cuité, se redimensiona em relevância quando se sabe que ele nasce e se consolida a partir das pesquisas modernistas dos anos de 1920. Enquanto Oswald de Andrade saía numa frente vanguardista na Europa recebendo influxos do escritor e psiquiatra francês – militante trotskista – André Breton, um dos criadores do movimento Surrealista, Mário de Andrade autor do famoso “Prefácio Interessantíssimo” sentenciava toques do seu processo criativo: “Quando sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar tudo que meu inconsciente me grita”. Era leitor do psicanalista Sigmund Freud, e tinha seus pontos de contatos criativos surrealistas. Fazendo caminho interno como turista aprendiz viajou o interior do Brasil. Nas buscas etnográficas revelou definitivamente o coquista Chico Antônio afirmando seu talento: “conhecia o coco mas não o sabia de cor. E o cantava por isso com grandes falhas de memoriação, glosando por assim dizer a melodia em riquezas e fantasias inconscientes”. Mundos e atalhos distintos, mas um ponto comum:  a modernidade surreal estava impregnada em Breton, Oswald, Mário e Chico. O consciente do fazer artístico poderia ceder ao inconsciente surreal! 
Na linha não hegemônica e fora da base paulistana da produção modernista, a transgressão poética e corporal de CA pode ganhar melhor tradução. Melhor tradução-arte. Ele inovou na dança, no movimento do corpo pois ‘cantava andando rodando sobre si, e tinha um ‘jeito entontecedor de rodar duplamente’ ação ligada a possessão ‘estados esplêndidos de exaltação numa dramaticidade incrível’. Movimentos do corpo para uma bailarina e coreógrafa da voltagem de Deborah Colker experimentar. Ou ela própria!
* Artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da TRIBUNA DO NORTE, sendo de responsabilidade total do autor
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