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SUS: 20 anos de elogios e críticas

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SAÚDE - Elizabethe Souza fala sobre a importância do Nesc e que o núcleo desenvolveu em 20 anos

O Sistema Único de Saúde (SUS) está completando 20 anos de existência, repleto de elogios internacionais e de críticas nacionais, além do sofrimento de quem não tem plano de saúde e se vê obrigado a utilizar dos serviços, que funcionam, porém, com muita demora, exigindo da população mais pobre doses excessivas de paciência. Assim se encontra hoje o SUS: realizando transplantes e cirurgias de alta complexidade e, ao mesmo tempo, devido ao grande número de usuários, deixando pacientes morrerem na fila de espera pelo País.

A costureira Otávia da Silva, 48 anos, é um exemplo típico de como o SUS está hoje. Ela conta que desde o dia 1º deste mês estava tentando uma consulta com um médico ortopedista para dar um jeito nas fortes dores em sua coluna. Apenas 12 dias depois ela conseguiu ser atendida e, com a ajuda de uma amiga que já trabalhou no Hospital Walfredo Gurgel, fez logo um exame de raio x, que acabou detectando a gravidade do problema.

Ao ser questionada se voltará para a próxima consulta, Otávia da Silva diz que “sim”, mas fez uma ressalva: “de qualquer forma vou ter que desembolsar R$ 40 para ir a um médico particular, porque corro risco de não ser atendida pelo SUS. Outras vezes, eu até estava com consulta marcada e o médico faltava. A verdade é que não dá para confiar”.

A costureira diz ainda que não tem dúvidas sobre a capacidade dos médicos, esclarecendo que os profissionais são bons, mas a demora para o atendimento retira a paciência. “Só não perco a esperança porque não quero deixar de viver”, acrescenta Otávia da Silva, que cansou de acordar de madrugada para estar às 4h da madrugada em busca de uma ficha de confirmação de consulta.

Para Maria Lúcia Tavares, a amiga de Otávia da Silva, esta demora em conseguir uma consulta existe, aborrece, mas o problema já foi muito maior. Atualmente trabalhando no Hospital Maria Alice Fernandes, Lúcia afirma que o fato de “conhecer pessoas” agiliza muito a vida de quem é um usuário do SUS. “Trabalhei no Walfredo Gurgel e sei que a situação é difícil em qualquer hospital da rede pública. Por isso, ajudo a quem puder”, comenta Maria Lúcia Tavares.

Para a dona-de-casa Ednalva Daniel, que se deslocou de Brejinho – município do agreste potiguar localizado a cerca de 60 quilômetros de Natal – o SUS de sua cidade até funciona bem. “O ruim é quando o exame tem que ser feito em Natal. Em Brejinho sempre fui atendida. Não só eu, mas toda a minha família. Meu filho quebrou o braço e estou aqui há duas horas e meia esperando um ortopedista, que até agora não apareceu”, reclama Ednalva.

Na mesma situação estava o pedreiro Hirlan Almeida. Seu filho também quebrou o braço e ele estava aguardando atendimento há mais de uma hora e meia. “Quando quebrei o fêmur, no Rio de Janeiro, passei três dias para ser atendido. Aqui não chega a tanto, mas acredito que tudo seja proporcional. Onde tem muita gente demora mais e onde tem menos gente demora menos”, frisa Hirlan Almeida.

Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva completa 20 anos

“Há um SUS que dá certo e que precisa ser conhecido e valorizado, não deixando de ver que existem problemas e, por isso,  precisam ser superados”. Esta é a definição do SUS para a doutora Elizabethe Souza, coordenadora do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (Nesc), pertencente à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Na avaliação de Elizabethe Souza, o Nesc – que também está completando 20 anos – é totalmente interligado ao SUS  no Rio Grande do Norte. Criado em dezembro de 1988, o Nesc é composto por docentes e profissionais do serviço de saúde. Ele foi criado no Departamento de Saúde Coletiva e Nutrição e em 1993 passou a fazer parte do Centro de Ciências da Saúde para ter maior possibilidade de ampliação. Segundo Elizabethe Souza, o termo “saúde coletiva” surgiu no Brasil, junto com o movimento pela reforma sanitária, com participação da UFRN e movimentos sociais.

Em 1986, dois anos antes de sua criação e durante a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde – que definiu as diretrizes do SUS, incorporados na Constituição de 1988 –  o termo saúde coletiva começou a ser difundido. “Os núcleos foram criados com a perspectiva de apoiar a construção do SUS. Portanto, a relação do Nesc com o SUS é, no mínimo, íntima e direta”, esclarece Elizabethe Souza.

Ao longo destes 20 anos, o Nesc trabalhou na qualificação de profissionais, com cursos de atualização e especialização em gestão pública. A cada ano, o nível de cooperação técnica com o SUS se eleva, seja via governo do Estado, governo municipal ou por iniciativa do próprio Nesc sempre na tríade que envolve ensino, pesquisa e extensão, priorizando a resolução de problemas por meio da regionalização da saúde. No momento, o Nesc se encontra realizando cursos de capacitação para gestores, conselheiros de saúde, representantes de movimentos sociais e até um curso voltado exclusivamente para promotores públicos.

De acordo com Elizabethe Souza, o maior problema do SUS é o fato de não ter uma fonte de financiamento. Desde a sua criação, em conjunto com a Constituição de 1988, nenhum presidente resolveu este problema. A extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi criada com esta finalidade – durante o governo FHC – e os recursos milionários arrecadados não chegaram ao setor de saúde.

Antes do SUS existiram o INPS e o Inamps, porém, eram voltados para os contribuintes aposentados  da previdência e para quem contribuía com o sistema. O surgimento do SUS – que na teoria corresponde à universalização da saúde pública – revolucionou o sistema público e a idéia tem sido apreciada por muitos países, precisamente nas reuniões da Organização Mundial de Saúde (OMS). O próprio tratamento dado pelo SUS aos pacientes com o vírus da Aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis vem sendo copiado mundo afora. Isso sem contar que o  SUS é responsável por todos os transplantes realizados no Brasil. “Por isso, de certa forma, todo brasileiro é usuário do SUS”, comenta Elizabethe Souza.

Palestra marca as comemorações

A comemoração dos 20 anos de SUS e do Nesc na sexta-feira, 12, mereceu realização de palestra sobre a situação da saúde pública no Brasil, no Centro de Ciências da Saúde da UFRN. A palestrante, a presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Sônia Fleury, que é professora doutora em Ciência Política da FGV, iniciou a temática por meio de um questionamento que reflete aos anseios da sociedade  com duas frases: “celebrar o conquistado” e “repudiar o inaceitável”.

Para Sônia Fleury, não há a menor dúvida de que o SUS melhora a cada ano. No entanto, o problema é que estas melhorias não correspondem à demanda crescente da sociedade brasileira, que, de uma população de cerca de 187 milhões, tem 140 milhões de pessoas ligadas ao SUS. “É muita gente e não podemos esquecer que, ao longos destes 20 anos, os governos sempre colocaram a saúde pública em segundo plano, priorizando a política econômica e pagamento de dívidas, deixando o lado social sabe-se lá em que plano”, critica.

A presidente do Cebes até admite e reconhece que os repasses de recursos para a área de saúde têm aumentado a cada ano no âmbito do governo federal e de boa parte dos Estados e municípios, porém, ela acredita que é preciso melhorar a gestão do SUS, elevar o nível de capacitação dos gestores, criar mecanismos que impeçam a prática da corrupção e, oficializar uma fonte segura de financiamento para o SUS.

Noventa por cento da  população está ligada à rede do SUS

Com ou sem problemas, o SUS é o maior programa de inclusão social do País. Desde o seu nascimento até os dias atuais, o SUS saltou de 30 milhões para 140 milhões de usuários em 20 anos. Pelo menos esta é a avaliação do secretário municipal de Saúde, Edmilson de Albuquerque. Ele disse que 75% da população brasileira está ligada ao SUS e, no Estado do Rio Grande do Norte, este número sobe para 90% ou 2,7 milhões de potiguares.

Só este ano, os agentes de saúde fizeram mais de 715 mil visitas domiciliares em 300 mil unidades habitacionais. Além disso, o secretário confirmou que, em 2002, Natal destinava 12% de sua arrecadação municipal para o setor de saúde e hoje este número saltou para 18%, o que em cifras quer dizer R$ 110 milhões só este ano. “A obrigação constitucional é de 15%. Natal está na frente e isso nos deixa mais tranqüilo para resolver os inúmeros problemas da saúde pública”, explica Edmilson de Albuquerque. 

Na avaliação do secretário, é preciso ficar atento aos desdobramentos da Emenda Constitucional nº 29, que, quando regulamentada, vai fazer com que a União destine 10% da arrecadação bruta para o setor de saúde. “Isso vai beneficiar os próximos gestores”, completa. A atual gestão municipal realizou três concursos, gerando mais qualidade com 1,6 mil novos servidores públicos”, detalha Albuquerque.

Serviços da capital estão sobrecarregados

A Coordenadoria de Planejamento e Controle do Sistema de Saúde, que faz parte da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap), por meio do técnico Valdimar Medeiros, informou que, de 2003 para cá, os repasses por parte do governo do Estado  saltaram de R$ 168 milhões para R$ 305 milhões.

Segundo Valdimar Medeiros, um dos maiores gargalos no Sistema Único de Saúde no Estado do Rio Grande do Norte é oriundo do deslocamento da população, que sai do município de origem para buscar atendimento em Natal, quando, na maior parte dos casos, os problemas poderiam ser solucionados sem o paciente precisar viajar, sobrecarregando os serviços de saúde na capital. É a chamada ambulancioterapia, difícil de ser combatida e que sobrecarrega hospitais como o Walfredo Gurgel.

Medeiros disse ainda que, dos 8.159 leitos existentes no Estado hoje, exatos 6.780 são destinados ao SUS.

No Estado existem 15 mil servidores do setor de saúde. Entre as contribuições do Estado para com o SUS, Valdimar de Medeiros destacou a construção de diversos hospitais regionais no interior, que atendem aos casos de urgência e emergência, além de serviços como, por exemplo, Lacen, reabilitação infantil, distribuição de órteses e próteses, sem deixar de dar destaque à presença do Samu, por meio do número 192.

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