Frost escreveu um belíssimo poema intitulado “Fire and Ice” (“Fogo e Gelo”) – “Some say the world will end in fire/Some say in ice/From what I’ve tasted of desire/I hold with those who favor fire/But if it had to perish twice/I think I know enough of hate/To say that for destruction ice/Is also great/And would suffice” –, que reproduzo aqui em inglês para que vocês possam degustar, no original, o ritmo e a sonoridade casual dessa obra-prima. De toda sorte, Frost basicamente nos encaminha para duas opiniões antagônicas: o mundo acabará em fogo ou o mundo acabará em gelo. Pelo que ele conhece do desejo e do ódio, Frost aposta no lado dos que preferem o fogo. Mas ele também sabe que, para destruir, o gelo é igualmente estupendo. E suficiente.
Embora esse curto poema, inspirado no canto 32 do “Inferno” (primeira parte da “A Divina Comédia”), de Dante (1265-1321), que mistura as ideias de fogo e gelo, desejo e ódio, seja de 1920, nada tão atual quanto esses versos de Frost.
É claro que eles – falo dos versos de “Fire and Ice” –, como se dá com qualquer literatura, ainda mais com a poesia, podem ser interpretados de diversas maneiras. As principais palavras desse poema – fogo, gelo, desejo e ódio – são aqui aplicadas metaforicamente. E isso nos abre mil e uma trilhas de pensamento. Até porque, li não sei onde, para Frost, a poesia era uma questão de “dizer uma coisa significando outra”.
Primeiramente, “Fire and Ice” reflete um “pessimismo realista” do autor. O mundo que conhecemos, o planeta Terra em que vivemos, provavelmente um dia acabará, de fato, apesar de não sabermos quando. Se Deus quiser, será num futuro ainda muitíssimo distante, embora alguns, agorinha mesmo, insistam em adiantar esse relógio.
Mas podemos ainda interpretar os termos empregados por Frost liricamente. O fogo seria o desejo; o gelo, o ódio. Desejo e ódio, ambos, se desmesurados, levam à ruína. Doutra banda, o fogo pode ser paixão ou instinto; o gelo, a razão. As paixões e os nossos instintos devem ser controlados. Mas também não se vive, apoucado de sentimentos, apenas da razão. E por aí vai.
De minha parte, trago Robert Frost e seu poema de 1920 para o nosso tempo e, especialmente, para o nosso Brasil de hoje. Vivemos numa era em que muitos desejam o fogo; outros, o gelo. Uma guerra entre ideais supostamente de “esquerda” e de “direita”, se é que ainda podemos usar essas antigas categorias para descrever algo que não é nem minimamente lúcido. Um mundo de “nós contra eles”, como está na moda dizer. Um mundo criado outrora, é verdade, mas perfeitamente mimetizado hoje. Não há moderação. Não há meio termo. Eles, os antagonistas, se odeiam às escancaras. E as pessoas, patologicamente, comemoram até desgraças e mortes, contanto que confirmem suas ideologias, igualmente terríveis, de gelo ou de fogo.
Sinceramente, não sei como o mundo vai acabar. Se no gelo ou com fogo. Mas eu, pelo que experimentei do desejo, pelo que conheço do ódio e por temperamento mesmo, luto para não perecer em qualquer dos dois. Porque tanto faz.