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Temor de enchentes afeta produção

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Marcelo Hollanda – repórter

Os carcinicultores de Pendências, no Vale do Açu, já iniciaram a despesca e esvaziamento de parte de seus viveiros, temendo a repetição das inundações que assolaram a região em 2008 e 2009. Hoje, por causa dessa estratégia para evitar perdas, já é possível caminhar sobre os oito hectares de um dos viveiros da Potiporã Aquacultura sem molhar os pés.

Viveiros de camarão vazios são só parte do cenário encontrado na região como indício de que o setor agropecuário está preocupado com possíveis estragos em 2011A empresa, a maior da região, é dona de uma fazenda de 1.000 hectares que já produziu quatro mil toneladas ano. Depois das últimas enchentes, ela reduziu a sua área de viveiros para 300 hectares, fechou seu beneficiamento de camarão, demitiu mais de 3.500 empregados e redimensionou sua produção para atender o mercado interno.

Essa é apenas uma parte da história de pânico vivida pelos produtores da região diante de uma perspectiva que ainda nem se confirmou para 2011 – a de enchentes provocadas não pelas chuvas localizadas nem tanto sobre o Vale do Açu durante o inverno, mas pelo comportamento pluviométrico na Paraíba.

O excesso de chuvas no estado vizinho contribui para o sangramento na represa Armando Ribeiro Gonçalves,  que usa um rio federal – o Piranhas-Açu – como via expressa de águas que arrastam tudo que encontram pela frente por mais de 80 km de extensão.

Em 2008, as enchentes devastaram toda a economia do Vale do Açu, que já foi conhecida como o Polígono do Camarão, reduziu para perto de zero a produção salineira em 2008, fechou fazendas de produção de banana da Del Monte, em Ipanguaçu, e provocou o fechamento de 250 poços na região Oeste e do Vale do Açu, ocasionando uma redução média diária na produção de 2.862 barris – 3,5 % da produção média da Unidade de Exploração e Produção da Petrobras no Rio Grande do Norte e Ceará.

Esta semana, o produtor de leite Dioclécio Soares de Souza tomou uma atitude. Ele, que antes das últimas enchentes  produzia perto de 500 litros por dia e hoje não tira mais do que 150 litros, assinou o contrato de aluguel de uma casa no centro de Pendências e reservou  espaço nas pastagens da propriedade de um parente, que fica na parte alta, para suas 130 cabeças. “Em 2008 eu não fiz isso e fiquei ilhado na propriedade por causa das enchentes e perdi muitas vacas”, lembra. “Este ano, sem chance de viver a mesma coisa”, avisa.

Informações

 O aquacultor Francisco Borba tem cultivado, além de tilápia, o hábito de telefonar para fontes dentro do Dnocs várias vezes por semana. A intenção é colher o máximo de informações sobre o comportamento das águas nas represas, começando sempre pelo nível d’água na Armando Ribeiro Gonçalves.

Borba, que antes de 2008 produzia em média 300 toneladas de peixe por ano, viu essa quantidade despencar  durante as cheias de 2008 e 2009.

“Em 2010 conseguimos recompor parte da produção, mas este ano, sinceramente, estou com medo de perder todo o trabalho”, afirma. Segundo explica, o primeiro reflexo para o carcinicultor diante da perspectiva de uma inundação é sempre a redução na densidade do camarão cultivado nos viveiros. Depois, vêm as demissões de funcionários.

Ele lembra que as despescas são constantes na atividade e acontecem praticamente todos os meses do ano para a renovação da população nos viveiros. “O fato da despesca desta vez não vir sucedida por uma repovoação do viveiro  mostra bem o estado de espírito negativo do produtor e sua firme decisão de não levar prejuízo no caso de uma nova enchente”, analisa.

Solução seria construção de barragens

Há estudos da Agência Nacional de Águas (ANA) sobre o assoreamento das margens do Rio Piranhas-Açu. A solução dos produtores é a construção de barragens molhadas que realizem a gestão das águas das chuvas e sua convivência com a água salgada que vem do mar.

“O que falta é consenso entre os próprios produtores sobre como eles querem gerir a riqueza das águas e os problemas que as enchentes causam”, explica o aquacultor Francisco Borba.

Ele lembra que entre 2001/2002 desabaram sobre o Vale do Açu perto de mil milímetros, mas não ocorreram enchentes porque na Paraíba não se registraram chuvas na mesma proporção.

“Com o crescimento acelerado das cidades do Vale do Assu, não são poucos os esgotos a céu aberto indo para o rio”, denuncia o produtor. E, como se não bastasse, os próprios barramentos, espécies de diques primitivos, tratam de acelerar a formação de grandes bancos de areia e detritos responsáveis pelo estrangulamento dos rios.

Segundo o produtor de leite Dioclécio Soares de Souza, desde os anos 60 fala-se da importância dos barramentos para conter a invasão da água salgada nos mananciais de água doce, o que propiciou a formação de viveiros de camarão, que usam a mistura dessas duas águas.

A atividade carcinicultora está na região há 15 anos. Dioclécio lembra bem de enchentes importantes na região em 1985, depois em 1994 (nível médio) e a pior de todas em 2008, com menor intensidade em 2009.

Antigo produtor na região, Dioclécio lembra que no passado havia três rios recebendo e escoando as águas do Vale do Açu: o

Olho D’água, o João Bezerra e, o mais importante, o Piranhas-Açu. Hoje, os dois primeiros estão aterrados e, desde então, as inundações só vem prosperando.

Segundo o consultor João Maria Figueiredo, da salineira Henrique Lage, na verdade, os barramentos existem na região desde 1948 e eram feitos no princípio de forma ainda mais precária, com sacos de areia, cambito e madeira. Nessa época, os rios totalmente salinos se responsabilizavam por abrigar a água que vinha do mar, de forma que os barramentos protegiam os rios de água doce, como o Piranhas-Açu.

Com a chegada de projetos de produção de camarão em viveiros e das salineiras, um rio em especial – o das Conchas – foi eliminado do delta. Hoje, em conseqüência disso, só existem interligados o Piranhas-Açu e os rio dos Cavalos. E a interligação anterior com o rio das Conchas passou a ser tarefa exclusiva do rio dos Cavalos.

Esta semana, um barramento menor existente dentro de uma propriedade particular foi invadido e posto à  baixo a picaretadas. Ninguém sabe quem foi ou pelo menso finge não saber.

“O que aconteceu é o reflexo típico de gente com medo que o barramento contribua para a inundação das pastagens no caso de uma nova enchente este ano”, explica Francisco Borba.

bate-papo – » Francisco Borba aquacultor em Pendências

Como o senhor vê a questão das enchentes no Vale do Açu?

Eu acho que falta uma visão clara do que representa o Rio Piranhas-Açu para um pedaço do semiárido que poderia ser rico por conta da presença do petróleo, mas nada em problemas agravados por secas e enchentes.

Por que o senhor acha que isso acontece?

Porque ainda não caiu a ficha da população para o que ela perde com o desinteresse no desenvolvimento sustentável das nossas potencialidades. Pensa-se somente no problema pontual das enchentes, mas os investimentos prioritários para uma solução do problema são relegados em favor de prioridades com mais visibilidade popular.

Qual é o maior problema: enchente ou seca?

Em minha opinião, ambos os problemas se equivalem. Quando não é a enchente que das as cartas, é a seca. Quando passa o inverno, a falta d’água afeta Macau, que tem 25 mil habitantes. O abastecimento fica prejudicado em Guamaré, que recebe água de Macau pela tubulação; afeta Alto do Rodrigues, Pendências e assim por diante. Devemos ter claro que somos um povo ribeirinho, vivemos na beira do rio. Estranho que, entre ano e saia ano, as soluções provisórias e ambientalmente equivocadas continuem sendo a regra.

Não houve nenhum avanço nos últimos anos?

Parece brincadeira… Nada. Já tivemos uma ponte em Pendências e, depois das últimas enchentes, no lugar dela, hoje temos tubos. Ou seja, estamos regredindo com o passar dos anos. 

“A sensação é de abandono por parte do poder público”

Esta semana, na Câmara Municipal de Pendências, produtores se reuniram a pedido da TRIBUNA DO NORTE para expor seus problemas e apontar soluções de emergência para a possibilidade de uma nova enchente da região. A queixa geral foi de abandono por parte do poder público e dos políticos, já que o rio Piranhas–Açu, por ser federal, impõe uma articulação técnica e política evolvendo  municípios, estado e governo federal.

Para o aquacultor Francisco Borba, a grande oportunidade para reverter a crônica situação das cheia no Vale do Açu aconteceu no ano passado, mas não foi aproveitada.

“Em 2010 não houve enchentes, poderíamos ter evoluído em toda a parte de campo, com os levantamentos batimétricos, topográficos e geológicos, mas nada foi feito”, acrescenta.

E por que isso não aconteceu, ele mesmo explica: “São obras que não dão visibilidade ao gestor, que prefere investir em ações mais populares para o eleitor e com isso a economia fica de fora”. Na rota das águas das  possíveis enchentes estão os municípios de Itajá, Açu, Ipanguaçu, Alto do Rodrigues, Pendências e Macau.

“Qualquer proposta que inclua o Rio Piranhas-Açu mexe instantaneamente com interesses pessoais, políticos e funcionais, já que a mesma água serve para a aquacultura, fruticultura, produção de leite, sal e abastecimento hídricos das cidades” – resume o consultor João Maria Figueiredo, da salineira Henrique Lage.

Períodos de cheias no Vale se alternam com as secas

No caso do Vale do Açu, por falta de uma infraestrutura de diques molhados através dos quais se possa controlar o nível das águas, períodos de cheias são normalmente alternados por seca prolongada. Ou seja, quando as águas sobem muito, as barreiras de contenção – que serviriam para estocar as águas do inverno – viram uma dor de cabeça para os produtores,  pois inundam viveiros e salinas, liquidando com pastagens e matando o gado. Quando a água desaparece, começa a seca.

Ocupando espaço na questão está a Henrique Lage, maior produtora de sal marinho da região, que abastece todo o mercado interno brasileiro. Durante a cheia, as águas ultrapassam o barramento do Jonas, em Pendências e atingem a área de produção da empresa.

Segundo o gerente de operações da HL, José Arimatéia Costa, isso acontece porque não há obras de infraestrutura voltadas para atender as necessidades dos produtores da região. Hoje, a salineira já conseguiu recompor sua produção de a 700 mil toneladas por ano e que foi a zero com as enchentes de 2008.

“Era para ser de 1 milhão de toneladas, mas não conseguimos atingir essa meta justamente por falta de barramentos mais eficientes”, explica.

A captação de sal é feita a quatro graus e se passa água doce para a área de colheita essa salinidade baixa para 1 grau, diminuindo drasticamente a produtividade. “O barramento molhado é a solução, pois determina em que medida a água doce  poderá passar e vice versa”, resume Arimatéia Costa, já que a histórica convivência da região com o rio e o mar vem provocando constantes conflitos de interesse.

A prioridade dos produtores, diz o aquacultor Francisco Borba, independentemente de sua atividade, é a construção de barramentos definitivos no Rio Piranhas-Açu, pois as barragens atuais são muito frágeis,  feitas de areia, de piçarro e mal projetadas.

“Queremos barramentos molhados e definitivos, que possam controlar o nível de passagem das águas e não as gambiarras que só contribuem para o assoreamento do rio Piranhas-Açu”, dispara Boba.

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