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“Temos a obrigação de ganhar”

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VÔLEI - Bernardinho acredita que a dedicação se sobrepõe ao talento

Conversar com o técnico da seleção brasileira de vôlei masculino é ter expressas em palavras as ações e os gestos tantas vezes presenciado em quadra. A obstinação e a garra demonstrada por Bernardinho nos jogos também é destacada por ele no seu estilo de se portar e de buscar mais conquistas.

Ele fala franco, admite que não conta quantos títulos já conquistou, mas está é preocupado no próximo título que buscará. Comandante da seleção conhecida como “geração de diamante”, Bernardinho tem a exata noção do que isso representa: a posição da seleção hoje é do time a ser batido e as demais equipes são as “franco atiradoras”.

Para o Panamericano do Rio de Janeiro a responsabilidade é maior ainda. “Nós temos obrigação de vencer. Todo lugar que eu vou escuto dizer: o vôlei masculino não pode perder. Ora, não há esporte em que você não possa perder”, disse Bernardinho, que esteve em Natal a convite do CEI no trabalho do projeto Compartilhar, criado por ele e desenvolvido em 29 unidades do país.

Nosso convidado de hoje é um campeão de jeito simples, o técnico de vôlei que também ensina com palavras, um treinador inconformado, sempre na busca de vitórias e títulos.
Confira a lição de Bernardinho.

Qual o reflexo do Pan 2007 para o esporte brasileiro?
Essa é uma boa pergunta. Nós esperamos, minha expectativa, é que o Pan possa suscitar primeiro um grande momento da atividade, ele possa provocar um interesse maior, e o aumento da atividade de forma geral. E no momento que muita coisa está sendo construída, reformada, projetos dos mais diversos tipos de rendimento, até projetos sociais, que isso possa ser um fator de motivação para o Brasil. A oportunidade de ver os ídolos deve gerar um interesse maior pela atividade esportiva. Torço também que isso possa ser até tomado de forma bastante responsável pelo Governo para ele entender essa importância e incentivar políticas realmente esportivas mais perenes. Não que seja aquela (política) pontual. Não adianta fazer os jogos Panamericanos pontuais, que isso possa ser um momento de transformação de políticas esportivas mais adequadas para iniciação, de apoio ao desenvolvimento. Espero que o Panamericano tenha essa função e consiga o seu intento.

Como técnico da seleção masculina de vôlei, é uma pressão maior para conseguir ser campeão?
No nosso caso, especificamente, nós temos obrigação de vencer. Todo lugar que eu vou escuto dizer: o vôlei masculino não pode perder. Ora, não há esporte em que você não possa perder. Quando você entra pode ganhar ou perder. Eu tenho como jogador e na outra geração esse título (de campeão do Pan), mas nessa geração ainda não tem o título (de campeão Panamericano). Nós temos favoritismo normal, agora vamos para a quadra. Algumas equipes já estão treinando, nós estamos com problemas muito sérios na programação. Alguns jogadores estão na Itália, na Grécia. Temos a Liga Mundial, dia 25 de maio estrearemos na Coréia. A preparação está bastante conturbada, dificultada. Mas a intenção é chegar em julho com a melhor preparação possível e tentarmos o título. Vamos jogar contra equipes boas no caso de Cuba, Venezuela, Argentina, Canadá na seguinte situação: eles não têm nada a perder. Essa é a pior situação em que você pode enfrentar alguém.

Com essa geração. O fato de já ter ganho vários títulos coloca dificuldade para despertar nos jogadores o espírito de luta, de procurar vencer de novo?
Acho que a vontade de ganhar está intacta. A gente continua com a vontade de ganhar, queremos não apenas o Panamericano, mas também a Liga. O que as vezes nós temos que questionar é até que ponto vamos continuar nos dedicando, até que ponto estou disposto a continuar fazendo sacrifício. Essa é a grande questão que precisamos buscar o tempo todo. Nós tivemos uma conversa sobre isso, nosso pacto de preparação foi revalidado. Mas essa é uma armadilha que não podemos cair. Temos que nos preparar mais, porque somos há seis anos a equipe a ser batida. Isso é uma responsabilidade enorme. A pressão das pessoas dizendo que a gente tem que vencer é constante. E a melhor forma de lidar com isso é estando bem preparado porque vamos como franco favoritos contra franco atiradores. Para eles (os adversários) perder é natural.

Quando você está na quadra parece querer exigir muito, “esticar mais a corda”.  Você não teme que essa corda possa se romper?
Esse é meu maior medo. Eu me testo e me questiono o tempo todo até que ponto posso continuar esticando a corda. Vocês vêm minha forma de esticar a corda, mas pode ter certeza que em alguns momentos eu tenho que ceder. Quando vejo que a corda vai se romper eu volto um pouco para o lado. Não existe uma fórmula para isso. É de tentativa e erro. Você vai tentando ajustar. Esse é o grande segredo dos treinadores: até onde você pode esticar a corda? Eu não sei a resposta. É você está exercitando permanentemente isso e acreditando. Você não pode esticar demais nem acomodar demais. Você não pode ter o incoformismo de tal forma e achar que sempre pode esticar. Tem que saber o quanto mais. Por outro lado, não pode se conformar imaginando que está bom dessa maneira e com isso negligenciar com relação a preparação e treinamento.

Você falou  da dedicação: até que ponto o sucesso de um jogador é fruto de dedicação ou de talento?
Acho que proporções iguais. Mas colocaria dedicação a frente. Uma pessoa dedicada com um talento razoável consegue sucesso. Uma pessoa talentosa com uma dedicação fraca não consegue. O trabalho duro vem antes do talento, embora o talento seja um elemento importante. Mas a dedicação está a frente.

Você escreveu o livro “Transformando suor em ouro”. E poderia vir o ouro sem o suor?
Impossível. Não digo que achei a fórmula. Na história do esporte mundial não há equipe no mundo que tenha vencido sem ter suado muito. E essa idéia veio de um grande amigo jornalista no Rio de Janeiro que viu o quanto nós suamos.

Pelo seu estilo de trabalho a impressão que passa é que você busca a perfeição, mas você acha que existe perfeição?
Não. Quando você está buscando você fica inconformado. Viver assim, as vezes, é um pouco angustiante porque você está sempre inconformado e buscando um pouco mais. Essa é a minha forma de ser. Não é a melhor forma, mas é a minha.

E isso não é perigoso?
É perigoso sim. Isso gera frustração, você idealiza coisas. Mas se você souber usar é fonte de motivação permanente, uma fonte de rendimento permanente, você sempre busca algo a mais. Você sempre tenta ser melhor hoje do que ontem. Essa é minha angústia. E isso serve para tudo, para as relações, para o trabalho, para tudo.

E a renovação das gerações no esporte, como ocorre?
Não acredito em revoluções, acredito em um processo. Essa é uma geração que vem vencendo há seis anos. Claro que o Brasil terá mudanças de resultado, mas ele estará sempre entre os melhores mesmo porque teve a geração de prata, de ouro e essa geração que Tande chamou de diamante por ter sido a que mais brilhou.

Você concorda com essa título de geração de diamante?
Não sou muito de rótulos. Se você perguntar quantos títulos eu não sei porque estou pensando no próximo. Não sei muitas coisas. Mas se você pára e pensa que nenhuma geração no Brasil venceu tanto durante tanto tempo. São seis anos. E também considera uma coisa: com a mudança da regra, a queda da vantagem, o equilíbrio foi muito maior. Um time que não é tão forte consegue bater. A zebra hoje no vôlei é muito maior. Mesmo você sendo superior ao outro, mas se está um maluco no saque e faz muitos pontos de vantagem, aquele time que era inferior consegue vencer. O jogo está muito equilibrado. Já me disseram que nós somos os mais vitoriosos com uma regra mais cruel do que era no passado.

A seleção hoje está na posição de ser batida, como você definiu. Mas no passado já esteve como “franca atiradora”. Qual a melhor situação: atirador ou o time a ser batido?
A situação mais confortável é ser franco atirador, sempre. Você não tem nada a perder. Se ganhar é uma festa, se perder era o que era para acontecer. Nossa situação não é desconfortável. O grande campeão é aquele que se sente confortável no desconforto. O grande campeão vive sobre pressão. Ou você sucumbe a grande questão ou se fortalece com ela e se torna campeão olímpico. Essa é a diferença entre os medíocres, os razoáveis e os grandes. Eles são grandes porque souberam lidar.

Como é o seu relacionamento com o filho Bruno, que foi convocado para a seleção brasileira?
Familiar é o melhor possível. Se eu tenho um orgulho na vida, sinceramente, não tem nada a ver com voleibol. Meu filho soube entender que a posição do pai dele hoje é uma posição efêmera e passageira. Não há nada de muito especial. Eu sou um trabalhador. Ele (o filho) valoriza as coisas que tem que valorizar. Ele foi convocado (para a seleção) ano passado por mérito. Eu pensava assim: não posso cobrar dele nenhum ônus por ser meu filho e não posso dar nenhum bônus por ser meu filho. É difícil, muito tênue. Nossa relação é muito madura. Ele foi tentar a sorte e conquistou o lugar dele. Me cobram na rua mais espaço para ele (na seleção). Mas ele vai ter que conquistar esse espaço.

O seu trabalho no projeto Compartilhar (organização não governamental mantida por ele) é uma resposta a fraca política pública para o esporte no Brasil?
Não é contra nada. Não podemos esperar tudo do Estado porque em muitas áreas há deficiência clara. O esporte não é contemplado como deveria ser como uma área importante da educação. O Compartilhar tem muito mais a ver com agradecimento. O esporte me deu coisas que eu jamais esperava conseguir. Me deu família, condição financeira boa e me deu muitas alegrias, conquistas, amigos. Compartilhar é a idéia de compartilhar o que o esporte me deu com outros que não têm oportunidade.  Hoje o Brasil é de poucas oportunidades.

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