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“Temos muito o que melhorar”

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Felipe Gurgel – repórter de Esportes

Bernardinho, técnico da seleção de volei masculinoQuem esteve em Natal, na última semana,foi o técnico da Seleção Brasileira de Vôlei masculino, Bernardinho. Veio divulgar o projeto social idealizado por ele, o Instituto Compartilhar, criado em 2003, e que atende mais de 4.000 crianças em 30 núcleos espalhados pelo país. Mas, como não poderia deixar de ser, o comandante brasileiro falou muito de vôlei, a conquista da Liga Mundial, as expectativas para a disputa do Mundial que começa no mês de setembro, na Itália, a renovação constante da Seleção. Revelou como é trabalhar com seu filho Bruno Rezende, que é levantador do Brasil, e também explicou como funciona o Instituto.

O que é mais difícil: chegar ao topo, ou se manter lá em cima?

Sempre é mais difícil se manter no topo. Chegar é difícil, requer dedicação, muito esforço para você se manter, galgando espaços. Mas, se manter lá é muito mais complicado. A sedução ao redor é maior, as armadilhas se colocam, são todos os adversários querendo seu lugar. Então, se manter no topo por tanto tempo, é uma das dificuldades mais árduas que um ser humano pode enfrentar.

É difícil manter o foco dos jogadores, depois de tantos títulos conquistados?

Esse é o grande segredo da história. Ainda bem que tenho a sorte de trabalhar com um grupo que entendeu plenamente que, o fato de termos vencido anteriormente, não nos garante nada. Temos que continuar trabalhando, melhorando, para que continuemos no topo. O grande segredo dos campeões, não é saber como se lidar com a derrota, com as frustrações. O grande segredo dos campeões é saber lidar com as vitórias. Ou seja: ele se acomoda? Deixa de ser o mesmo que foi anteriormente, ou continua disposto a pagar o preço? Eu acho que o grande campeão é aquele que quer viver o seu melhor, mesmo após uma vitória, quando ele continua tentando, buscando, enfim, sabendo o que é necessário ser feito para continuar vencendo.

A Seleção acabou de conquistar mais um título da Liga Mundial. Mas, em setembro, já tem a disputa do Mundial, na Itália. O que esperar?

Vamos ter muitas dificuldades nesse torneio. Todas as seleções vão querer vencer do Brasil e temos que melhorar muito ainda. Não fizemos uma boa Liga Mundial, tirando os dois últimos jogos, contra Cuba e Rússia. Então, vamos trabalhar bastante para conseguir conquistar mais esse título para o Brasil.

Você vem conseguindo renovar a seleção a cada ciclo olímpico. Qual o segredo?

Isso vem de um trabalho muito bem feito nas categorias de base, que sempre estamos monitorando. Se você, em algum ponto do caminho, perdeu qualidade de jogadores, tem que voltar e tentar recuperar essa falta de qualidade. Mas, felizmente, o Brasil tem um grande fornecimento de jogadores de alto nível, de grande qualidade. Muitos talentos e boas perspectivas para o futuro.

O trabalho realizado no centro em Saquarema/RJ é voltado para isso?

Em absoluto. O Centro é base para todas as seleções do Brasil, e isso facilita no contato com os jovens. Para você ter uma idéia, o Lucão (jogador da seleção principal) foi lançado em 2009, mas, já trabalhava com a gente, lá em Saquarema, desde 2005. Ou seja, há quatro anos que ele já trabalhava na órbita da Seleção Brasileira. Ele começou a crescer em torno dos nossos principais jogadores, Gustavo, André Heller, Rodrigão, e aí, quatro anos depois, em 2009, ele teve a sua grande oportunidade na Seleção. Isso facilitou sua chegada ao time, já que tinha um entrosamento com o restante do pessoal.

Mas, não ficou só no Lucão…

Não. Isso aconteceu, e vem acontecendo, com outros jogadores. O Théo já está nesse processo há dois anos, assim como o Vissoto, Bruno e Tiago Alves, há quatro anos nesse processo. Ou seja, eu sempre trabalho com uma margem de segurança. Alguns jovens, que estão trabalhando conosco hoje, para que, no momento seguinte, junto aos mais veteranos, poderem dar segmento, sequência, ao trabalho na Seleção Principal.

Muita gente viu com desconfiança a convocação de Bruno Rezende, que é seu filho. Foi difícil suportar as críticas?

Ainda é. Essas críticas continuam acontecendo. Fazer sucesso no Brasil nem sempre é simples, ou fácil. O Brasil é um país um pouco autofagista, que é querer mais o insucesso do outro, do que o próprio sucesso. Mas, o mais importante é fazer aquilo que lhe deixe bem com a sua consciência. Você tem que trabalhar com ética, com respeito e buscar aquilo que tem que ser feito. O que dá respaldo a convocação do Bruno, é o respeito que os atletas têm por ele, a admiração dos seus pares. Além do que ele vem conseguindo longe de mim, no seu clube. Ele foi tetracampeão brasileiro nos últimos cinco anos, sem nenhuma participação do pai. Hoje, ele é o levantador brasileiro, campeão quatro vezes seguidas, sem nenhuma interferência do pai.

Mas, como você sempre diz, o time sempre tem que ficar acima das conquistas individuais. Como tratar disso em uma Seleção tão cheia de grandes valores?

Tudo depende do foco. Temos exemplos claros, até recentemente, de que, quando colocamos a vaidade individual acima da coletiva, a probabilidade das coisas darem erradas é muito grande. Prezo muito pela união dos meus atletas, para que cada um consiga desempenhar bem sua função e que isso reflita dentro da quadra e ajude a Seleção sair vitoriosa. Nessa conquista do título da Liga Mundial, o Murilo teve a felicidade de ser eleito o melhor jogador da competição. Mas, como sempre faço com os atletas, o prêmio que ele recebeu, foi dividido entre todos os atletas. Ele, sozinho, não ia conseguir chegar a canto nenhum. Deixo bem claro que nenhum jogador é mais importante que o outro. Todos fazem parte de uma engrenagem, que é a Seleção do Brasil.

Como surgiu a ideia de criar o Instituto Compartilhar?

Ela surgiu no final dos anos 90 e se concretizou em 2003. A ideia era de criar uma organização que pudesse estar aí, trabalhando, no sentido de construir núcleos e possibilidades para os jovens mais carentes da sociedade. Era possibilitar a prática esportiva para crianças e jovens das classes menos favorecidas. Essa era a nossa grande intenção. Nossa missão, realmente, é educar através do esporte. Se sair algum grande jogador, melhor. Hoje, temos meninas que saíram desses núcleos, e agora estão em seleções de base do Brasil, em equipes profissionais. Temos alguns rapazes também, que estão jogando profissionalmente. Mas, isso não é o grande objetivo.

E qual seria o objetivo?

Esse é apenas um viés do que possa acontecer. Mas, damos a oportunidade para que ele possa conseguir uma bolsa de estudos, para que ele possa crescer, tanto profissionalmente, como pessoalmente. A oportunidade é dada. Agora, eles devem saber aproveitar. Se não for no esporte, que seja na vida. Que tenham estudos, para que possam ter uma vida melhor. Esse é realmente o objetivo do Instituto e dos projetos que ele administra.

Como é sua participação no Instituto?

Fico mais na captação de recursos e na busca por parceiras, para que o Instituto sempre possa realizar seus projetos. Quando dou uma palestra, ou faço alguma propagando, reverto o cachê para o Instituto. Se faço um comercial para uma escola de inglês, no caso, vejo com ela a possibilidade dos professores darem aulas para as crianças do Compartilhar. E assim vai indo. Essa é minha contribuição maior.

Natal foi a primeira cidade fora do eixo Sul-Sudeste a receber um núcleo do Instituto. Qual o motivo?

Primeiro, pela amizade que tenho com o Breno e a Suzete Cabral. Sabia que podia contar com eles para essa empreitada. E, tive a confirmação disso, nessa minha vinda a Natal. Pude visitar as crianças do Instituto e foi melhor do que esperava. Tudo está caminhando bem, as crianças estão sendo assistidas, os projetos são bem desenvolvidos. Acertei em cheio quando trouxe a ideia para cá.

Nos próximos seis anos, o Brasil vai sediar a Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016. Esse é o momento de rever as políticas públicas para o esporte?

Existem dois pontos fundamentais nessa questão. Primeiro, tem que investir em logística, em infra-estrutura, para que possa realizar bem as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Então, isso é fundamental. Temos que investir nas áreas básicas da vida dos brasileiros. Segundo, uma política voltada para o esporte mais efetiva. Os Governos precisam entender que o esporte desempenha uma função importante na sociedade. Que possa ter um investimento contínuo, permanente, que possamos ter uma política perene de apoio ao esporte. Acho que ainda falta isso, para que o Brasil comece a pensar em ser uma potência esportiva. Mas, não só isso. Temos que mostrar que o esporte pode ser um componente transformador na sociedade. Investir no esporte e na educação, pode ser um caminho para o desenvolvimento do Brasil.

É difícil transformar suor em ouro?

As dificuldades são enormes. Temos que suar muito para que o ouro possa vir.

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