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Tempo de Manelito

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Tempo de Manelito

O Nordeste perdeu Manoel Dantas Vilar Filho, Manelito. O Rio Grande do Norte perdeu um amigo e benfeitor. Os sertões do semiárido choram a morte deste grande homem, nascido e vivido na Paraíba, incansável lutador pela preservação e o desenvolvimento socioeconômico de nosso Nordeste, sertões sem divisas, derna do Raso da Catarina (Bahia) até as caatingas do Piauí, chão pisado por bodes e pelo boi “pé-duro”, raça que ele salvou do desaparecimento. Manelito se encantou terça-feira, 28, dois dias após o encerramento da 8ª versão do Dia D, a exposição da Fazenda Carnaúba, dos grandes eventos da pecuária brasileira e tipicamente nordestina. Tinha 83 anos.

Escrever sobre Manelito teria que reservar espaço de umas 50 edições deste JornaldeWM. Sua vida e sua obra dão livros. Aqui mesmo neste canto já escrevi dezenas de colunas tendo ele como mote, resultado de uma amizade de quarentanos iniciada no final da década de 1970 numa Festa do Boi do Parque Aristófanes Fernandes. A partir daí as idas a Taperoá entraram no meu roteiro sentimental. Conversar com Manelito, ouvir a sua prosa rica de sabedoria, era um encantamento, incluindo aí o tempero forte de sua teimosia, mais ou menos radical, que usava para defender as causas em favor de sua terra e de sua gente: “Nordestino, no Brasil, até hoje escapou fazendo da fraqueza, força”.

Ano passado, começo de agosto, com o título a “A festa na Carnaúba”, contei o que vi na exposição “Dia D” de 2019. Transcrevo uns trechos começando pelo começo:

– Três anos atrás publiquei uma crônica com o título “E todos foram para Taperoá” contando o que foi, em julho de 2016, o “Dia D” da Fazenda Carnaúba, um dos mais importantes eventos da pecuária nordestina. Pegava carona no livro de Sérgio Augusto, “E todos foram para Paris”, escrito “nas pegadas de Hemingway, Fitzgerald & Cia.” pelas duas margens do Sena.  Este ano, quando o Dia D chegou a sua sétima edição, bem mais gente andou por aqueles sertões paraibanos. Todos estavam lá. Gente de várias partes do Brasil e até do exterior, como a fazendeira colombiana María del Rocío Zapata, dona da fazenda Zorilhos onde cria zebuínos da raça Guzerá. Ela, admiradora dos guzerás D, da Carnaúba, raça de dupla aptidão (carne e leite) melhorada por Manoel Dantas Vilar Filho (Manelito). A fazenda Carnaúba realmente tem muito o que mostrar e ensinar. ”

Adiante cito o livro do escritor, jornalista e professor universitário Dorgival Teixeira Neto, “Taperoá – crônica para a sua história” (prefácio de Ariano Suassuna), publicado em 2002, no qual ele faz o retrato três por quatro de Manelito:

“Manoel Dantas Vilar Filho, considerado um dos melhores e mais capacitados técnicos em abastecimento de água e saneamento do País, fundador da COGEPA (Companhia de Água e Esgoto da Paraíba), implantador de sistemas de abastecimento de água em muitas cidades paraibanas, professor da Escola Politécnica de Campina Grande, tendo deixado tudo para se dedicar à agricultura e a pecuária nas fazendas Carnaúba e Pau Leite. Foi pioneiro em tecnologia para semiárido paraibano, fazendo investimentos e concebendo inovações para a convivência produtiva com a seca. Tudo quanto fez em mais três decênios de labor incessante poderia ser encampado numa fundação para estudo e desenvolvimento de ações na região”.

Manelito foi também o primeiro presidente do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), idos de 2004 (governo Lula), com sede em Campina Grande.

O catedrático do Cariri

No livro de Otávio Sitônio Pinto, “Dom Sertão, Dona Seca”, das minhas releituras de sempre, encontro outro perfil de Manelito logo na abertura do capitulo XVII, com o título “Da pesquisa particular”. Sitônio, que é imortal da Academia Paraibana de Letras, escreveu: “A solução do SAIR (Semi-Árido Irregular) é a fazenda de Manelito. Ele fez mais pelo Semi-Árido Irregular que todas as universidades do Nordeste.”

Destaco outros trechos do livro:

–  A economia do estio dispensa grandes investimentos. A caprinocultura já tem sua viabilidade comprovada. Na Paraíba, em Taperoá, o pesquisador e fazendeiro Manelito Dantas Vilar provou que o Semi-Árido Irregular é viável pela caprinocultura e até pela bovinocultura bem orientada.

– Inventou a técnica da fenação tropical, introduziu o capim Buffel no Brasil e, com o engenheiro químico Sebastião Simões Filho (seu primo), desenvolveu uma tecnologia original de hidrolização de bagaço de cana.

– Com outro primo – o escritor Ariano Suassuna – doutor Manelito selecionou três raças de cabras aclimatadas secularmente ao Nordeste (Moxotó banca e Moxotó parda, ou Gurguéia, e a Craúna ou Preta Retinta), que identificou como descendentes das Brancas Pirenaicas e Pardas Pirenaicas, e das Pretas Murcianas, melhorando aquelas raças pelo recruzamento com as respectivas avoengas europeias. Obteve, assim, as brancas, pardas e pretas sertanejas. A esse método, Manelito e o primo e sócio Ariano denominaram “preservação com regeneração”.

– Como Guimarães Duque, o Catedrático do Cariri entende que a vocação do Sair é a pecuária e não a “lavoura lotérica”. Além de não depender da hipotética regularidade das chuvas, as lavouras anuais demandam manejos também anuais. E, às vezes, o plantio dessas lavouras é repetido várias vezes ao ano, mercê da irregularidade das chuvas, para todo esse esforço se frustrar numa Seca Verde. Assim falou o Zaratustra das Carnaúbas: “Em qualquer canto do mundo a semeadura de uma lavoura só se faz uma vez. ”

Manelito potiguar A relação afetiva de Manoel Dantas Vilar Filho com o Rio Grande do Norte era muito forte. Começou aí pelos idos de 1978 quando da realização no Parque Aristófanes Fernandes, em Parnamirim, da Exposição Nacional da Raça Guzerá (Governo Tarcísio Maia, também criador da raça).  O evento foi incentivado por criadores da Paraíba e de Pernambuco, Manelito no meio.  Ele gostava de dizer que as terras potiguares eram uma extensão de seus “Cariris Velhos”. Sentia-se bem aqui.

A partir de então, todos os anos, a Fazenda Carnaúba esteve presente na Festa do Boi. Não somente com os exemplares das raças bovinas Guzerá e Sindi, mas, também, com seus caprinos e ovinos, a elite das raças nativas nordestinas. Manelito prestigiava as realizações da Anorc e da Ancoc, não somente nas exposições do Parque Aristófanes Fernandes, mas, também, no interior do Estado.

 Ajudou Nélio Dias, então presidente da ACOSC (Associação dos Criadores de Ovinos e Caprinos do Sertão do Cabugi), e também criador de Guzerá e Sindi (muitos deles com o ferro D) na organização do Grito da Seca. O grande evento, ocorrido na cidade de Lages em junho de 1998 (Governo Garibaldi Filho), contou com a presença do ministro da Agricultura, Francisco Sérgio Turra, do superintendente da Sudene e de toda a bancada federal do Estado.

Manelito foi um dos palestrantes, dividindo o palco com o primo e parceiro Ariano Suassuna. O Grito da Seca deu um grande impulso a caprinocultura potiguar.

A sua morte repercutiu no mundo da pecuária brasileira. A ABCZ (Associação Brasileira de Criadores de Zebu), sediada em Uberaba, divulgou nota de pesar. Três anos atrás a ABCZ homenageou Manelito dando o seu nome a um dos pavilhões do Parque Fernando Costa, palco da maior exposição de zebuínos do mundo.

As lições da Manelito permanecerão. As saudades, também.

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