Ivan Maciel de Andrade
Procurador de Justiça e professor da UFRN (inativo)
Não há ninguém nos dias atuais que haja testemunhado uma tragédia com as dimensões e características da pandemia do novo coronavírus. O nosso conhecimento da gripe espanhola de 2018 baseia-se, evidentemente, em relatos históricos. Por mais precisas que sejam essas descrições, os fatos estão distantes de nós. Transformaram-se em estatísticas. Agora somos protagonistas de dramáticos e sombrios acontecimentos que futuramente serão registrados pela História. Para nosso espanto, o número de vidas perdidas corresponde às piores expectativas.
E não há sequer previsão para o fim da Covid-19. A incerteza é geral. Tudo depende a rigor da descoberta de uma vacina eficaz e segura. Os sanitaristas e epidemiologistas falam em segunda onda – um retorno da doença naqueles países em que a pandemia foi aparentemente controlada. E os mais pessimistas admitem até mesmo uma terceira onda, por conta de possíveis mutações do vírus. Há ainda uma guerra de teses antípodas sobre medicamentos que evitariam as formas mais graves da infecção. Uma polêmica mais política do que propriamente científica.
Ao lado disso, a economia mundial derrete. Com sensível agravamento da crise nos países subdesenvolvidos ou emergentes. Sendo que recaem principalmente sobre os segmentos pobres e carentes os efeitos mais danosos e cruéis da recessão econômica, sob forma de aumento exponencial do desemprego, transformando em fome aguda a desnutrição crônica. As periferias mais humildes e as populações das favelas pagam um preço maior em número de contaminados pela Covid-19, em quantidade de mortos (face à deficiente assistência médico-hospitalar) e em vítimas do tsunami que devasta a economia. O auxílio emergencial do governo, que deveria se estender pelo tempo que durar a pandemia, é providencial, mitigando os efeitos da calamidade.
Apesar de todas as singularidades dessa triste época de pandemia em que vive e morre a humanidade, sinto que existe algo que me remete a uma fase anterior da história de nosso país. Algo que identifico de imediato. O temor. Sim, o temor! Atualmente, de contaminação pela Covid-19 e, nessa outra fase a que me referi, da violenta repressão da ditadura militar. Porque o tenebroso período histórico a que me sinto transportado – pela lembrança do temor – é o que vai de 1964 a 1985 e foi caracterizado pela supressão da liberdade, dos direitos individuais e da prerrogativa de escolha dos governantes. Mais – pela tortura e pela morte dos presos políticos.
Sem democracia, o Congresso Nacional foi fechado e o Judiciário teve o Supremo Tribunal Federal reduzido à condição de órgão decorativo. Havia justificado receio de manifestar opiniões contrárias ao regime, mesmo em conversas particulares. A consequência poderia ser funesta. Os delatores, incentivados pelo governo militar, estavam atentos para denunciar “subversivos”, como eram designados os adversários da ditadura. Mesmo diante das trevas e do terror, em que o medo era sentimento dominante, muitos lutaram e deram a vida pela restauração da democracia.