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Teologia que interessa ao mundo

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Marcelo Barros – monge beneditino e escritor

Por onde passo, escuto a pergunta: “Dizem que a Teologia da Libertação está morta!. É verdade?”. Quase todos se refugiam em um impessoal “dizem”. Poucos assumem que eles/as mesmos/as pensam isso. Há alguns anos, personagens da cúpula católica declararam que a Teologia da Libertação tinha morrido. Disseram isso para expressar que estavam livres de um problema incômodo. Afirmaram a morte desse caminho espiritual mais para desejar que isso aconteça do que por estarem convictos de que fosse real. Entretanto, como, nas últimas décadas, as Igrejas parecem mais conservadoras e mais centradas em si mesmas, alguns concluem que, por isso, não existe mais essa relação entre fé e compromisso social. Por tudo isso, vale a pena recapitular: Chama-se “Teologia da Libertação” toda reflexão que liga a fé e a espiritualidade com o compromisso de transformar esse mundo e servir às causas da justiça, da libertação dos oprimidos e da paz.

Neste ano, estamos justamente celebrando os 40 anos do surgimento desse tipo de reflexão teológica na América Latina. Em 1971 aparecia no Peru o livro “Teologia da Libertação” de Gustavo Gutiérrez, seguido de outros escritos. No Brasil, Rubem Alves e Richard Schaull, professores do Seminário Presbiteriano de Campinas, foram pioneiros nesse tipo de reflexão. Foram perseguidos pela ditadura militar e incompreendidos pela hierarquia de sua Igreja. Na Igreja Católica, Leonardo Boff, Hugo Assmann e outros jovens trilharam o mesmo caminho.

Desde o começo, a Teologia da Libertação se diversificou em vários ramos e setores. Alguns autores aprofundaram mais a relação entre o compromisso cristão e a economia. Outros pesquisaram como aplicar à Teologia alguns conceitos vindos da análise da realidade, feita pelos socialistas. Homens e mulheres aprofundaram uma leitura da Bíblia a partir da realidade do povo. O que fez de pensadores tão diversos companheiros de uma mesma causa foi o compromisso de sempre tomarem como base a realidade de sofrimento injusto dos empobrecidos para servirem à sua libertação. Eles e elas elaboraram uma teologia que expressa a fé com palavras atuais e de modo a ser melhor compreendida pelo homem e pela mulher de hoje. Pela primeira vez, a teologia passou a interessar a muita gente do mundo inteiro, independentemente das pessoas terem ou não fé religiosa. Muitos jovens e intelectuais passaram a sentir-se ligados à caminhada cristã.

Na América Latina, durante séculos, o Cristianismo tinha legitimado a política injusta dos poderosos desse mundo. Com algumas exceções honrosas, desde a colonização, a maioria dos padres e pastores foi cúmplice da escravidão dos índios e negros. A Teologia da Libertação transformou isso. Não com discursos sobre a libertação, mas com um novo modo de fazer teologia a partir da realidade e em permanente contato com os movimentos populares. Esse método da teologia da libertação continua hoje vigente nas teologias indígenas, negras e feministas. Também, com toda razão, a categoria pobre e oprimido pode ser usada em relação à Terra e à natureza. Por isso, a Eco-teologia é uma expressão atual da Teologia da Libertação.

Não tem sentido discutir se, por acaso, a Teologia da Libertação morreu, quando as correntes nela engajadas já realizaram três fóruns mundiais sobre Teologia e Libertação e preparam um próximo. Quem entrar em qualquer livraria mais sortida descobrirá vários livros escritos recentemente a partir dessa corrente. De qualquer modo, é claro, o importante não é a Teologia da Libertação. É a própria caminhada da libertação, hoje, sempre mais atual e necessária não apenas na América Latina, mas para todo o mundo. Quem procura viver a espiritualidade ligada à realidade da vida tem na Teologia da Libertação uma boa ajuda para aplicar à nossa realidade a palavra de Jesus: “Quando vocês virem essas coisas começarem a acontecer, levantem as cabeças. É a libertação que se aproxima” (Lc 21, 28).

[ postado originariamente no site www.adital.org.br ]

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