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Teorema Nacional

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Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN

A “aldeia global” revelou sua visibilidade a partir do pós-guerra de 1945. Nesse sentido, em 1951, Teilhard de Chardin, em livro profético e até hoje atual, “O futuro do homem”, reconheceu a complexidade e a interdependência crescentes entre os povos. O que fora uma tendência, transformara-se numa realidade imutável e assustadora. Esse novo mundo, não tão fantástico e surpreendente quanto aquele ficcional de Aldous Huxley em 1932 (“O admirável mundo novo”), emergia de um paradoxo. De um lado, a irrefreável tendência universal para a convergência, nascida da constatação de que o ser humano, em qualquer cultura, nação e continente possui sentimentos, anseios, sonhos e desafios comuns. Do outro, o contraponto da guerra fria. Conflito ideológico, cruel e insano, convertendo-se em mais um “freio” à marcha da História. Entretanto, George Orwell, em seu clássico “1984”, pretendeu advertir o mundo para uma espécie de estagnação do pensamento e da ciência, sob o controle totalitário do Estado. Premonitoriamente, nessa circunstância, uma conjugação de avanços científicos e tecnológicos, incorporando o uso exclusivo de televisão e internet, chamados uniformemente no livro de “teletela”, fulminaria completamente a privacidade das pessoas. A antevisão de Orwell (1948) foi muito mais trágica do que a de Huxley. Ante a recente memória da tragédia da Guerra, cujos estigmas denunciaram a “loucura dos homens” (expressão cunhada por Albert Camus, herói da Resistência e Nobel da literatura), nunca se clamou tanto pela paz.

Nesse contexto, foi celebrado o notável e impactante “compromisso histórico” entre o líder da democracia cristã italiana, Alcides de Gasperi, e Palmiro Togliatti (Secretário-Geral do Partido Comunista Italiano). Esse pacto alcançou repercussão planetária, pois nada poderia obstar a pacificação interna das nações, que se impunha como fator indispensável à promoção da justiça e do bem comum. Era, de certo modo, uma reprimenda ao “centralismo soviético”, o qual pretendia impor o modelo aos seus partidários e simpatizantes em todo o mundo. Um desses exemplos se manifestou no Brasil, quando o Partido Comunista, então na legalidade, submeteu-se às imposições de Moscou para apoiar a coligação liderada por getulistas nas eleições parlamentares de 2 de dezembro de 1945.

Posteriormente, o presidente eleito, Eurico Gaspar Dutra, foi o algoz do Partido Comunista, propondo ao Congresso Nacional a decretação de sua ilegalidade.  Eis um dos grandes equívocos entre tantos da “esquerda brasileira”, que ainda exercita um centralismo incompatível com a democracia representativa. Entretanto, as humanas e altivas palavras de Paulo VI, para quem a paz era e é sinônimo de desenvolvimento, ainda ressoam como advertência e clamor à humanidade. Pois o desenvolvimento deveria ser compartilhado por todos os povos. Principalmente aqueles até então despojados ou privados de sua dignidade. O livro de Walt Rostow (“As etapas do desenvolvimento econômico”) ainda hoje é referência para reflexões sobre o assunto. Também a visão santa e corajosa de Jacques Maritain e Joseph Lebret, apóstolos do solidarismo cristão. As nações cristãs não podem ignorar a exortação de Jesus Cristo: “Ide e ensinai a todos os povos”. É imperativo eterno e missão sem fim.

O mundo foi submetido ao maniqueísmo entre direita e esquerda. A América Latina e, particularmente, o Brasil, ainda enfrentam sequelas desse conflito sem fronteiras, que estigmatizou corações e consciências. Radicalização que embarga a consciência de muitos quanto à sua identidade nacional. Essa é uma questão que também está na origem das incertezas atuais. Há momentos em que o Brasil (é o caso atual), pela postura de governantes e parlamentares, revela-se agrilhoado a um passado gasto, superado e perdido na poeira do tempo. Não nos iludamos: a corrupção é também legado desse passado. A erosão moral começou naqueles tempos e avançou…

Afonso Arinos foi um misto de político, pensador, historiador, jurista e memorialista. Sem esquecer sua notável contribuição como legislador e orador na história do Congresso Nacional. Tive o privilégio de sua amizade. Frequentemente criticava o presidencialismo brasileiro. Considerava-o uma deformação grotesca do sistema norte-americano. Nesse contexto, classificava o presidente brasileiro em duas categorias: se eleito pelo povo, uma espécie de “monarca coroado pelo voto” para o tempo do seu mandato; ou um caudilho, ditador, nos estilos do Estado Novo e do regime militar.

Odilon Ribeiro Coutinho, de saudosa e inesquecível memória, em um dos seminários de tropicologia, deplorou a ignorância das nossas origens pela maioria dos governantes. Essa também era a visão do seu grande mestre e amigo Gilberto Freyre. O mestre Cascudo advertia que o nosso modelo político, verdadeiro, autêntico, deveria ter fonte genuína: a maneira de ser do povo. Enfim, haveria uma concepção política nascida da cultura do povo. Percepção também compartilhada pelo genial Darcy Ribeiro.

O Brasil realizou “milagres” em sua História. Amálgama de culturas. Também retratados na literatura. Vianna Moog, em “Um rio imita o Reno” e “Uma jangada para Ulisses”, confirma que nenhuma corrente migratória se sobrepôs à cultura nacional. Pelo contrário. A ela se incorporou. O mesmo demonstraram Graça Aranha em “Canaã” e Érico Veríssimo em “O tempo e o vento”. Jorge Amado, em sua vasta e complexa obra, esmiúça a alma nacional, que emergiu de uma fusão de raças e culturas. Ainda que ostente, até hoje, paradoxos que a modernidade gradualmente erradica. Raymundo Faoro, em “Os donos do poder”, analisou as manifestações autoritárias e elitistas em nossa História, que geraram injustiças, miséria, atraso e ignorância.

Eis um tema complexo e inesgotável. Sua discussão pode suscitar lúcida avaliação da política e dos políticos. Do presente e do futuro que pretendemos construir.   

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