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Território habitado pela poesia

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Yuno Silva – repórter

Poesia que arrebata costuma ir longe, reverbera, mobiliza e transforma. Atrai e encanta quem se habilita a mergulhar fundo nos sentimentos do autor, no caso autora, para descobrir seus desejos e  segredos. Seu passado e seu legado. Assim é o novo livro de Marize Castro, que assina versos com feromônios e elege a figura do caracol como símbolo máximo da interligação entre interior e exterior. A poeta sai de seu casulo, uma fortaleza protegida por bouganvilles onde o visitante é recepcionado desde o portão pela palavra ‘amor’, para apresentar “Habitar teu nome” (Una Editora/FJA) nesta quarta-feira, às 19h, no pátio interno do Teatro Alberto Maranhão. O violoncelista Diego Paixão será testemunha musical do encontro.
Dois anos depois de Lábios-Espelhos, Marize Castro volta ao verso em Habitar Teu Nome.
A obra, sexto lançamento da autora, ganha forma através de 51 poemas que transpiram uma sensualidade desconcertante e delicada, versos dedicados a quatro “influências primordiais” para a vida e para a poesia da potiguar: as escritoras brasileiras Ana Cristina Cesar, Hilda Hilst e Orides Fontela, e a artista plástica francesa Louise Bourgeois.

Sobre a essência dessas influências, Marize cita uma carta escrita por Louise: “você somente contará, para você mesma e em sua arte, na medida em que conservar a sua integridade”. É essa integridade que move e sustenta. “Mas observo que elas não são meus únicos ‘pilares’, esclarece. A poetisa grega Safo (VII a.C), o francês Rimbaud, a poeta Emily Dickinson (EUA, século 19) e a cantora e poeta norte-americana Patti Smith também estão na lista que alimenta Marize Castro, que ao lado de Diva Cunha, Iracema Macedo e Anchella Monte representa o que há de melhor no cenário da poesia feminina norte-riograndense.

Ela contou que topou com o quarteto homenageado em “Habitar teu nome” em momentos distintos, todos certeiros. “Ana e Orides conheci na década de oitenta, Hilda nos noventa e Louise no início deste século (cheguei atrasada a ela, mas cheguei!). Vi alguns trabalhos dela no Centro Pompidou, em Paris, e fiquei arrebatada. O poeta se apropria do plano das imagens como do plano das palavras, e sempre que vejo a arte de Louise meu primeiro desejo é escrever, escrever. Ela me instiga com o seu desejo de seduzir”, diz Marize para justificar a presença da escultora.

O ENIGMA DE CADA UM

E o título enigmático do livro? Qual nome habitar? “Deixemos que o leitor descubra. A descoberta será única e intransferível para cada um. O Nome a ser habitado será diferente para cada leitor. Dar senhas demais, a meu ver, não é o caminho da poesia”, garante a autora. Essa provocação que incita a descoberta também se materializa na ausência de títulos para os poemas – abre brechas para interpretações e abstrai expectativas. “Foram concebidos sem títulos porque eles não se mostraram durante a gestação. Eu respeitei esse desejo de ‘manter-se encoberto’ de cada um”.

O primeiro passo editorial de Marize se deu em 1984, com “Marrons Crepons Marfins”, lançado sugestivamente há exatos 27 anos, em 14 de dezembro de 1984. Mesmo sendo a estréia, o livro trouxe um sabor tão intenso que mereceu resenha entusiasmada do crítico Moacir Amâncio no jornal Estado de São Paulo: “qualquer pessoas pode rabiscar, mas poucos têm coragem e talento para desenvolver um trabalho artístico (…) Isso acontece com ‘Marros Crepons Marfins’ (…) uma poesia que encontra sua tensão ao abrir as portas para o bicho, apresentando-o, porém, devidamente coberto de adereços e/ou atributos sócio-culturais”.

Em seguida vieram “Rito” (1993), “Poço. Festim. Mosaico” (1996), “Esperado ouro” (2005) e “Lábios-espelhos” (2009). “O tempo traz tudo, inclusive a experiência. Dos anos oitenta do século passado para este 2011, um longo caminho foi percorrido, vivido. Sem ele, sem este caminho, eu não estaria aqui com esta linguagem cada vez mais parecida comigo mesma”, comentou sobre o sucessivo acúmulo de experiências. “Me senti poeta desde o primeiro poema, depois tive dúvidas, depois não tive mais. É o que eu sou, não posso me esconder de mim mesma”.

Traduzida nos Estados Unidos, Espanha, Chile e Argentina, Marize Castro garante que sua intenção “é apenas ser verdadeira, sincera, honesta. O que suscitará após a leitura, não é mais o meu ‘território’”, emenda.

Buscando explicitar a simbologia do caracol através da ‘auto-proximidade’, ela dá uma nova pista sobre suas influências ao experimenta a grafia em forma de espiral no poema “Antes” – único trecho do livro escrito com formato diferenciado. Esse recurso remete diretamente ao próprio poema, a imagem que ilustra a capa do livro e suscita um mergulho mais profundo no significado das palavras. “A poesia concreta é uma referência importante para mim. Minha amizade com Haroldo de Campos foi um incentivo para a minha poesia. Significado e significante sempre foram igualmente importantes”.

TRECHO

POEMA HAVERÁ?

haverá homem que não seja colina?
mulher que não seja nuvem?
criança que não seja milagre?
… o que o naufrágio fez com eles?
… deu-lhes fogo para ficarem belos?
asas para romperem céus?
barbatanas para voos oblíquos?
eu que ainda moro ao lado do mar
e me perfumo para abrir livros
deito entre aves e oro:
que a onda do amor
não adoeça
nenhum caminhante
encontre laços
nenhum rio
estacione.

ALIMENTO PURO

Quanto ao desafio de lançar livros de poesia em um país onde se lê pouco, Marize é enfática: “meu destino é escrever e sei que sempre haverá alguém para ler. A qualidade da leitura não está, necessariamente, ligada na quantidade de leitores. O que move o poeta é a necessidade de escrever e a possibilidade de interagir com o leitor. Talvez possa realmente ser impossível sobreviver, hoje em dia, pagar as contas publicando poesia, mas viver de poesia, sim, é perfeitamente possível. É o alimento mais puro que há!”

Serviço

Lançamento do livro “Habitar teu nome” (Uma Editora/FJA), de Marize Castro. Hoje, às 19h, no pátio interno do Teatro Alberto Maranhão – Ribeira. R$ 20. Após lançamento, à venda nas principais livrarias da cidade.

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